• Nenhum resultado encontrado

6   ANÁLISE DE DADOS 53

6.2   Formação da agenda 56

O reconhecimento do Brasil, quanto à existência do trabalho escravo moderno, por meio da trajetória de conflitos e denúncias da CPT frente à inércia do Estado brasileiro e os painéis de discussão entre os atores sociais nacionais e internacionais, contribuíram para pressionar tal posicionamento (SCHWARZ, 2008). Este processo resultou na assinatura do Brasil junto à Corte, comprometendo-se a realizar uma mudança (formação da agenda) no governo, de uma política de combate para uma política de erradicação das manifestações contemporâneas de escravidão (VILLELA, 1999).

[...]um dos marcos da atuação da OIT-Brasil foi a realização de duas Jornadas de Debate sobre o Trabalho Escravo, em setembro de 2002 e em novembro de 2004. Os eventos reuniram Juízes do Trabalho, Procuradores da República, Procuradores do Trabalho, Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais e Fiscais do Trabalho (OIT, 2010a, p. 137).

o do

As Jornadas de Debate alcançaram intensa repercussão nas mídias impressa e televisiva, reforçando a presença da temática na agenda nacional. Além disso, podem ser considerados como possíveis desdobramentos dessas iniciativas o incentivo à criação de grupos de trabalho de combate ao trabalho escravo no Ministério Público Federal (MPF), no Ministério Público do Trabalho (MPT) e na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desse modo, o MPT conta hoje com a Coordenadoria Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), com o MPF, com uma força-tarefa destinada à erradicação do trabalho escravo e a OAB, com a Coordenação de Combate ao Trabalho Escravo (OIT, 2010b, p. 138).

Além dos grupos de trabalho acima, a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, composto de auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho, delegados e agentes da polícia federal, que atuavam segundo uma estratégia de autuação e combate mediante denúncia, foi marcante para a consolidação da agenda governamental (VILLELA, 2008). Neste sentido, o problema ganha atenção, resolubilidade e competência (SECCHI, 2010). Em situações específicas, também participam das ações em empreendimentos denunciados representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Instituto Brasileiro do Meio-ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e membros da procuradoria federal e promotoria federal.

No momento em que diferentes atores sociais entendem que a situação é merecedora de intervenção (atenção), as ações são consideradas necessárias e factíveis (resolubilidade) e o problema deve tocar realidades públicas (competência), neste caso, a formação da agenda consolida-se por meio de programas, de agenda política e de agenda formal do governo (SECCHI, 2010).

Como Palestrante 11 afirma (2011):

No chamado Primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, o primeiro plano lançado no início do governo Lula em 2003 não foi algo inventado em 2003. Ele foi fruto de um processo de todas essas instituições e organizações governamentais e que o governo, sabiamente, e por compromissos sociais que tinha ao longo de sua história política, colocou o plano, vamos dizer assim, para andar.

O 1º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, formulado pela então recém-criada Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, vinculada à Presidência da República que, imediatamente, foi criada a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, um órgão colegiado cujo objetivo é monitorar a execução do Plano Nacional (VILLELA, 2008). O plano reunia 76 medidas para uma ação em rede, envolvendo governo e a entidade civil, incluindo ONGs, representantes dos trabalhadores e das empresas, articuladas pelos órgãos dos Poderes

Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público no combate à prática escravista (SEDH, 2008; KAIPPER, 2008; SCHWARZ, 2008).

Como desdobramento do plano, na esfera executiva, o MTE consolidou a importância do GEFM, e o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo – GERTRAF, no trabalho integrado de fiscalização e autuação em empreendimentos (VILLELA, 2008), foi criada a chamada “Lista Suja” (Portaria 540/2004) do MTE, que designa o cadastro com os empregadores flagrados na exploração do trabalho em condições análogas à escravidão, são condenados administrativamente. A lista torna público o nome de quem escraviza, dando mais visibilidade ao problema do trabalho escravo no Brasil. O cadastro é atualizado a cada seis meses, informando ministérios e outros órgãos sobre quais são os empreendimentos escravocratas, permitindo bloquear processos de avaliação e concessão de crédito por bancos públicos e privados. O escravocrata condenado permanece listado por dois anos, estando sua exclusão condicionada ao pagamento das multas e direitos trabalhistas, ao monitoramento de sua cadeia de produção e a não reincidência na prática escravista (VIANA, 2007).

Na esfera legislativa, medidas de destaque foram os projetos de lei que expropria terras em que for encontrado trabalho escravo, suspendem o crédito de fazendeiros que se utilizam da prática e transferem para a esfera federal os crimes contra os direitos humanos (VILLELA, 2008).

Na esfera da sociedade civil, a ONG Repórter Brasil, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social, a OIT e o IOS propuseram, em maio de 2005, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que celebra regras comerciais segundo as quais as empresas signatárias são responsáveis pelos acordos e cláusulas contratuais junto a seus fornecedores ao longo da cadeia produtiva, proibindo o uso de qualquer forma de trabalho escravo sob risco de quebra contratual, além de treinamento de funcionários sobre a escravidão contemporânea e rastreabilidade da cadeia produtiva (REPÓRTER BRASIL, 2008). Atualmente, o pacto reúne 200 signatários – entre empresas brasileiras e multinacionais, associações comerciais e entidades da sociedade civil – que, juntos, contribuem com mais de 20% no PIB nacional (REPÓRTER BRASIL, 2005).

Para a OIT:

[...]as questões do trabalho forçado agora são proeminentemente incluídas nas agendas da Iniciativa multi-stakeholder – MSI e da Responsabilidade social das empresas – RSE. As iniciativas setoriais nas indústrias do cacau, algodão, óleo de palma, açúcar e tabaco, entre outras, deram proeminência à ação contra o trabalho forçado (OIT, 2009j, p. 68).

Em 2004, foi criado o Instituto Carvão Cidadão – ICC por oito siderúrgicas do Maranhão e do Pará, para contribuir no monitoramento da cadeia produtiva do carvão vegetal contra mão de obra escrava e o combate ao desmatamento da floresta amazônica (REPÓRTER BRASIL, 2011). Em 2005, a publicação da OIT (2005) (Aliança Global) reconhece os avanços que o Brasil implementou no combate ao trabalho forçado.

Conforme mencionado pelo IOS:

A Repórter Brasil, junto com outros estudos e com outras iniciativas: Greenpeace, principalmente, sobre a carne, começou a fazer mapeamento sobre empresas de carne que também têm problemas com trabalho escravo. Frigoríficos principalmente. Então a gente teve também uma sensibilização grande em frigoríficos. Essas sensibilizações funcionam como se fossem seminários setoriais. A gente convida empresas e entidades referências nos seus setores apresenta o pacto, e se por algum motivo já houver, por exemplo, a exposição de um caso ou de um estudo de caso desse setor, é apresentada para que haja a sensibilização e para que haja a conscientização da importância do pacto (PALESTRANTE 2, 2011).