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Formação de professores para a educação inclusiva

2 A CONSTRUÇÃO DE ESCOLAS INCLUSIVAS: O CAMINHO PARA AS

2.8 Formação de professores para a educação inclusiva

As modificações mais proclamadas como necessárias à educação para a diversidade dizem respeito à formação dos(as) professores(as). Formação que não deve apenas focalizar os conteúdos das disciplinas pedagógicas, mas preparar profissionais que possam transformar a realidade e considerarem na sua prática pedagógica a dimensão humana, técnica e política.

Vivemos um tempo de grandes transformações técnicas e sociais. Perrenoud (1999), ao

discutir a formação de professores(as) em contextos sociais em mudança, ressalta que as transformações da sociedade clamam automaticamente por evoluções na escola e na formação de profissionais. Mas também aponta para o fato de que não é assim que as coisas acontecem: mudanças sociais e, como conseqüência, mudanças na escola. Muitas variáveis estão presentes nesse percurso que não é linear.

O mesmo autor acredita que uma “prática reflexiva” e uma “participação crítica” são os fios condutores da formação docente para o enfrentamento da realidade atual. Como prática reflexiva, entende que deve ser permanente, que não é solitária, e entende como profissional reflexivo aquele que aceita fazer parte do problema, pois:

[...] reflete sobre sua própria relação com o saber, com as pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias, o tempo que passa, a cooperação, tanto quanto sobre o modo de superar as limitações ou de tornar seus gestos técnicos mais eficazes (PERRENOUD, 1999, p. 11).

A temática da formação docente vem sendo amplamente discutida no meio educacional brasileiro há muitas décadas. É inegável a importância mundial da educação na atualidade, mas, no caso do Brasil, alguns motivos são apontados para essa ênfase. Dentre eles podemos destacar “o débito do país em relação a uma educação escolar de qualidade para toda a população” (GUIMARÃES, 2004, p. 17) e a necessidade da construção de uma escola democrática após o regime militar.

Para Candau (1997), é impossível pensar em ensino de qualidade e em uma escola comprometida com a educação para a cidadania sem levar em consideração a discussão sobre a formação docente. Nóvoa (1995, p. 9) também diz que “não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores”.

Os debates acadêmicos que sustentam a atuação docente precisam aproximar-se mais das questões relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, pois não se pode ignorar a distância que existe e persiste entre o conhecimento produzido academicamente e a resolução de problemas enfrentados no cotidiano pelos profissionais da educação. No que tange à problemática da inclusão, é mister que a escola como parte do sistema educacional mais amplo, se debruce sobre essa temática e não meça esforços no sentido do envolvimento no atendimento educacional de qualidade.

Em seu processo de desenvolvimento profissional, o(a) professor(a) compreenderá que uma das fontes de sua formação é sempre a sociedade. E, concebendo a educação como prática social, valorizando o locus escolar e as relações que os sujeitos constroem e reconstroem dentro dele, com seus pares, parte-se da prática social para discutir a formação de professores, constituída em um espaço em que se teoriza, se reflete sobre a prática e a ela retorna-se.

No bojo das discussões sobre a prática docente, seu/s fazer/es, seu/s saber/es, seu/s contexto/s, suas relações e inter-relações no cotidiano da sala de aula, da escola, do seu entorno, outras questões se destacam e se tornam objeto de pesquisas e debates. Dentre elas, ressaltam-se as temáticas da diversidade e da inclusão, bem como a reflexão da própria prática, uma vez que é evidente a necessidade do(a) professor(a) se inteirar mais e se debruçar sobre essas temáticas e outras pertinentes ao exercício profissional da docência. E, para debruçar-se sobre a sua própria realidade, inteirar-se do assunto, é preciso que o(a) professor(a) se mantenha em constante formação.

No entanto, que tipo de formação atenderia ao apelo dos(as) professores(as) no que diz

respeito ao trabalho com os(as) alunos(as) com necessidades educacionais especiais? Quais os saberes necessários para educar a todos(as)? Que inovações na prática pedagógica

podem possibilitar o acesso ao conhecimento? E quanto à formação continuada dos profissionais que estão recebendo, em suas salas de aula, os(as) alunos(as) com necessidades educacionais especiais? Quais os caminhos, as possibilidades de um desenvolvimento profissional15 que ajude a dar conta da realidade atual? Estas também são questões que precisam ser resolvidas em caráter de urgência.

15 O uso do termo, em detrimento de formação em serviço, se justifica por caracterizar a formação como um

processo marcado pela incompletude e com maior abrangência na vida do(a) professor(a), considerando o docente em seus aspectos cognitivos, afetivos e relacionais.

Martins (2009), ao discutir sobre o processo de inclusão nas escolas públicas, reforça a idéia da importância da formação dos(as) educadores(as):

Só com uma ação ampla e contínua de formação dos profissionais da educação, na qual sejam revistos modelos, concepções e formas de atuação pedagógica, bem como derrubadas barreiras atitudinais existentes, pode-se oferecer um ensino de maior qualidade, que responda de forma adequada às necessidades de seus alunos, independentemente das suas condições individuais (MARTINS, 2009, p. 99).

A política educacional inclusiva recomenda que a escola tenha o compromisso de atender a todos(as) os(as) alunos(as) em suas necessidades educacionais especiais, e para que isso aconteça precisamos de professores(as) com conhecimentos adequados às mudanças que se apresentam. Vejamos alguns direcionamentos da legislação educacional vigente.

No Brasil, a LDB, no artigo 59, inciso III, ao definir o que os sistemas de ensino devem assegurar a esses(as) alunos(as), aponta uma diretriz para a formação dos(as) professores(as): “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular, capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1996).

Aparece uma diferenciação entre professores(as) com especialização para os atendimentos especializados e professores(as) capacitados para atuarem nas classes comuns das escolas regulares. Ao acompanhar o que está posto na LDB, no documento “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica”, de 2001 (BRASIL, 2001a), encontramos uma definição mais detalhada dos termos professores capacitados e professores especializados e as competências de cada um:

Art.18 - § 1º São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva;

II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem;

III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais;

IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial.

§ 2º São considerados professores especializados em educação especial aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequadas ao atendimento das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001a, p.38).

Ao tomar como base o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001/2010, que ainda norteia as ações em relação à qualificação dos profissionais da Educação, encontramos também uma diferenciação no que diz respeito ao tipo de formação:

• Incluir nos currículos de formação de professores, nos níveis médio e superior, conteúdos e disciplinas específicas para a capacitação ao atendimento dos alunos especiais.

• Incluir ou ampliar, especialmente nas universidades públicas, habilitação específica, em níveis de graduação e pós-graduação, para formar pessoal especializado em educação especial, garantindo, em cinco anos, pelo menos um curso desse tipo em cada unidade da Federação (BRASIL, 2000, p. 138).

A apresentação textual desses dispositivos legais ilustra a complexidade da tarefa de formar professores(as) para a Educação Inclusiva. Os(As) professores(as), mesmo os(as) capacitados(as), que devem ter uma disciplina na sua formação inicial a respeito da Educação Especial e Educação Inclusiva, precisam perceber as necessidades educacionais especiais dos(as) alunos(as) e flexibilizar a ação pedagógica para atender suas necessidades. Essas não são tarefas simples.

Uma única disciplina nos cursos de formação inicial que aborda as questões relativas à Educação Especial e Educação Inclusiva, obviamente, não dá conta da complexidade e da abrangência dos temas. Nesse caso, podemos falar de informação, mas não de formação propriamente dita.

Pletsch (2009a) ressalta que os cursos de formação de professores têm um grande desafio pela frente: produzir conhecimentos para que os professores possam ter novas atitudes perante a diversidade do alunado. A autora recomenda que para atingir esse objetivo é necessário:

[...] elaborar políticas públicas educacionais voltadas para práticas mais inclusivas, adequar a formação de professores às novas exigências

educacionais e definir um perfil profissional do professor, ou seja, habilidades e competências necessárias aos professores de acordo com a realidade brasileira (NUNES SOBRINHO; NAUJORKS apud PLETSCH, 2009a, p. 148).

Também é preciso pensar na formação dos(as) professores(as) especializados(as), que vão trabalhar nos atendimentos educacionais especializados e atender diretamente as especificidades dos(as) estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Esses profissionais também devem apoiar os(as) professores(as) das escolas regulares que tiverem alunos(as) com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula.

As questões relativas à formação docente na perspectiva da Educação Inclusiva, apesar dos dispositivos legais, apontam que esse é um campo de incertezas e dúvidas que persistem apesar das discussões e das posições de diversos autores.

Bueno (1999, p. 14), ao discutir a formação docente visando a Educação Inclusiva, propõe dois tipos de formação profissional: uma para os que ele denomina generalistas, que seriam “os professores do ensino regular com vistas a um mínimo de formação, já que a expectativa é da inclusão dos alunos com ‘necessidades educativas especiais’”; e outra para os(as) professores(as) especialistas, aqueles(as) “especializados nas diferentes ‘necessidades educativas especiais’, seja para atendimento direto a essa população, seja para apoio ao trabalho realizado por professores de classes regulares que integrem esses alunos”.

Mas, o autor alerta que a questão maior não é a diferenciação entre generalistas e especialistas. Na sua visão, a inclusão exige modificações significativas nos sistemas de ensino. Mudanças que não podem acontecer visando somente o alunado da Educação Especial. Diante da realidade das nossas escolas, com índices preocupantes de fracasso escolar, as mudanças devem acontecer para todas as pessoas excluídas do processo de aprendizagem. O ensino tem de melhorar para atender a todos(as).

Skliar (2006) acha irrelevante a discussão a respeito da formação “especializada e/ou generalista” e diz que não é verdade a afirmação de que os(as) professores(as) não estão preparados(as) para receber os “estranhos” nas suas aulas. Para ele, o que falta é a existência de um consenso sobre o que significa “estar preparado” e políticas de formação, na

perspectiva da inclusão, que focalizem estratégias inovadoras. O autor sugere “[...] uma formação orientada a fazer que os professores possam conversar – conversar, no sentido que tenho explicitado anteriormente – com a alteridade e, também, a possibilitar a conversação dos outros entre si” (SKLIAR, 2006, p. 32). Ele diz não acreditar na formação que oferece somente um discurso racional, científico a respeito do outro, considera relevante focalizar a

experiência que é do outro, caso contrário “[...] esses outros seguirão sendo pensados como ‘anormais’, que devem ser controlados por aquilo que ‘parecem ser’ e, assim, corrigidos eternamente” (SKLIAR, 2006, p. 32).

Diniz (2012) pondera que em momentos de formação docente sempre escuta dos(as) professores(as) considerações a respeito da falta de preparo para trabalhar com as especificidades dos sujeitos em sala de aula. Mas, segundo a autora, “a formação não é algo meramente precedente ao fazer pedagógico”. Para além da formação inicial que acontece nos cursos, é preciso considerar que é no trabalho cotidiano que ela adquire “forma definitiva”. Por meio das vivências da sua prática diária, “[...] o(a) professor(a) elabora e reelabora teorias, constrói novos saberes, novos saber-fazer. Ou seja, sai da lógica do estar preparado(a) para a lógica do ir se preparando a partir do surgimento da questão” (DINIZ, 2012, p. 28). A preparação acontece em processo.

Com fundamentação na teoria psicanalítica, Diniz (2012) relata o uso da Conversação como método de estudo e pesquisa/intervenção que funciona também como dispositivo de formação. Na sua experiência de pesquisadora, o grupo de pesquisa discute livremente um assunto e “[...] é o próprio grupo que diagnostica, identifica e se implica nos fenômenos psíquicos explícitos e implícitos no processo de ensino-aprendizagem e na busca de saídas para lidar com os impasses advindos da relação professor-aluno” (DINIZ, 2012, p. 22).

A autora esclarece que, nas Conversações, os(as) docentes estão sempre questionando suas ações pedagógicas e após as “conversas” são apresentados e discutidos textos teóricos possibilitando o diálogo com um saber já constituído, dimensão também importante na formação.

Na formação continuada, na perspectiva da Educação Inclusiva, tem sido muito usada a pesquisa-ação por esta possibilitar o diálogo entre a universidade, as escolas e os(as) profissionais da Educação. É uma estratégia colaborativa e interativa apontada pelas

pesquisadoras como viável na construção de conhecimentos e soluções referentes aos problemas que surgem na prática pedagógica com alunos(as) com NEE (JESUS, 2009; GLAT e PLETSCH, 2011; SILVA, 2011; DUEK, 2011).

O conhecimento a respeito dos tipos de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação com a conceituação, as características e as possibilidades de trabalho pedagógico, pode ser de grande valia para os(as) profissionais da educação, mas é necessário que se considere sempre a dimensão do sujeito que apresenta essas diferenças.

Mudanças no campo da formação docente para a Educação Inclusiva podem contribuir de maneira significativa para que as transformações nas escolas aconteçam de fato e que práticas pedagógicas inclusivas não sejam exceções no nosso cenário educacional e sim a norma de uma educação democrática.