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6   ANÁLISE DE DADOS 53

6.4   Tomada de decisão 62

A fase de tomada de decisão apresenta de forma clara os interesses dos tomadores de decisão para erradicação do trabalho escravo (SECCHI, 2010). Para Kingdon (1984), outra forma de entender a dinâmica de tomada de decisão é aquela que os policymakers convergem fluxos de problemas, de soluções e de condições políticas favoráveis para suas ações de resolução de problemas por meio de uma janela de oportunidade.

O primeiro é o fluxo de problemas, que é o próprio trabalho escravo. Mas ainda trás outras dificuldades, como a realidade social de brasileiros vivendo sem acesso à educação, alimentação e saúde. Outra situação é a falta de apoio de parlamentares na Câmara e no Senado brasileiro. Apesar de todos serem a favor dos direitos humanos, parlamentares não

admitem a existência de trabalho análogo à escravidão. Eles lutam a favor de interesses de latifundiários escravagistas, fornecedores de grandes empresas. Por exemplo, este interesse revela-se por pedido de inconstitucionalidade junto ao STF da lista suja, da não aprovação da PEC 438 e acusam o GEFM de abuso de poder, alegando que os laudos de fiscalização em fazendas erram na interpretação quando os auditores tipificam trabalho degradante.

Para o Palestrante do MTE:

[...] provavelmente vai ser objeto de discussão, nós desde o início da criação do cadastro (lista suja), desde 2003, temos enfrentado até hoje um serrado fogo de setores conservadores. E aí com a maior tranquilidade posso dizer, capitaneados pela presidente da CNA e hoje senadora, à época da mudança do artigo do Código Penal, deputada federal. Vencida pelos seus pares, porque ela votou contra a mudança do artigo 149, mas foi vencida democraticamente. E ela sempre desde então nos acusa, à Inspeção e às outras instituições que trabalham conosco na identificação do trabalho escravo que nós inventamos conceito, inventamos trabalho escravo. Isso não é verdade. É uma grossa mentira. Para aqueles que se dedicam dessa questão e, principalmente do ponto de vista da análise, da juridicidade, da questão conceitual têm é claro a clara certeza que nunca se escreveu tanto sobre o trabalho escravo contemporâneo à luz do novo artigo 149 do Código Penal, do que em comparação ao antigo texto. O antigo texto os doutrinadores colocavam lá uns dois paragrafozinhos praticamente dizendo nada. Hoje já há uma vasta jurisprudência inclusive produzida a partir do Cadastro de Empregadores no embate que nós temos com os empregadores, com os infratores ou criminosos como queira dizer, nos tribunais (PALESTRANTE 11, 2011).

Conforme Carmo diz:

Os deputados e senadores que compõem a bancada ruralista representam interesses dos grandes proprietários rurais, do agronegócio e de empresas ligadas a esse setor. Atuam sistematicamente para desregulamentar a legislação ambiental e trabalhista propondo, inclusive, a revogação do Código Florestal. Eles agem sistematicamente contra os direitos territoriais de indígenas e quilombolas. Os ruralistas votam em bloco para defender seus interesses econômicos e recebem pesadas doações dessas empresas em suas campanhas eleitorais (CARMO, 2010, p. 1).

O segundo é o fluxo de soluções do governo, da OIT, de ONGs e de instituições da sociedade civil no combate ao trabalho escravo. Realizado por meio de ações e planos como a lista suja, o GEFM, o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, o Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, a nova redação do artigo 149 e a PEC 438 até os programas sociais como o Bolsa Família e o Fome Zero. Outro bom exemplo é a iniciativa do SRMTE/MT de reintegrar o trabalhador resgatado ao mercado de trabalho que pode ser estendida para outros estados brasileiros.

O Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo tem sido muito bem sucedido nesses quase seis anos de existência. Não sem enfrentar alguns dilemas. E nesse momento, a gente está com um nas mãos. Mas já se tornou referência internacional, especialmente por conta da presença da Organização Internacional do Trabalho nesse comitê (PALESTRANTE 1, 2011).

O apoio da OIT junto ao comitê do Pacto Nacional composto pela ONG Repórter Brasil, Instituto Ethos e Instituto Observatório Social tem sido importante, conforme Machado14 (2011) diz:

A OIT apoia e a gente que financia praticamente 85% dos estudos de cadeia produtiva que a ONG Repórter Brasil faz, são financiados pela OIT. A OIT ela é membro do Pacto Nacional, do comitê gestor de tudo.

Como menciona o secretário de direitos humanos da presidência da república, Ramaris de Camargo15 (2011):

[...] recomendou a outros órgãos do governo que todas as cidades identificadas como origem dos escravizados sejam incluídas em programas sociais como Fome Zero, Bolsa Família, Brasil Alfabetizado, de microcrédito e de apoio à agricultura familiar.

O terceiro é o fluxo de condições políticas favoráveis dadas pelo reconhecimento internacional dos esforços brasileiros no combate ao trabalho escravo e a portaria interministerial entre o MTE e a SEDH. O combate ao trabalho escravo tornou-se uma política de Estado e as pressões internacionais para promoção dos direitos humanos por meio da OIT se intensificaram. Além disso, houve o recém arquivamento do processo da CNA, sobre o pedido de inconstitucionalidade da lista suja.

Entendemos que a convergência dos fluxos se dá na pressão pela aprovação da PEC 438 que expropria a terra do escravocrata, entregando esta à Reforma Agrária, e a inclusão de trabalhadores resgatados (grifo nosso) da escravidão moderna para o mercado de trabalho, feito no Mato Grosso, por meio da parceria entre a SRTE/MT com empresas públicas e privadas para a capacitação desses trabalhadores (janela de oportunidade). Esta última ação do AFT Valdinei Arruda, está sendo elogiada e muitos apoiam a iniciativa a ser estendida a outros estados brasileiros.

A figura 6 demonstra os três fluxos (problemas, soluções e condições de políticas favoráveis) e sua possível convergência.

14 Informação verbal concedida por Luiz Machado, no dia 19 de maio de 2011 durante o IV Seminário do Pacto

Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.

15 Informação verbal concedida por Ramaris de Camargo, no dia 19 de maio de 2011 durante o IV Seminário do

Convergência:

Aprovação da PEC 438, reforma agrária, sistemas locais sustentáveis de trabalho e a inclusão de trabalhadores resgatados ao mercado de trabalho por

meio de parceria público privado Fluxo 3 – condições de políticas favoráveis: Reconhecimento internacional, política de Estado e o recém arquivamento do processo de inconstitucionalidade da lista suja Fluxo 2 – soluções: Integração, portaria interministerial, planos, pacto nacional Fluxo 1 – problemas: Pobreza, falta de educação, analfabetismo, bancada ruralista, interesses de setores econômicos, PEC 438 e o trabalho escravo

Figura 06 – Fluxo de problemas, soluções e condições políticas favoráveis e sua convergência Fonte: Autor

Para Sakamoto:

[...] o superintendente regional do Min. do Trabalho e Emprego no MT, o Valdinei Arruda, que tem sido responsável pela implementação de uma política pública de prevenção ao trabalho escravo no estado do MT, que se tudo der certo e os outros estados e o governo federal levarem isso adiante, pode contribuir e muito com a prevenção do trabalho escravo e evitar com que trabalhadores que foram resgatados da escravidão voltem a retornar a essa situação (SAKAMOTO16, 2011).

A recente PEC 438, apresentada no Senado Federal em 2001, foi aprovada em 2003, mas permanece estacionada há 17 anos, desde 1995, à espera de votação em 2º turno no Plenário da Câmara. Isso porque a PEC contém a redação da primeira PEC 232, elaborada em 1995, mas que não teve apoio para aprovação na ocasião.

Segundo o Cazetta:

16 Informação verbal concedida por Leonardo Sakamoto – ONG Repórter Brasil, no dia 19 de maio de 2011 no

A aprovação da PEC 438 representará um significativo avanço na punibilidade dessa prática hedionda. As áreas onde houver trabalho escravo serão apropriadas pelo Poder Público, bem como todas as benfeitorias (carros, tratores, instalações etc), sem qualquer indenização ao expropriado, e revertidas para ações de desenvolvimento econômico e social desses trabalhadores. Portanto, trata-se de um instrumento que atinge diretamente os interesses econômicos de uma minoria que desonra e macula uma das mais importantes atividades do país. A sua aprovação constitui-se na mais forte ação de punição já adotada contra essa prática vergonhosa e desumana. Mas não basta punir (CAZETTA, 2008, p. 34).