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A formação continuada é um tema abrangente que suscita pesquisas e estudos e mobiliza entidades e movimentos sociais. Com relação às políticas públicas na área, observamos que, no Brasil, as políticas educacionais da década de 90 passaram a direcionar maior quantidade de recursos disponíveis à formação e ao desenvolvimento dos docentes, efetivando inúmeras reformas e ações governamentais para a formação inicial e continuada de professores.

Nessa perspectiva legal, a LDB (BRASIL, 1996), em seu artigo 67, afirma que a valorização dos profissionais da educação deve ser promovida pelos sistemas de ensino, assegurando, entre outras garantias, o “aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim” (BRASIL, 1996, p. 37).

Em articulação com essa prescrição, o art. 70 da mesma lei determina que a remuneração e o aperfeiçoamento do pessoal docente e dos demais profissionais da educação constem como parte das despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, com vistas à “[...] consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis” (BRASIL, 1996, p. 39).

Reconhecemos, nesses artigos da LDB, um aspecto de valorização e conquista que converge para a formação continuada, mas cabe refletir quais são os objetivos básicos que desejamos alcançar na educação. Afinal, as leis promulgadas no campo da educação são resultantes de discussões e debates envolvendo diferentes sujeitos e entidades da sociedade, portanto refletem as contradições que as constituem, nas quais as discordâncias ressoam como partes integrantes de todo processo dialógico. Nessa direção, Santos (2011, p. 78) afirma:

Se por um lado a LDB 9394/96 trouxe alguns avanços no que diz respeito à valorização dos profissionais do magistério, por outro, faz-se necessário frisar que a determinação de princípios no âmbito legal não foi suficiente para concretizar o que estava prescrito. Ao que tudo indica, os legisladores precisariam avançar em ações políticas concretas que fossem capazes de alterar o quadro de desvalorização em que os profissionais da educação estão inseridos, pois os dispositivos legais que tratam das questões de salário, carreira e condições adequadas de trabalho ainda estão a reclamar sua efetivação.

Ao analisar as políticas públicas para a formação continuada no Brasil, no período de 1998 a 2008, Gatti (2008) assinala o crescimento de iniciativas relacionadas a ações de “educação continuada” ressaltando que seu conceito com base nas discussões e nos estudos na área não encontra um consenso e que “[...] talvez isso não seja mesmo importante, aberto que fica ao curso da história” (GATTI, 2008, p. 59). De acordo com a autora, a oferta tão vasta de atividades de Formação Continuada não ocorre por acaso. Um fator marcante é a facilidade gerada pela não exigência de credenciamento das instituições que oferecem as formações, já que sua realização se concentra em cursos de extensão ou pós-graduação lato sensu.

Na atual conjuntura, as expectativas de melhoria dos resultados da educação brasileira têm promovido medidas que, direta ou indiretamente, impactam tanto o trabalho docente quanto as ações e políticas de formação. “Os professores são, em geral, considerados os principais responsáveis pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema no contexto de reformas educacionais” (OLIVEIRA, 2008, p. 30). Quando aborda a questão da identidade e profissionalização docente, Oliveira (2008) assinala que o processo de democratização da escola, enquanto representa uma conquista, também traz outras exigências:

Agora, o trabalho docente deve contemplar as atividades em sala de aula, as reuniões pedagógicas, a participação na gestão da escola, o planejamento pedagógico, dentre outras atividades. Esse quadro tem resultado em significativa intensificação do trabalho e precarização das relações de emprego, em mudanças que repercutem sobre a identidade e profissão docente (OLIVEIRA, 2008, p. 30).

Essas declarações acentuam a importância de buscarmos compreender a formação continuada ante a realidade institucional vivida pelos docentes e também nos movimentos e associações organizados que, em diferentes perspectivas, atuam no contexto político com as causas da formação continuada.

Nesse movimento de defender, como sociedade civil organizada, os interesses das entidades acadêmicas, a Associação Nacional pela Formação de Profissionais em Educação (ANFOPE) participa como membro integrante do Fórum Nacional de Educação (FNE) e da Comissão Nacional Organizadora da próxima Conferência Nacional de Educação (CONAE/2014). A entidade tem sua origem no movimento de educadores na década de 1970 e, nesses 34 anos, defende a formação inicial e continuada de qualidade socialmente referenciada e a valorização dos profissionais

em educação, buscando, de acordo com seu Estatuto (2009, Art. 1.º, p. 59), “[...] fazer avançar o conhecimento no campo da formação e da valorização dos profissionais da Educação, por meio da mobilização de pessoas, de entidades e de instituições dedicadas a essa finalidade” (ANFOPE, 2012).

Nessa perspectiva dialógica e no movimento de encontro com o outro (BAKHTIN, 2011), acreditamos que a temática da formação continuada não pode estar isolada de tantos outros fatores que a circundam e que, na mesma proporção, sua circularidade também se movimenta em torno de outros elementos no contexto social, político e econômico.

Ao abordar a formação de professores em meio à complexidade do trabalho na escola, Nóvoa (2009) aponta sua importância como espaço da análise partilhada das práticas. E acrescenta que “não há respostas feitas para o conjunto de dilemas que os professores são chamados a resolver numa escola marcada pela diferença cultural e pelo conflito de valores” (p. 41), ressaltando, por isso, o valor da ética profissional que se constrói no diálogo com os colegas.

Assim, ainda em vias de consolidação, a EI vem afirmando-se na composição de um campo singular com procedimentos e conceituações próprias que direcionam a constituição de uma Pedagogia da Infância (ROCHA, 1999), demarcando a indissociabilidade do trabalho de cuidar/educar na atuação docente dessa etapa da educação básica.

Nessa direção, ao apresentar algumas dimensões da ação profissional que caracterizam a singularidade das educadoras de infância, Oliveira-Formosinho (2002) ressalta que essa especificidade relaciona-se com as características das crianças e também com o trabalho que precisa ser desenvolvido pelas educadoras em ações que integram o cuidar e o educar e requerem maior interação entre os profissionais e as famílias das crianças.

Nesse espaço de construção coletiva, podemos supor que a avaliação institucional na EI possibilita que os sujeitos vivenciem processos formativos por meio de sua participação nesse “projeto”, com possibilidades de problematizar questões

relacionadas à formação continuada, às condições adequadas para o trabalho docente e outras demandas elencadas pelos envolvidos.

Assim, concordamos que o processo de formação continuada, entre outras características, “precisa centrar-se nos problemas da escola, [...] mobilizando conceitos, teorias, métodos no contexto concreto de uma reflexão profissional” (NÓVOA, 2009, p. 41). Nessa perspectiva, destacamos a necessidade de (re)pensar os processos formativos dos docentes de forma a aproximá-los, o máximo possível, dos contextos vividos na EI, reconhecendo suas especificidades (CÔCO, 2013).

Acreditamos que a avaliação institucional promove um movimento dialógico importante que vai ao encontro dessas reflexões sobre a formação continuada, visto que o processo avaliativo, numa perspectiva participativa, considera o contexto e suas especificidades como ponto de partida à ação avaliativa e requer a interação com as famílias e todos os profissionais que se relacionam com as crianças. Sendo assim, de acordo com Vieira et al. (2014, p. 147):

Mover o pensamento em direção às questões circundantes da formação docente na EI implica compor uma visão ampliada e diversificada das concepções em debate, dos sujeitos envolvidos e de suas diferentes ideias sobre essa questão, bem como considerar as correlações com seus elementos constitutivos: legislação, movimentos sociais, práticas formativas e tendências no campo das pesquisas.

No que se refere às tendências no campo das pesquisas e às concepções em debate, temos a contribuição de Oliveira (2004), ao abordar a questão da precarização e flexibilização do trabalho docente. A autora elenca os fatores que indicam novas estratégias de regulação das políticas educacionais, ente as quais destaca a regularidade e ampliação dos exames nacionais de avaliação. Ressalta ainda que “[...] este contexto de nova regulação das políticas educacionais tem sido pouco estudado no que se refere aos seus reflexos sobre o trabalho docente” (OLIVEIRA, 2004, p. 1.130).

Desse modo, considerar os percursos formativos na perspectiva de valorização do trabalho docente implica compreender que a formação continuada constitui um dos “[...] três importantes elementos que interferem na sua condição profissional, são eles: 1) a remuneração; 2) a carreira e condições de trabalho e 3) a formação inicial e continuada” (OLIVEIRA, 2013, p. 52, grifo nosso).

Portanto, no intuito de compreender as relações que se constituem entre a avaliação institucional na EI e os percursos de formação continuada vivenciados por docentes participantes desse processo avaliativo, ressaltamos a importância de que a formação continuada dos docentes na EI seja alicerçada num movimento de reflexão constituído mediante o encontro entre os pares, de modo a valorizar os saberes da experiência na construção de um projeto coletivo de trabalho (CÔCO, 2013).

Ao afirmarmos a valorização de diferentes saberes na perspectiva do trabalho coletivo, precisamos considerar a ação docente para além da “regência de classe”, incluindo nessa categoria os professores, estagiários, diretores, coordenadores, supervisores, orientadores, atendentes, auxiliares, entre outros sujeitos envolvidos nas atividades e relações presentes nas instituições educativas (OLIVEIRA, 2010).

No campo da EI, conforme assinalam Ferreira e Côco (2011), a dimensão do trabalho docente inclui a chegada recente de profissionais que não pertencem ao quadro do magistério, que compartilham com as(os) professoras(es) as responsabilidades pelo cuidar/educar das crianças, porém sem exigência de formação pedagógica e com carga horária e salários diferenciados do quadro do magistério. Além disso, as autoras destacam que essa situação impõe dificuldades de resistência e organização da categoria, pois “[...] os trabalhadores docentes apresentam-se com laços frágeis de solidariedade, minimizando o empoderamento das lutas comuns ao quadro da docência” (FERREIRA; CÔCO, 2011, p. 365).

Reconhecemos que a EI, ao compor a educação básica como primeira etapa desse nível de ensino, obtém conquistas relativas a melhorias no financiamento e no reconhecimento de seu pertencimento aos sistemas de ensino. Nesse processo, alguns dilemas são evidenciados, a saber: Como fortalecer o pertencimento à educação básica e elaborar uma forma de trabalho diferenciada do ensino fundamental? Que ações formativas se fazem necessárias para demarcar tanto seu pertencimento quanto suas singularidades?

Tais questionamentos marcam também a trajetória da EI, reafirmando sua especificidade no campo da formação continuada, assim como no campo da avaliação institucional que discutimos na sequência deste capítulo.