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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA FEI RODRIGO MARTINS BAPTISTA

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Academic year: 2021

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COMO O BRASIL VEM ENFRENTANDO O TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO?: Análise da Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.

São Paulo 2012

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RODRIGO MARTINS BAPTISTA

COMO O BRASIL VEM ENFRENTANDO O TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO?: Análise da Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro Universitário da FEI para a obtenção de título de Mestre em Administração, orientada pelo Prof. Dr. André Ofenhejm Mascarenhas.

São Paulo 2012

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Baptista, Rodrigo Martins Como o Brasil vem enfrentando o trabalho escravo

contemporâneo?: Análise da Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo / Rodrigo Martins Baptista. – São Paulo, 2012. 90 f.

Dissertação – Centro Universitário da FEI.

Orientador: Prof. Dr. André Ofenhejm Mascarenhas

1. Trabalho escravo contemporâneo. 2. Políticas públicas. 3.

Política Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. I. Mascarenhas, André Ofenhejm; orient. II. Título.

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A Deus! A Ele pertence minha vida. À minha querida esposa, Estefania Medeiros Castro, a meus pais; José Baptista e Eunice Martins Baptista; a meu irmão Ricardo Baptista e toda família. Muito obrigado a todos pela ajuda recebida: amo vocês.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus Professores, principalmente ao Dr. André O. Mascarenhas, Dra. Patrícia Mendonça, Dra. Sylmara Dias, Dr. Edmilson Moraes, Dr. Leonardo Sakamoto e a todo corpo docente da FEI pelo apoio, confiança e orientação.

Ao meu grande amigo e Doutorando Mauro de Oliveira, pelo incentivo e ajuda em todos os momentos difíceis. À grande amiga, Marisa Teixeira por todo apoio.

À minha amada esposa, Estefania Medeiros Castro, meu pais, meus irmãos e todos os meus lindos sobrinhos. Agradeço a todos pelas orações. Que Deus abençoe a todos vocês.

À Carmen Carlos, secretária do mestrado e doutorado e Patrícia Braghin gentil e prestativa bibliotecária da FEI, que não mediram esforços para me apoiar e orientar, meus sinceros agradecimentos.

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Se esperas que o gato / Vai te dar um dinheirão / Pode até ficar maluco / Ou sofrer com a opressão/ É preciso ter coragem / Pra mais tarde se defender / É preciso saber viver / Pode ser numa fazenda / No Maranhão ou no Pará / O trabalho escravo existe / E você pode combater / É preciso se defender...

Paródia criada por lideres comunitários de Açailândia (MA), que participaram do projeto “Escravo, nem pensar!”, com base na musica “É preciso saber viver”, de Erasmo e Roberto Carlos, regravada pelos Titãs.

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RESUMO

O conceito moderno de trabalho escravo assume formas como servidão por dívidas, trabalho forçado, posse e contrato de escravidão escondendo elementos que atingem a dignidade humana como o cerceamento da liberdade, degradância e jornada exaustiva (SCHAWARZ, 2008; BALES, 2004). Centenas de milhares de pessoas estão vulneráveis às formas da escravidão. Frente à problemática globalizada, o Brasil foi selecionado como objeto referencial para o estudo das ações de erradicação ao trabalho escravo por combater a prática e obter resultados efetivos, sendo apresentado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT como o país exemplo na adoção de boas práticas no combate ao problema (OIT, 2005). A pergunta de pesquisa que norteia esta dissertação é como se tem dado o processo de

construção e consolidação da Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil? Assim, esta análise exploratória e descritiva aborda como os atores institucionais

se articulam e operacionalizam o ciclo da Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, abrangendo a análise das motivações e dos conflitos entre os atores sociais envolvidos com a problemática. De 1957 a 1995 o Brasil foi alvo de pressões internacionais e nacionais para identificação e reconhecimento do problema, mesmo tendo ratificado as Convenções 29 e 105 da OIT. Em 1995 inicia-se um ciclo de identificação e reconhecimento, e 2003 é marcado com a alteração do Artigo 149 do Código Penal Brasileiro – CPB para entendimento do problema. De 2003 a 2008, dois planos lançados pelo governo junto com Organizações Não Governamentais – ONGs, entidades civis e a OIT têm resultados positivos, mas revelaram tentativas de deslegitimação por empresas, fazendas e políticos da bancada ruralista (BRAZIL REPORTER, 2011; CPT, 2011). Os planos tornaram-se prioridade na agenda política brasileira formando uma Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo que possui mecanismos informativos, repressivos e punitivos. Conclui-se o trabalho apontando-se uma série de desafios à ação e reflexão, no campo da administração, que seriam desdobramentos deste processo de transformação.

Palavras-chave: Trabalho escravo contemporâneo. Políticas públicas. Política Nacional de

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ABSTRACT

The modern concept of slave labor takes forms such as debt bondage, forced labor, slave contract and ownership, hiding elements that affect human dignity as the restriction of freedom, degradance and exhaustive journey (SCHAWARZ, 2008; BALES, 2004). Hundreds of thousands people are vulnerable to forms of slavery. Faced with the global problem, Brazil was selected as an object reference for the study of actions to eradicate slave labor to combat the practice and get effective results, as presented by the International Labor Organization – ILO as the country that adopted best practices in combating the problem (ILO, 2005). The research question guiding this thesis is how the process of construction and consolidation of the National Policy for the Eradication of Slave Labor in Brazil has given itself? Thus, this descriptive and exploratory analysis addresses how the institutional actors articulate and operationalize the cycle of the National Policy for the Eradication Slave Labor in Brazil, including the analysis of motivations and conflicts among the social actors involved with the problem. From 1957 to 1995 Brazil was the target of international pressure and national identification and recognition of the problem, it has ratified Conventions 29 and 105 of the ILO. In 1995 begins a cycle of identification and recognition, and 2003 is marked with the amendment to Article 149 of the Brazilian Penal Code - CPB for understanding the problem. From 2003 to 2008, two plans launched by the government along with non-governmental organizations – NGOs, civil organizations and the ILO have positive results, but revealed deslegitimization attempts by businesses, farms and political of rural stands (BRAZIL REPORTER, 2011, CPT, 2011). The plans have become a priority in the Brazilian political agenda forming a National Policy for the Eradication of Slave Labor has mechanisms informative, repressive and punitive. We conclude the work by pointing to several challenges to actions and reflections in the administration field that would be consequences of this transformation process.

Keywords: Contemporary slave labor. Public policy. National Policy for the Eradication of

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 – Critérios para definição da escravidão ... 21

QUADRO 02 – Diferença entre a antiga e a nova escravidão ... 23

QUADRO 03 – Comparativo da escravidão contemporânea do Brasil e OIT ... 35

QUADRO 04 – Programação do IV Seminário do Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo ... 46

QUADRO 05 - Tabela de palestrantes e entrevistados...47

QUADRO 06 – Dados secundários ... 48

QUADRO 07 – Incidência de categorias gerais ... ...51

QUADRO 08 – Incidência de categorias específicas... ... ...52

QUADRO 09 – Foco geral do 1º e do 2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo ... 70

QUADRO 10 – Atores sociais envolvidos com trabalho escravo ... 76

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 – Fatores-chave da escravidão ... 19

FIGURA 02 – Conceito para o Brasil ... 34

FIGURA 03 – Conceito para a OIT ... 35

FIGURA 04 – Modelo do processo social de risco ... 38

FIGURA 05 – Linha do tempo no processo de identificação, reconhecimento e desenvolvimento de políticas ... 56

FIGURA 06 – Fluxo de problemas, soluções e condições políticas favoráveis e sua convergência ... 65

FIGURA 07 – Modelo do processo social de risco aplicado ao ciclo de política pública para erradicação do trabalho escravo ... 72

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SUMÁRIO

1   INTRODUÇÃO ... 13

2   A PROBLEMÁTICA DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO ... 16  

2.1   Globalização, precarização do trabalho e escravidão ... 16  

2.2   Escravidão contemporânea ... 17  

2.3   Os fatores-chave da escravidão contemporânea ... 18  

2.4   As modalidades da escravidão contemporânea globais ... 20  

2.5   As diferenças entre a antiga e a nova escravidão ... 22

3   DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS: ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA PARA O BRASIL VERSUS PARA A OIT ... 27  

3.1   O conceito de escravidão contemporânea para OIT ... 30  

3.2   Diferenças conceituais entre o Brasil e OIT ... 33

4   REVISÃO TEÓRICA: CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ... 36  

4.1   Identificação do problema ... 36  

4.2   Formação da agenda ... 38  

4.3   Formulação das alternativas ... 39  

4.4   Tomada de decisão ... 39  

4.5   Implementação ... 40  

4.6   Avaliação da política pública ... 40

5   METODOLOGIA E PERCURSO DE COLETA DE DADOS ... 41  

5.1   Percurso de coleta de dados e sistemática da análise ... 42

6   ANÁLISE DE DADOS ... 53  

6.1   Identificação do problema ... 53  

6.2   Formação da agenda ... 56  

6.3   Formação das alternativas ... 59  

6.4   Tomada de decisão ... 62  

6.5   Implementação ... 66  

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6.6.1 Articulações de atores institucionais envolvidos com o ciclo de política pública... 74   6.6.2 Tomadores de decisão e os destinatários das políticas públicas ... ... 76   6.6.3 Impacto do trabalho escravo na economia e reações das empresas ... ... 78

7   CONSIDERAÇÕES FINAIS, LIMITAÇÕES E PROPOSTAS DE PESQUISAS

FUTURAS ... 79

REFERÊNCIAS ... 83  

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1 INTRODUÇÃO

A escravidão existe, e aflige milhares de trabalhadores no Brasil e milhões no mundo, manifestando-se por relações insustentáveis de trabalho em que estão presentes elementos como a falta de liberdade, condições degradantes de trabalho, a jornada exaustiva e a violência física, moral e psicológica que anulam os direitos fundamentais dos trabalhadores (REPÓRTER BRASIL, 2011). Segundo Bales (2004), o trabalho escravo é um problema global, pois se relaciona à exploração econômica e sexual, transformando seres humanos em descartáveis. Dados da OIT (2009) mostram que a escravidão contemporânea está inserida na economia mundial, gerando lucros anuais, em média, de cerca de USD 32 bilhões. A mão de obra escrava está por detrás de diversos tipos de produtos globais (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009).

Além de atingir a dignidade do trabalhador, o problema relaciona-se a outros, com impactos trabalhistas, ambientais, fiscais e comerciais (GOMES et al., 2009), incidindo no Brasil sobre comunidades tradicionais, indígenas, imigrantes e grupos marginalizados de baixíssima renda e grau de instrução. Como temática submersa em administração, a discussão da problemática e da política em torno do trabalho escravo contemporâneo traz à tona aspectos nefastos da realidade da globalização da produção e do consumo, incluindo o risco social que empresas podem enfrentar, abrindo novos caminhos para ações estratégicas de combate ao problema no âmbito da gestão e da formação ética e profissional dos gestores, apoiando as estratégias assumidas pelas entidades da sociedade civil, governos e empresas. Esta dissertação assume o desafio de contribuir neste sentido.

Frente à problemática globalizada, o Brasil foi selecionado como objeto referencial para o estudo das ações de erradicação ao trabalho escravo por combater a prática e obter resultados efetivos, sendo apresentado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT como o país exemplo na adoção de boas práticas no combate ao problema (OIT, 2005). Segundo a OIT (2005) o Brasil tornou-se exemplo da mobilização contra o trabalho escravo (BALES, 2007; 2009). Contudo, segundo a mesma entidade, o Brasil está ao mesmo tempo entre as nove nações com o sério problema do trabalho escravo, ao lado da Mauritânia, do Sudão, do Paquistão, da Índia, da Tailândia, do Haiti, do Peru e da República Dominicana.

Enquanto os Estados membros que ratificaram as Convenções da OIT são desafiados no que tange a compreensão e interpretação das próprias Convenções, no Brasil, mesmo com a clara definição dos elementos da escravidão contemporânea expressos no Artigo 149 do

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Código Penal Brasileiro – CPB, embates entre governo, parlamentares, sociedade civil, ONGs e empresas revelam tentativas de deslegitimar o problema. Os atores envolvidos no seu enfrentamento incluem ainda entidades supranacionais como a OIT e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, entidades civis, ONGs locais, nacionais e internacionais, sindicatos, empresas, e homens, mulheres e crianças que trabalham.

O objetivo desta dissertação é analisar o ciclo de uma política pública, neste caso, a Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil. É neste sentido que se construiu a questão que norteou este trabalho: como tem se dado o processo de construção e

consolidação da Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil?

Assim, esta dissertação propõe uma descrição de como os atores institucionais se articulam e operacionalizam o ciclo da Política Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil. No âmbito deste trabalho entende-se por política pública as diretrizes elaboradas para enfrentar um problema público. Políticas Públicas tratam do conteúdo concreto e simbólico de decisões públicas, do seu processo de construção, impactos e atuação dos atores (DAHL, 1961; FREY, 2000; SECCHI, 2010). Apesar de possuirmos diversas alternativas para abordar a temática, apresentaremos aspectos normativos – sob a ótica da lei e de Convenções do combate ao trabalho escravo no Brasil e no mundo, uma vez que o problema é considerado crime contra o ser humano e regulamentado pelas instituições que o combatem, buscando entender a discussão conceitual em torno do problema no âmbito do ciclo da política de Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, abrangendo a análise das motivações e dos conflitos entre os atores sociais envolvidos com a problemática.

Quanto à metodologia, optou-se pela análise exploratória e descritiva do problema, conforme propõe Secchi (2010), que busca entender as características da política pública, ou seja, mostrar “como as coisas vem acontecendo”. Os dados foram acessados mediante um percurso ao longo do qual o pesquisador entrevistou, observou, participou (dados primários) e coletou documentos, relatos e obras (dados secundários), partindo da identificação de atores-chave no processo, foram indicados outros atores, em um processo de amostragem do tipo bola de neve. Para a análise dos dados, partiu-se das categorias teóricas para interpretar os dados com o auxílio do software NVIVO, o que permitiu a construção da narrativa e análise do ciclo da política pública: identificação do problema, formação da agenda, formação das alternativas, tomada de decisão, implementação e avaliação da política (SECCHI, 2010).

Este trabalho foi divido em seis partes, a começar por esta introdução, seguida da problemática, a contextualização do trabalho escravo na atualidade e a relevância do estudo. Depois se apresenta o percurso metodológico e a sistemática utilizada. Os resultados da

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análise do ciclo de políticas públicas do plano nacional para erradicação do trabalho escravo estão apresentados em seis etapas, identificação e reconhecimento do problema, formação da agenda, formação das alternativas, tomada de decisão, implementação e avaliações da política. Também são discutidos os conflitos conceituais e os desafios para implementação do plano entre os tomadores de decisão. Por fim, nas considerações finais, recuperamos os objetivos e os resultados juntamente com alguns desdobramentos e são mostrados alguns paradoxos, alguns pontos para agenda de futuros estudos e os limites do presente trabalho.

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2 A PROBLEMÁTICA DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

O trabalho escravo no contexto contemporâneo está inserido na matriz expansão dos fatores de produção em âmbito global. Seus impactos atingem principalmente a vida do trabalhador.

2.1 Globalização, precarização do trabalho e escravidão

O debate em torno da escravidão contemporânea pode ser inserido na problemática da precarização do trabalho. Em países desenvolvidos, este debate revela a crescente insegurança no trabalho, desemprego e canibalização de direitos sociais associados às necessidades de maior flexibilidade em nome da competitividade global. Este processo pode ser explicado dado que a produção tornou-se uma dimensão móvel das cadeias de valor: as fronteiras da industrialização se moveram ao oeste e ao sul, causando desindustrialização em países de capitalismo maduro, aprofundado pelo colapso destas economias em 2008 (THORNLEY, JEFFERYS, APPAY, 2010; APPAY, 2010). No âmago destas transformações, as empresas multinacionais estão implicadas nas dimensões coercitivas da globalização, emergindo como instituições-chave responsáveis tanto pelo lucro como pela cultura emergente (CHANLAT, 1999; FLORES, 2007).

A noção de imperialismo corporativo pode ser entendida como uma forma de exploração, na qual valor é apropriado por estruturas de comando de cadeias produtivas altamente centralizadas, que estabelecem áreas geográficas específicas como locais de exploração, reproduzindo condições históricas em países mais pobres, nos quais o trabalho é mal pago, altamente contingente, não sindicalizado e com pouca proteção social (BANERJEE, CHIO, MIR, 2009; LICHTENSTEIN, 2010). Neste sentido, o mercado globalizado, com suas premissas radicais de flexibilidade e livre comércio é, na realidade, a reafirmação da ordem dominante por meio do reforço da desigualdade e da injustiça (AKTOUF, 2004; LUXEMBURGO, 1984). Neste sistema mundial, dados da OIT (OIT, 2009b) mostram que a escravidão contemporânea é uma parte da economia mundial globalizada que gera lucros anuais de US$32 bilhões. A escravidão é a forma mais precária de

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trabalho e sustenta a produção de uma gama de produtos globais (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009).

Apesar dos aspectos éticos centrais à problemática e dos números que lhe dão porte, o assunto não vem sendo objeto de debate privilegiado no campo da administração, nem mesmo nas ciências sociais como um todo (BALES, 2004). Além disso, em termos relativos à amplitude e gravidade do problema, são poucas as Ongs que se engajam na problemática (BALES, 2004). Entre as razões deste estado das coisas, a escravidão não costuma ser considerado um problema central, mas sim um problema periférico ou sintomático, ou seja, é relacionada a outros problemas, ou até mesmo entendida metaforicamente. Parte do problema é que a escravidão é um termo forte, mas associado a uma problemática pretensamente extinta (BALES, 2004). É verdade que desde 1815 mais de 300 tratados internacionais têm sido assinados para combater a escravidão. Porém, o problema persiste desconfigurado por detrás da problemática genérica da desigualdade e da injustiça social, o que dificulta a identificação e o combate a sistemas de dominação que desumanizam trabalhadores em todo o mundo.

2.2 Escravidão contemporânea

De fato, há muitas dificuldades quanto ao entendimento do problema. Algumas definições têm foco na posse legal de uma pessoa sobre a outra, mas, atualmente, outras definições legais, muitas delas encontradas nos tratados e nas convenções internacionais, apresentam avanços quanto à definição contemporânea do conceito. Todavia, interpretações baseadas na antiga escravidão colonial abolida buscam fugir da responsabilidade da apropriação e da redução de um ser humano à mão de obra escrava no contexto contemporâneo.

Como poderíamos chegar a uma definição de escravidão moderna que englobasse todos seus elementos (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009)? Como zelador do sistema contra crimes transacionais e os seus Protocolos, o Gabinete das Nações Unidas para o Controle da Droga e Prevenção do Crime – UNODC sugere a importância da conceituação do trabalho escravo/forçado para despertar grau de consenso entre governos, empresas inseridas em cadeias produtivas domésticas e transacionais e representantes dos trabalhadores (OIT, 2009c). Como apresenta Omar e Trebesch (2010), uma política importante para combater crimes contra o ser humano e com resultados comprovados pela OIT é a diminuição da

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assimetria nas informações acerca da problemática. No Brasil, Figueira (2008) afirma que na década de 90, os órgãos do estado e delegacias regionais do trabalho não possuíam consenso devido à falta de critérios e conceitos sobre o trabalho escravo.

No Brasil, os estudos de Figueira (2008) relatam as denúncias de pesquisadores desde o século XIX e décadas 20, 40, 60, 70 e 80 (Cunha, Castro, Palmeira, Davatz, Garcia, Buarque de Holanda e Martins) que foram importantes para discussão da temática, mas como diz Figueira (2008), não havia estudos que comparassem termos utilizados para escravidão. Os trabalhadores utilizavam termos como cativeiro ou sujeição, mas jornalistas, missionários e intelectuais os classificavam como escravidão – assimilando a escravidão colonial (FIGUEIRA, 2008). Já na sociedade, essas relações eram nomeadas através de forte regionalismo, como colonato, sistema de aviamento ou morada, todavia, nestes termos, eram escondidas uma índole violenta e opressiva (ALMEIDA, 1988 apud FIGUEIRA, 2008).

Para explorarmos o que se entende por escravidão contemporânea abordaremos nas próximas subseções os fatores-chave que explicariam a emergência da problemática, as modalidades atuais da escravidão em comparação com a antiga escravidão colonial, para então, na próxima seção, discutirmos as diferenças de entendimento do problema entre o Brasil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

2.3 Os fatores-chave da escravidão contemporânea

Segundo Bales (2004), os fatores-chave da escravidão moderna são três fenômenos, o primeiro deles é a explosão populacional, de 2 bilhões de pessoas para 7 bilhões de pessoas nos últimos 50 anos, que impulsionou o mercado mundial orientado à geração de valor otimizando custos em cadeias produtivas, principalmente nas atividades meio, trabalho na extração da matéria-prima (BALLOU, 2004). O segundo fator-chave é a globalização e a modernização da agricultura mundial que pressionou os pequenos agricultores, sem recursos de capital a práticas escravistas, ferindo a dignidade de povos que vivem no limite da fronteira da sobrevivência humana. O capitalista buscará sempre a mão de obra mais barata para diminuir o custo de sua produção unitária. O terceiro fator-chave segundo Bales (2004) remonta-se na quebra de regras sociais e relações tradicionais de trabalho legal devido à ganância, corrupção e violência, principalmente, em países em desenvolvimento como aponta sua pesquisa na Tailândia e no Brasil.

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Abaixo a figura que ilustra os três fatores-chave da escravidão no contexto moderno:

Figura 01 – Fatores-chave da escravidão Fonte: Autor “adaptado de” Bales, 2004, p.232.

O crescimento populacional, instabilidades econômicas e a corrupção são características encontradas em países em desenvolvimento como o Brasil, no qual, a cada ano, 25 mil pessoas são escravizadas sob diversas formas e modalidades. Analfabetismo, pobreza, miséria, fome, mecanismos de corrupção, impunidade, cultura patronal, colapso do preço da mão de obra, acumulação primitiva e concentração de capital, aliado à falta de investimento e falta de políticas governamentais, contribuem para as bases da escravidão moderna (SAKAMOTO, 20111; PALESTRANTE, 20112; BALES, 20113; PALESTRANTE, 20114; PALESTRANTE, 20115; PALESTRANTE, 20116).

1 Informação verbal concedida por Leonardo Sakamoto – ONG Repórter Brasil, no dia 19 de maio de 2011 no

IV Seminário do Pacto sobre a Erradicação do Trabalho Escravo.

2 Informação verbal concedida por Palestrante 16, no dia 19 de maio de 2011 no IV Seminário do Pacto sobre a

Erradicação do Trabalho Escravo.

3 Informação verbal concedida por Kevin Bales, no dia 19 de maio de 2011 no IV Seminário do Pacto sobre a

Erradicação do Trabalho Escravo.

4 Informação verbal concedida por Palestrante 4, no dia 19 de maio de 2011 no IV Seminário do Pacto sobre a

Erradicação do Trabalho Escravo.

5 Informação verbal concedida por Palestrante 10, no dia 19 de maio de 2011 no IV Seminário do Pacto sobre a

Erradicação do Trabalho Escravo.

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2.4 As modalidades da escravidão contemporânea globais

Estudos de Bales, Trodd e Williamson (2009) mostram que no mundo existem quatro tipos de escravidão:

a) Escravidão de posse: é a mais parecida com a escravidão colonial. O ser humano está sob captura, nasceu na escravidão, ou é vendido para outro escravista sob regime de servidão. É o tipo mais encontrado no norte e oeste da África;

b) Escravidão por dívida: o trabalhador é cerceado de sua liberdade sob ameaça psicológica, moral ou armada, chegando a alguns tipos de violências como estupros, torturas, açoites e espancamentos. O trabalhador é obrigado a pagar a dívida ilegal fabricada pelo escravista, que foi originada através de adiantamentos em dinheiro no ato do aliciamento do trabalhador, sob uma crise familiar devido a doenças e falta de alimento, levando o escravocrata a emprestar o dinheiro para estes suprimentos, e a própria sobrevivência de seus familiares, contraindo adiantamentos, dívidas de sua própria alimentação no local de trabalho, no aluguel da moradia precária e nos equipamentos de segurança de trabalho. Muitas vezes, a dívida é permanente, pois o salário nunca será suficiente para pagar o débito que se acumula, podendo ser repassada a membros da família – filhos e mulheres que permanecem sob o jugo da servidão. Esta modalidade é encontrada no sul da no Brasil, na Ásia, na Índia, Nepal e Paquistão;

c) Contrato de escravidão: se esconde sob modernos tratos de trabalho entre o recrutador ou empreiteiro ou “gato”, e diante de falsas promessas o acordo é feito. O trabalhador, chegando no local de trabalho, percebe que nada é cumprido e está escravizado e cerceado de liberdade sob métodos de controle violentos. Existem grandes incidências destes acordos no sudeste da Ásia, Brasil, Arábia Saudita e algumas partes da Índia;

d) Trabalho forçado: o termo é utilizado quando um grupo escravocrata ou o governo escravocrata alicia pessoas para uma determinada empreitada com salários pífios ou nenhum salário, sem nenhuma escolha. Por exemplo: o Uzbequistão na Ásia Central enviando para campos de algodão estudantes que são obrigados a trabalhar, ou crianças que não têm escolha.

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O contrato de escravidão é apresentado por Bales, Trodd e Williamson (2009) como o mais comum no Brasil. Porém, Sharma (2008) apresenta outra verificação, em que a modalidade escravidão por dívidas é a mais comum no Brasil. Segundo a OIT (2009a), cerca de 20 milhões de pessoas estão sob o jugo da escravidão por dívidas fabricadas, incluindo países como Nepal, Índia e Paquistão. O quadro 2 mostra um teste amplo apresentado por Bales, Trodd e Williamson (2009), sobre as característica centrais da escravidão, em que o trabalhador é alvo de dívidas fabricadas e ilegais que tiram sua liberdade, o subjugam ao trabalho forçado ou o sujeitam à prisão de trabalho:

Prática Sim (√) Não (Ø) Perda de livre arbítrio Apropriação da força de trabalho Violência ou ameaça Escravidão por dívida √ √ √ Trabalho forçado √ √ √ Prisão de trabalho √Ø √Ø √Ø

Quadro 01 – Critérios para definição da escravidão Fonte: Bales, Trodd e Williamson, 2009, p. 32

Leva-nos a observar que a prisão no local de trabalho nem sempre ocorre em sua “totalidade” nas modalidades de trabalho forçado e escravidão por dívida. Porém, os três componentes, perda do livre arbítrio, apropriação da força de trabalho e violência/ameaça estão presentes nas três práticas da escravidão moderna – escravidão por dívida, trabalho forçado e prisão de trabalho. Assim, a marca da escravidão contemporânea é a violência, a grande quantidade de trabalhadores ávidos por trabalho, a falta de educação mínima, o analfabetismo, o isolamento geográfico e a fome. No Brasil, isso resulta na vulnerabilidade de trabalhadores que são facilmente manipuláveis e domináveis (BRETON, 2002).

Mesmo diante das características acima descritas, quando trabalhadores no local de trabalho se veem no “esmo do mundo”, é mantido entre a maioria um código de honra, e com eles é abstraída uma corrente: “se um homem deve, ele tem que pagar”. A escravidão por dívidas é dada sobre apropriação de uma dívida ilegal, que aprisiona o trabalhador que diante de pressões morais e psicológicas, está preso a sua própria sorte, até saldar a suposta dívida que ele não sabe, mas é praticamente impagável (BRETON, 2002). Isolamento, medo e dívida são elementos existentes na escravidão por dívida ilegal.

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Do outro lado, o aliciamento de trabalhadores através dos “gatos” (responsáveis pelo recrutamento de trabalhadores reduzidos a escravos) é feito por simples promessa de emprego e renda, muitas vezes oferecem um adiantamento, fazendo homens deixarem suas famílias na esperança de um futuro digno. Os “gatos” conhecem a realidade de emprego e renda e conseguem mão de obra facilmente. Geralmente, trabalhadores partem para um local longínquo de sua cidade natal. Na chegada e diante da falsa promessa, logo o trabalhador percebe que nada que lhe fora prometido é cumprido. Sem possibilidades de retorno até a conclusão do trabalho ou acerto do saldo da dívida contraída injustamente, o trabalhador se vê nas mãos de “gatos” e/ou fazendeiros, sob ameaça, condições degradantes de trabalho, sem pagamento de salário, com falsas dívidas e o cerceamento de sua liberdade. Assim, “gatos”, fazendeiros e empresas que fecham seus acordos, exploram a mão de obra estabelecendo o trabalho análogo à escravidão (FIGUEIRA, 2004).

A escravidão moderna prevalece à violência – forma de controle da mão de obra barata sob condições de trabalho precárias, com salários baixíssimos e ausência de livre-arbítrio do ser humano em deixar o serviço. Nos setores prevalentes, observa-se que a forma mais fácil de baratear os custos é com o barateamento da força de trabalho (BRETON, 2002).

2.5 As diferenças entre a antiga e a nova escravidão

Outra maneira útil de explorarmos o fenômeno da escravidão contemporânea é compararmos o problema com o fenômeno da escravidão colonial. O quadro 2 abaixo mostra as diferenças entre a antiga e a nova escravidão. Na sequência são apresentadas as explicações referentes a cada um desses aspectos.

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Antiga escravidão Nova escravidão Propriedade legal

Permitida Proibida

Custo de aquisição da mão de Obra

Alta Baixa

Lucros

Baixos Altos

Oferta de mão de obra

Escassa Elevada e descartável

Relacionamento

Longo período Curto período

Diferenças étnicas

Relevantes para escravidão Pouco relevantes Manutenção da ordem

Ameaças, violência psicológica e física, Coerção, punições e assassinatos

Ameaças, violência psicológica e física, coerção, Punições e assassinatos

Amplitude

Não globalizada Globalizada

Quadro 02 – Diferença entre a antiga e a nova escravidão Fonte: Autor “adaptado de” Bales, 2004

Propriedade legal: na escravidão antiga o direito de propriedade sobre outrem era

permitido, amparado por lei. Diferentemente da escravidão moderna, em que a propriedade “humana” é proibida, ilegal. Não há amparo legal que gere obrigações entre senhores e servos, tão pouco há interesse do escravista em manter o bem estar do trabalhador escravizado oferecendo comida e moradia adequada, uma vez que o limite do corte de custo ultrapassa a dignidade humana. Entretanto, em alguns casos, empreiteiros procuram manter a saúde de seu trabalhador, mesmo sendo através de péssimas condições, para assumir a próxima frente de trabalho (BALES, 2004).

Lucros: a média do lucro da escravidão antiga era de 5% para seus donos. Mas, os

escravos entre os anos de 1850 e 1860 eram utilizados, também, para quitar dívidas de seus donos. Naquele tempo, caso o fazendeiro, dono da plantação de algodão, não tivesse bons resultados com sua safra, ele poderia vender seu escravo para continuar no negócio (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009). A escravidão moderna produz altos ganhos para os empreiteiros e fazendeiros. O exemplo da agricultura na Índia, onde os lucros utilizando mão de obra escrava chegam a ultrapassar 50% ao ano para os que escravizam. Isso porque, o custo de se manter um escravo é baixíssimo. Em alguns relatos, durante a pesquisa de campo

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de Kevin Bales em cinco países, foi observado que o trabalho forçado pode atingir lucros de 800%, como no caso de mulheres forçadas a trabalhar em bordéis, fábricas de tijolos e tecidos (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009). Segundo Bales7(2011) o lucro de empresas que se apropriam da mão de obra escrava é de USD 42 a USD 52 bilhões.

Mão de obra e custo de aquisição: a escravidão moderna apresenta uma quantidade

de trabalhadores em grande escala. É relativamente fácil contratar serviço barato para atuar sob condições degradantes. O ser humano transforma-se em um trabalhador descartável, porque a oferta de trabalhadores é grande, podendo ser substituído a qualquer momento em caso de doença ou por ter exaurido suas próprias forças e o custo para manter o trabalhador é baixíssimo. O corte de cana-de-açúcar no Brasil tem características marcantes quando empresas não investem em qualidade para seus empregados, por exemplo: jornada exaustiva de trabalho sob sol escaldante, muitas vezes não há água para beber, o trabalhador precisa enfrentar tudo isso para ganhar salários baixíssimos. Como afirma Sakamoto8 (2011), o trabalhador literalmente, “se mata” de trabalhar. Em 1850, o custo de um escravo no mundo, convertendo para uma média em dólar e trazendo para nossa realidade, seria em torno de USD 40,000.00 a USD 80,000.00 por ano. A escassez de escravos naquela época era grande, então a lei da oferta e da demanda alavancavam o nível de investimento para o suposto interessado na compra do escravo. Ao contrário do custo da escravidão moderna que utiliza a vulnerabilidade do trabalhador devido a pouca oferta de trabalho, condições miseráveis de vida, penúria familiar e a oferta de mão de obra vasta, levando o trabalhador à sujeição de salários pífios, em torno de USD 10,00 à USD 1000,00 por ano (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009).

Relacionamento: a antiga escravidão trazia consigo uma cultura de longo prazo, o

escravo era uma propriedade valiosa, cara, mas a escravidão moderna tem como característica a temporariedade, haja visto a abundância de mão de obra. No entanto, observamos um efeito não temporal na escravidão moderna, como no exemplo de mulheres mauritanas que nasceram escravizadas e que permaneceram na escravidão, prolongando para suas próximas gerações um efeito escravista. Outro exemplo é a relação escrava moderna no Brasil que, apesar da penosidade e da situação degradante em que é submetido o trabalhador, os fazendeiros e peões buscam manter seus trabalhadores vivos porque serão úteis em outros

7 Informação verbal concedida por Kevin Bales, no dia 19 de maio de 2011 durante o IV Seminário do Pacto

Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.

8 Informação verbal concedida por Leonardo Sakamoto, no dia 08 de novembro de 2011 durante a palestra “O

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empreendimentos (BALES, 2004). Segundo Bales (2004) a relação escrava moderna curta não gera qualquer necessidade de investimento financeiro, como ocorria na escravidão antiga. Empreiteiros e peões (escravocratas) referem-se a seus trabalhadores como “gados valiosos”, uma vez que o pouco investimento empregado sobre eles resulta em um grande retorno sobre o “investimento”.

Diferenças étnicas: base da antiga escravidão durante um longo período, uma vez que

as diferenças de raça e de cor da pele eram os fatores que tornavam a escravidão uma realidade. Com a escravidão moderna, os padrões étnicos têm pouco efeito. A alta fragilidade do ser humano, expressa pela necessidade do trabalhador sustentar sua família em condições de extrema pobreza e escassez de opções de trabalho, o coloca como alvo fácil para os recrutadores, independentemente de raça ou cor de pele. Mas, para o Palestrante9 (2011), o Brasil demonstra vínculos da antiga escravidão com a escravidão moderna em suas bases étnicas. A escravidão ainda tem uma cor e uma característica – afeta a classe social de maior situação de inferioridade, os negros economicamente desprovidos que são os alvos preferenciais de aliciadores. Para Albuquerque10 (2011), a escravidão moderna precisa ser combatida também por meio da eliminação da discriminação racial.

Manutenção da ordem: semelhantemente à antiga escravidão, atualmente a mão de

obra escrava é controlada com ameaças físicas, morais e psicológicas. O extremo da violência da escravidão moderna se mostra através de assassinatos de trabalhadores que tentam fugir do local de trabalho e são alvos de peões e guardas das fazendas que os obrigam a terminar o serviço, mesmo sob condições de trabalho degradantes – sem água tratada, sem alimentação adequada e moradia precária e insalubre. A extensão da dimensão crítica da escravidão moderna é a violência física.

Amplitude: a escravidão é ilegal em todo mundo, mas é um fato real no mundo

inteiro. A escravidão moderna é globalizada. O trabalho forçado não é encontrado apenas na Antártida (BALES, 2009). As diversas formas de escravidão se desenham pelo mundo todo e cada vez mais se tornam parecidas e comuns. A escravidão moderna apresenta lucro sobre seus “investimentos” na ordem de USD 52 bilhões frente ao total dos resultados da economia global de USD 4 trilhões, ou seja, uma pequena fração que mancha cadeias produtivas com a

9 Informação verbal concedida por Palestrante 9, no dia 19 de maio de 2011.

10 Informação verbal concedida por Palestrante 10, no dia 19 de maio de 2011 no IV Seminário do Pacto sobre a

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mão-de-obra escrava. Para Bales11 (2011) o problema não é esse, mas as ramificações da escravidão moderna inseridas em diversos tipos de produtos que consumimos diariamente, por exemplo, aço, carne, milho, soja, álcool, celulares e computadores. Portanto, um paradoxo – o problema é pequeno, no entanto ele abrange praticamente os principais produtos, sendo a extração da matéria-prima a manipulação dos insumos para os produtos acabados onde há a contaminação e a concentração do aliciamento e das relações de trabalho que tiram a dignidade humana.

11 Informação verbal concedida por Kevin Bales, no dia 19 de maio de 2011 em palestra no IV Seminário do

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3 DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS: ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA PARA O BRASIL VERSUS PARA A OIT

O conceito normativo da escravidão no contexto contemporâneo no Brasil não está relacionado diretamente com a escravidão negra, mas está ligado ao status libertatis do trabalhador que foi anulado pela outra parte. A falta de liberdade de locomoção, a violência, a ameaça ou fraude, e a retenção de documentos, assim como as dívidas contraídas ilegalmente, obrigam o trabalhador a não se evadir do local de trabalho (SCHAWARZ, 2008). A escravidão no contexto contemporâneo se redesenhou através dos processos de recomposição no modo de produção, com base na cultura escravocrata de exploração patronal. É como se após a eliminação formal do escravismo negro do passado, nascesse, simultaneamente, o direito do trabalhador brasileiro (SCHAWARZ, 2008).

De acordo com Scharwarz (2008, p. 116 – 117), o melhor conceito de escravidão moderna no Brasil encontra-se no artigo 149 do Código Penal Brasileiro:

Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)

§ 1. Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003) I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)

§ 2. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)

I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003) II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803 , de 11.12.2003)”

Entretanto, mesmo com a criação do artigo 149 do Código Penal Brasileiro – CPB, ainda há relativa elasticidade conceitual da escravidão contemporânea. Um exemplo é a expressão que menciona: “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, que remete o intérprete à possibilidade de buscar o conceito de escravo na antiga escravidão, onde o escravo era tido como propriedade legal de outrem. Alega que não é possível a utilização da expressão “escravidão” dentro do artigo porque atualmente a propriedade legal de outrem não

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é mais permitida. Portanto, existem possíveis brechas que podem dificultar a punição do autor do crime (CAZETTA, 2007).

Como apresenta o MTE, a redação do CPB de 1940 previa somente o crime de redução de alguém à condição análoga à de escravo sem apresentar os elementos do significado, o que tornava sua aplicação difícil, como argumentavam muitos juristas.

A alteração do artigo 149 a partir de 2003 no CPB, considera crime a redução à condição análoga à de escravo e chama atenção para quatro condutas que em conjunto ou isoladas podem, portanto, efetivar o crime. São elas:

a) submeter o trabalhador a trabalho forçados; b) submeter o trabalhador à jornada exaustiva;

c) sujeitar o trabalhador a condições degradantes de trabalho;

d) restringir a locomoção do trabalhador em razão de dívida para com empregador ou preposto.

De acordo com Viana (2007), a expressão “condições degradantes” possui cinco hipóteses possíveis:

a) A primeira hipótese de condições degradantes relaciona-se com o trabalho escravo stricto sensu, ou seja, à falta de liberdade. Porém, há uma relativização, porque não é preciso um guarda armado ou ameaça de violência, mas, a simples existência de uma dívida crescente e impagável pode ser suficiente para dificultar e inibir a liberdade;

b) A segunda hipótese é ligada ao trabalho. Não somente a jornada exaustiva é extensa ou intensa, mas o extremo poder exercido sobre o trabalhador e o assédio moral. A circunstância é agravada pela falta de opção de trabalho, clima opressivo e grau de ignorância dos trabalhadores;

c) A terceira hipótese é o salário. O salário é ainda menor que o mínimo ou o salário sofrer descontos não previstos em lei;

d) A quarta hipótese é a saúde do trabalhador. Ele vive no acampamento do

empreendimento utilizando recursos insalubres como a água suja, a barraca em que dorme é de plástico, dorme no chão sem colchão, comida em péssimas condições, quando não, escassa;

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voltar para sua casa devido à distância ou à falta de opções para sua subsistência que o fazem aceitar tais condições.

Nas regiões que se apropriam de mão de obra análoga à escrava, o processo produtivo marcado pelo crime tipificado pelo artigo 149 é considerado natural, sociologicamente aceitável para a população. Há uma visão preconceituosa de “endocolonialismo”, que representa a vinda do auditor e do procurador paulista, que não convive com a realidade pecuária e extrativista (CAZETTA, 2008). Como apresenta Figueira (2004), o processo de dominação não é sempre por meio de armas, mas sim, cultural.

Assim, a justificativa da apropriação da mão de obra análoga à escravidão se apoiaria em um conceito sociologicamente explicável, com base em uma cultura pecuária extrativista, que domina e mantém trabalhadores sob condições degradantes de trabalho. Assim como afirmou Cazetta (2008, p. 191): “nós temos uma situação social que leva os trabalhadores em busca de um emprego ruim”.

A legislação brasileira considera, não somente a privação de liberdade, mas, igualmente, a submissão do trabalhador a trabalhos com jornadas exaustivas sob condições degradantes e insalubres no local de trabalho (BICUDO, 2008). A Instrução Normativa n.1 (1994), do MTE, adota as seguintes situações como indicativas da submissão do trabalhador à condição análoga à de escravo:

Dívida, retenção de salários, retenção de documentos, ameaças ou violência que impliquem o cerceamento da liberdade dele e/ou familiares, o abandono do local onde presta seus serviços, ou mesmo quando o empregador se nega a fornecer transporte para que ele se retire do local para onde foi levado, não havendo outros meios de sair em condições seguras, devido às dificuldades de ordem econômica ou física na região (SCHARWARZ, 2008 p. 117).

Como diz Schawarz (2008):

“A definição de escravidão moderna no Brasil também pode ser apresentada: o estado ou a condição de um indivíduo que é constrangido à prestação de trabalho, em condições destinadas à frustração de direito assegurado pela legislação do trabalho, permanecendo vinculado, de forma compulsória, ao contrato de trabalho mediante fraude, violência ou grave ameaça, inclusive mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais ou em virtude de dívida contraída junto ao empregador ou pessoa com ele relacionada” (SCHARWARZ, 2008 p. 117 – 118).

As condições degradantes de trabalho, baixíssimos salários, violência opressora para conclusão do serviço e coerções morais e psicológicas, utilizadas pelos fazendeiros e seus

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intermediários, são elementos importantes considerados na escravidão contemporânea no Brasil, mas, por si só, não permitem o enquadramento como trabalho escravo. O status

libertatis é a base do conceito brasileiro para a definição de escravidão contemporânea. Este

conceito propõe, ainda, que poderá haver escravidão mesmo onde não haja a consciência de sua existência pelo trabalhador (SCHAWARZ, 2008).

Chama atenção um elemento denominado “controle abusivo” de um ser humano sobre outro. O trabalho decente é inverso a este controle e ele é traduzido como: “recurso à coação” e “negação da liberdade”. Afirma ainda que a utilização da expressão trabalho escravo não tem excesso, podendo ser interpretada literalmente, uma vez que o trabalhador é levado para longe de sua residência, tem seus documentos retidos, contrai dívidas ilegais e é obrigado a trabalhar sem poder ir embora até saldar a dívida (SCHAWARZ, 2008).

A escravidão pode ser definida como um relacionamento em que o trabalhador é controlado por outrem através de violência ou ameaça de violência física e psicológica. O trabalhador perde sua vontade de liberdade e movimentação, é explorado economicamente e não é pago nada além daquilo que necessita para sua subsistência. Escravos são forçados a trabalhar para outros por lucro e impossibilitados de deixar o local de trabalho. Em alguns casos a definição é estreita, isso exclui muitas situações que são conceituadas como escravidão, porém não são, como por exemplo, o suor fruto do trabalho duro de trabalhadores com pagamentos de salários miseráveis. Portanto, o fato de a pessoa ter condições de deixar o local de trabalho e abandonar a atividade penosa é fato pontual para não se caracterizar a escravidão moderna (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009).

3.1 O conceito de escravidão contemporânea para OIT

O Artigo 2 expõe que trabalho forçado para OIT é: "Todo o trabalho ou serviço que seja exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer penalidade, e para o qual a essa pessoa não se tenha oferecido voluntariamente” - CONVENÇÃO n.29; 1930 parte 1b (OIT, 2009l p. 35). Observamos que o termo adotado pela OIT dentro da temática escravidão contemporânea é “trabalho forçado”.

A Convenção n. 105 da OIT de 1957 – Sobre a Abolição do Trabalho Forçado proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; a mobilização de

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mão de obra; como medida disciplinar no trabalho, punição por participação em greves, ou como medida de discriminação (OIT, 2005).

A Convenção n. 29 da OIT estabelece o princípio da ilegalidade do trabalho forçado, punindo como infração penal qualquer Estado Membro. De acordo com OIT, através de seu relatório, as ações judiciais contra o trabalho forçado tomariam como seu ponto de partida as condições de trabalho ou serviço, não levando a cabo os elementos da vulnerabilidade dos trabalhadores à exposição do problema. Neste sentido, a OIT apresenta a escravidão por dívidas, definida em 1956 na Organização das Nações Unidas – ONU. A definição das Nações Unidas para a servidão por dívidas é:

Estado ou condição resultante de uma obrigação de um devedor dos seus serviços pessoais, ou daqueles pertencentes a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de uma dívida, se o valor destes serviços, conforme razoavelmente analisados, não é aplicado para a liquidação da dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços não sejam respectivamente limitadas e definidas (OIT, 2009d, p. 8).

Observamos que o endividamento do trabalhador é condição estabelecida pelo recrutador para obtenção do trabalho. Não há alternativa. Umas das formas de exploração é o endividamento ilegal e obrigatório. Segundo a OIT (2009c), mesmo sendo clara a definição, sua compreensão e legalidade encontram barreiras nos limites ou fronteiras da decisão entre trabalhador e empregador.

A fronteira entre exploração coerciva e não coerciva é sutil. A OIT chama atenção ao ato involuntário do trabalhador que não vê escolha face à necessidade de se empregar. O Protocolo de Palermo e os debates políticos observam os meios pelos quais o consentimento poderia ter sido negado no início da negociação, neste caso, o ato individual do trabalhador será julgado somente pelo Estado, sendo este responsável em delimitar o fato como trabalho forçado ou não. A Convenção da OIT n.122, de 1964, sobre Política e Emprego, apropria-se do conceito de “Emprego livremente escolhido” que apresenta o trabalhador como um ator restrito na concepção de suas escolhas. Portanto, cada Estado Membro deverá levar em consideração os limites de cada trabalhador. Outras situações, como violação das leis do trabalho, salários baixos e horários de trabalho excessivos, também devem ser levados em consideração.

O trabalho forçado não é sinônimo de baixo salário, de más condições de trabalho, de dificuldade para deixar o trabalho, por exemplo, devido à precária situação econômica vivida ou à falta de oferta de emprego no mercado de trabalho. O trabalho forçado abrange tais fenômenos, mas se caracteriza também pela violação de direitos humanos básicos, em razão

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da opressão exercida sobre a liberdade humana. Outra característica importante no conceito de escravidão é a existência do trabalho exigido sob ameaça de castigo e o recrutamento involuntário do trabalhador (OIT, 2009e).

A escravidão gera ausência de direitos e privilégios do trabalhador. Com base nos relatórios da OIT existem as seguintes formas de ameaça: violência física e violência psicológica, ou seja, ameaça de morte à vítima e seus familiares. As formas do trabalho forçado se debruçam através de pressões de natureza psicológica e moral - escravidão por dívidas. As formas de trabalho forçado se dão, também, através da retenção de documentos como RG - Registro Geral de Identificação e CTPS - Carteira de Trabalho e Previdência Social, impedindo o trabalhador de abandonar o serviço (OIT, 2009f).

O que chama atenção para a questão do recrutamento involuntário é que muitas vezes o trabalhador tem consciência de sua ação, ou seja, concorda com a proposta de emprego oferecida, porém, o aliciador apresenta uma falsa proposta, mediante condições que, mais tarde, não serão reais, pelo contrário, o trabalhador dará conta de que não poderá deixar o emprego quando quiser. Por este motivo, o consentimento do trabalhador não é levado em consideração para fins legais.

O estudo realizado em 2007, chamado General Survey, apresenta os conceitos de oferta voluntária para o trabalho e restrição ou coerção.

A coerção indireta é aquela que interfere na liberdade do trabalhador, que busca a oferta de trabalho, voluntariamente, induzido por falsas promessas. Porém, nem o empregador e nem Estado são responsáveis pelas consequências geradas ao trabalhador. O estudo da OIT, através de seus peritos, no chamado Estudo Geral, utilizou o conceito de “abuso de

vulnerabilidade”, que leva em consideração as ameaças ou os castigos impostos aos

trabalhadores que são obrigados a trabalhar em troca de salários baixos e mediante jornadas de trabalho exaustivas. Neste caso, há uma inconsistência com a Convenção n.29 da OIT, uma vez que apesar do trabalhador ter a liberdade de recusar a oferta de trabalho, o mesmo está sujeito a sua própria vulnerabilidade, ante a necessidade de se empregar, gerando, assim, uma não escolha.

A natureza da relação existente entre o trabalhador e o empregador não torna a relação de emprego legal ou ilegal, o que é levado em consideração é se o trabalho é forçado ou não (OIT, 2009g).

De acordo com Protocolo de Palermo, em seu artigo 3o, o tráfico de pessoas para o trabalho forçado também é uma das formas de exploração laboral, ou seja, a exploração laboral inclui tanto o tráfico de pessoas como a escravatura ou práticas análogas à escravatura

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ou servidão. Internacionalmente as questões do tráfico de seres humanos e trabalho escravo são tratadas conjuntamente. No Brasil, os problemas estão separados. Exemplo disso é que temos um Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e um Plano de Combate ao Tráfico de Pessoas. Duas comissões diferentes, porém a comissão do trabalho escravo só cuida do tráfico de pessoas, quando tem por fim a exploração para atividade econômica. E do outro lado, a comissão do tráfico de pessoas só cuida do trabalho escravo quando o problema está voltado para a exploração sexual. Portanto, no Brasil temos dois sistemas, um com viés econômico e outro com viés sexual.

É necessário uma análise sistemática, buscando a combinação dos elementos componentes da escravidão, e não o foco em um único elemento (Relatório OIT, 2009h). Como diz o relatório da OIT:

“Por conseguinte, a noção de exploração laboral inerente a esta definição permite uma ligação entre o Protocolo e a Convenção (Nº 29) sobre Trabalho Forçado da OIT, 1930, e torna claro que o tráfico de pessoas com o objetivo de exploração está incluído na definição de trabalho forçado ou obrigatório, prevista ao abrigo da Convenção. Tal facilita a tarefa da implementação de ambos os instrumentos em nível nacional” (OIT, 2009h, p. 7).

O Trabalho forçado para OIT se divide e três tipos:

Trabalho forçado imposto pelo Estado, Governo e Grupos Rebeldes: trabalhos que

demandam trabalhadores para atuarem em trabalhos forçados em prisões e obras públicas ou supostas obras públicas.

Trabalho forçado com fins de exploração sexual: incluem mulheres, homens e

crianças que são forçados por seu agente ou aliciador ou cafetão à prostituição.

Trabalho forçado com fins de exploração econômica: todo o trabalho forçado por

qualquer indivíduo em qualquer setor da economia, exemplo: agricultura, indústria de produtos ou serviços e qualquer outra atividade ilegal. Não tem relação com a indústria do sexo.

3.2 Diferenças conceituais entre o Brasil e OIT

O termo utilizado no Brasil é “trabalho análogo à de escravo” (VILLELA, 2008). Segundo Melo (2007) o termo está ligado à supressão da liberdade individual e à dignidade do trabalhador com sua natureza ou origem no trabalho forçado e o trabalho degradante.

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A origem do termo “trabalho análogo à de escravo” vem do trabalho forçado e degradante, como a pirâmide acima nos apresenta, mas o Brasil não possui um ordenamento jurídico do conceito do trabalho forçado. O conceito do trabalho forçado é preenchido pela OIT em convenção n. 29 (MELO, 2007).

A OIT apresenta o fenômeno através de expressões “trabalho forçado” e “trabalho obrigatório”, baseada em sua Convenção n. 29 desde 1930 até hoje, porém, o conceito de trabalho forçado mudou. A dinâmica do conceito é reflexo das mudanças nas relações de trabalho desde o tempo da abolição colonial, ou seja, o conceito tinha como objetivo coibir alguns tipos de exploração muito peculiares à época (VILLELA, 2008; OIT 2007). A necessidade emergente da adaptação do conceito para impedir o problema foi devido às várias formas da escravidão no contexto contemporâneo.

Baseada nestas novas formas predadoras da dignidade humana, a OIT apresenta a Convenção de 1957 – Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, que proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção, castigo e punição (OIT, 2005).

Dignidade do trabalhador

Supressão da liberdade

Trabalho análogo à de escravo

Trabalho forçado e degradante Origem do termo Termo utilizado no Brasil elemento

elemento

Figura 02 – Conceito para o Brasil Fonte: Autor “adaptado de” Melo, 2007.

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Abaixo o quadro comparativo dos principais aspectos da escravidão no contexto contemporâneo para o Brasil e a para OIT:

Brasil OIT

Termo

Trabalho análogo à de escravo Trabalho forçado ou obrigatório Aspecto Normativo

Artigo 149, 197, 203 e 207 Convenção n. 29 – 1930 e n. 105 – 1957 Elementos da escravidão

Falta de liberdade, jornada exaustiva e condições degradantes

Coerção, castigo, punição, ameaça, imposição do trabalho

Argumento de deslegitimação do conceito brasileiro

Interpretação abusiva na tipificação de condições degradantes de trabalho

Quadro 03 – Comparativo da escravidão contemporânea do Brasil e da OIT Fonte: Autor

Nota: Elaborado com base em OIT, 2009i e Melo 2007

Coerção, castigo ou Punição

Oferta não voluntária

Ameaça de qualquer penalidade

Trabalho forçado ou obrigatório Termo para OIT elemento

elemento elemento

Figura 03 – Conceito para OIT

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4 REVISÃO TEÓRICA: CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Para avançar na consecução dos objetivos desta dissertação, devemos esclarecer aspectos teóricos relevantes para a análise. De acordo com Secchi (2010), o processo de elaboração de políticas públicas é conhecido como ciclo de políticas públicas. O ciclo pode organizar a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes. Para Secchi (2010), isso requer a observação e a interpretação. Apesar de suas fases serem sequenciais, a análise do ciclo não pode ser analisada de forma linear, pois ela pode se retroalimentar em fases anteriores e se misturarem.

As principais fases do ciclo são: identificação do problema, formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implementação e a avaliação. As fases podem encontrar-se misturadas e as sequências podem alternar-se porque uma política pública dificilmente reflete o ciclo de uma política. No entanto, o ciclo pode ajudar administradores, pesquisadores e políticos a organizar as ideias, simplificando a análise de políticas públicas (SECCHI, 2010).

4.1 Identificação do problema

Um problema público pode ganhar importância aos poucos, como o trabalho escravo moderno, onde nos anos 1960 e 1970 muitos lutavam para que as autoridades identificassem e reconhecessem o problema. O problema pode assumir uma situação pública no momento que muitos reconhecem sua insatisfação. A definição ou delimitação do problema envolve definir seus elementos e seu significado.

Para Sechi (2010), os partidos políticos, os agentes políticos e as ONGs são alguns atores sociais que se preocupam constantemente em identificar problemas públicos. De um lado estão os policymaker – tomadores de decisão e do outro os policytakers – os destinatários de políticas públicas. A mídia é uma categoria importante de atores relevantes devido ao seu papel difusor de informações contribuindo para um alargamento do senso crítico do problema.

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As empresas pertencem ao grupo de destinatários da política pública, e acabam participando de um processo de interação em um ciclo de uma política pública, podendo colaborar com a sociedade ou não, colocando em risco sua própria imagem e desempenho, o que Doh e Yaziji (2009) apresentam como risco social. Este processo começa com um conjunto de vários níveis de antecedentes, incluindo a empresa, fatores institucionais e o movimento social de ONGs e instituições da sociedade civil. Os antecedentes levam a avaliações e, consequente apoio e parceria de ONGs, ou ao contrário, um processo de deslegitimação por meio dos desafios apresentados por ONGs junto às empresas.

O quadro do estudo de Doh e Yaziji (2009) mostra que o desafio de ONGs são desafios e avaliações promovidos junto aos atores sociais, que podem assumir manifestações de apoio, campanhas para boicotes à marca de empresas, companhas de aprovação de leis, apoio às ações judiciais e publicidade aos casos de grande repercussão. Neste sentido, as ONGs são vetores da deslegitimação normativa, por exemplo, ONG Repórter Brasil, FreeSlaves e ASI – anti-slavery. As ONGs podem influenciar atores sociais críticos, apelando para os interesses, as normas, os papéis e as responsabilidades na fiscalização de empresas no cumprimento de ações com respeito aos direitos humanos. O processo de legitimação normativa se dá no ambiente em que a empresa vem atuando, que de um lado caracterizam-se pela incerteza de mercado e de outro lado, pelas as amplas demandas sociais que as empresas têm consciência de seu papel social.

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Atributos e comportamentos das empresas Contexto institucional Contexto do movimento social Desafios das ONGs Avaliação e resposta de atores sociais críticos Resposta de atores sociais Implicações da performance da empresa

Antecedentes Estratégia de gestão e dinâmica intra-organizacional dos

atores sociais

Consequências

Figura 04 – Modelo de processo social de risco Fonte: Autor “adaptado de” Doh e Yaziji, 2009, p. 60.

4.2 Formação da agenda

A agenda é um conjunto de problemas entendidos como relevantes. Pode tornar-se um programa de governo, um planejamento e uma lista de assuntos de um jornal. A agenda pode assumir atenção especial dos diversos meios de comunicação (SECCHI, 2010). Não são raras as vezes que a agenda da mídia influencia a formação da agenda de governos e empresas.

Ela ganha relevância, em primeiro lugar, quando diversos atores entendem a situação como merecedora de intervenção (atenção); em seguida do momento em que as ações passam a ser consideradas necessárias e factíveis (resolubilidade); e o problema é de responsabilidade pública (competência).

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4.3 Formulação das alternativas

No momento em que o problema entra para agenda, os esforços de construção e combinação de soluções são primordiais. Os objetivos e estratégias da cada alternativa são discutidos (SECCHI, 2010). Para Schattscheneider (1968 apud SECCHI, 2010), a definição de alternativas é a escolha de conflitos, e esta escolha aloca poder.

A etapa de construção das alternativas é o momento em que são elaborados métodos, programas, estratégias ou ações que poderão alcançar os objetivos estabelecidos. Os policymakers – tomadores de decisão, poderão utilizar três mecanismos para induzir comportamentos: coerção (influenciar com estímulos negativos), conscientização (apelo ao senso moral) e soluções técnicas (influenciar comportamentos de forma indireta).

Para Secchi (2010), os juízos de valor de tomadores de decisão precisam ser analisados (aspectos intuitivos e emocionais), por exemplo, participando de reuniões, seminários, debates e fóruns. Podemos traçar possíveis hipóteses das intenções de proposições.

4.4 Tomada de decisão

Esta fase representa o momento em que os interesses dos atores são equacionados e as intenções de enfrentamento de um problema público são reveladas (SECCHI, 2010). Além de Secchi, propomos entender a fase de tomada de decisão, também, com base em Kingdon (1984), por meio do modelo dos fluxos múltiplos. Segundo o autor, o nascimento de uma política pública pode vir da confluência de problemas, de soluções e de condições políticas favoráveis e sua convergência a uma janela de oportunidade, que seria o momento ideal para as soluções políticas. De acordo com Kingdon (1984) as janelas são raras e podem permanecer abertas por pouco tempo.

Referências

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