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Percepções docentes: a Educação Inclusiva na rede municipal

4 O CONTEXTO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A REDE MUNICIPAL, A

5.3 Conhecendo as professoras da escola

5.3.3 Percepções docentes: a Educação Inclusiva na rede municipal

A última pergunta do questionário foi aberta e buscou conhecer a opinião das professoras a respeito da política de Educação Inclusiva na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Das 27 participantes, uma não respondeu à questão (“Não opino, senão teria que escrever um ‘tratado’ e não possuo, no momento, essa vontade”) e duas se posicionaram contra a maneira como tem sido implementada a política de Educação Inclusiva na RMEBH.

Vejamos, em primeiro lugar, as respostas que apresentaram uma crítica mais contundente à implementação da política inclusiva na rede municipal:

Acho essa política absurda, pois não estamos preparadas para lidar com esses alunos. Na verdade, temos muitos alunos e não damos conta de desenvolver um trabalho adequado, pois eles precisam de dedicação exclusiva. Tentamos na medida do possível planejar atividades diferenciadas e adequadas, no entanto, quem acompanha de perto a realização das mesmas, são as estagiárias [Auxiliares de apoio à inclusão]. Os alunos com deficiência deveriam ser obrigatoriamente atendidos em dois horários: sendo um com acompanhamento de especialistas, individualmente, e no outro, junto com os outros alunos em sala de aula onde se dará a sua socialização e aproximação com as atividades necessárias à sua prática social. (Trecho de resposta do questionário).

fazer um bom trabalho. Nós professores ficamos a mercê do trabalho realizado de forma paralela. Eles apenas incluem estas crianças nas salas, sem se preocupar de fato com a sua aprendizagem. Em muitas escolas o estagiário [auxiliar de apoio à inclusão] para estas crianças não existe. Não sou a favor desta política, acho que ela não acontece para realmente ajudar a criança. Vejo que a grande importância é acima de tudo a convivência social e não o cognitivo para a PBH [Prefeitura de Belo Horizonte] (Trecho de resposta do questionário).

Na primeira fala aparece a preocupação com o atendimento adequado do(a) aluno(a) com NEE e também a preocupação com a impossibilidade de atender individualmente esse educando(a). A professora diz que planeja as atividades, mas quem acompanha de perto o(a) aluno(a) é a auxiliar de apoio à inclusão. Assim, aquele aluno(a) que apresenta deficiência, no entendimento da professora, deve ser atendido individualmente para que possa aprender.

Anjos, Andrade e Pereira (2009) encontraram essas preocupações em pesquisa realizada com professores(as) de escolas públicas de Marabá, no estado do Pará. As autoras pontuam a “aflição” dos(as) professores(as) diante da dificuldade de atender individualmente os(as) alunos(as) com deficiência. “O professor, de fato, não pode dar atenção a um aluno só, mas isso não aparece como um problema quando se descreve o seu trabalho como um todo, apenas em relação aos alunos com deficiência” (ANJOS; ANDRADE; PEREIRA, 2009, p. 122).

Outro aspecto importante da primeira fala diz respeito ao processo de aprendizagem dos(as) alunos(as). A trajetória escolar deve ser dividida entre especialistas, em um horário, com atendimento individual, e sala de aula, em outro. Não fica claro o que deve ser aprendido em cada tempo de permanência na escola, mas a divisão entre o “especial” e o comum da escola se faz presente no discurso.

Essa divisão perdurou por muito tempo no sistema de ensino do Brasil e ainda está presente nas percepções docentes. Mantoan (2006) discute essa questão e alerta para a necessidade de romper com essa lógica que ignora o sujeito e o separa, divide em categorias estanques:

Os sistemas escolares também estão montados de acordo com um pensamento que recorta a realidade, que permite subdividir os alunos em “normais” e “com deficiência”, as modalidades de ensino em “regular” e “especial”. A lógica dessa organização é marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista, reducionista, própria do pensamento científico moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo, o criador, sem os quais não conseguimos romper com o velho modelo escolar para produzir a reviravolta imposta pela inclusão (MANTOAN, 2006, p. 190)

A segunda professora enfatiza a falta de condições para o(a) professor(a) desempenhar de forma satisfatória seu trabalho e demonstra descrédito em relação à rede municipal ao enfatizar ações que não acontecem sempre, como, por exemplo, a presença de auxiliares de apoio à inclusão na sala de aula, ou então, que acontecem de maneira incipiente, ao afirmar que a política não está voltada para ajudar a criança e que prioriza, acima de tudo, a convivência social.

O reconhecimento de que a política inclusiva é boa, mas precisa ser melhor implementada é um ponto recorrente nas respostas. Tal reconhecimento pode evidenciar a aceitação, por parte das professoras, de um novo paradigma, o paradigma da inclusão escolar. Das 27 respostas, oito usam expressões positivas em relação à Educação Inclusiva: “política importante e

necessária”; “teoria muito boa”; “ideia bacana”; “boa iniciativa”; “iniciativa válida”; “política boa e a ideia também”. Tem-se a seguir alguns exemplos de respostas dadas pelas professoras em que se observam o uso dessas expressões positivas, mas acompanhadas de críticas à política de Educação Inclusiva da Prefeitura, referentes à falta de preparo dos(as) professores(as), auxiliares de apoio à inclusão e funcionários e também falta de estrutura das escolas.

A política de Educação Inclusiva é importante e necessária. A prefeitura oferece recursos que possibilitam ao aluno um bom desenvolvimento, mas percebo que os estagiários e professores não são bem preparados, faltando maior conhecimento e estratégias para lidar com as peculiaridades das deficiências.

Boa iniciativa, mas precária a capacitação e estruturas das escolas.

Acho válida a iniciativa de promover a inclusão dos alunos com deficiência, entretanto acredito que seja necessário ampliar a formação para os professores.

A teoria parece muito boa, mas a prática muitas vezes é problemática já que os professores não são capacitados para o trabalho.

A falta de formação dos(as) professores(as) foi apontada por 20 respondentes como um fator que dificulta a efetivação da política inclusiva. Este foi considerado pelas professoras como “o ponto frágil” para atingir a meta de uma escola para todos.

Esse aspecto, da falta de formação docente, também é considerado em outros estudos como impedimento para a efetivação da política inclusiva (FONTES, 2007; PLETSCH, 2009; SILVA, 2011; DUEK, 2011).

A falta de formação dos auxiliares de apoio à inclusão - ainda denominados “estagiários” pela maioria das professoras - também é questionada, seguida por uma série de lacunas apontadas também como um entrave para a construção da escola inclusiva: falta de recursos; falta de apoio pedagógico da rede; escolas sem condições físicas e metodológicas para atender o(a) aluno(a) falta de suporte pedagógico e emocional para os(as) professores(as) e falta de suporte de médicos(as) e psicólogos(as) para o trabalho do(a) professor(as).

É uma política nova na rede municipal, que já avançou muito, mas precisa dar mais condições e suporte para os professores e escola, como oferecendo médicos, psicólogos, etc...

Aqui é possível perceber uma volta ao modelo médico da deficiência que vigorou por tanto tempo na área da educação das pessoas com deficiência. Esse modelo, conforme esclarecimentos feitos na introdução deste trabalho, consistia na crença de que o problema da deficiência era algo restrito à pessoa que o possuía e que, por isso, a solução seria prover essa pessoa com o máximo de habilidades a fim de que ela se tornasse apta a ingressar ou reingressar na sociedade. Assim, a reabilitação e os serviços especializados ganharam expressão no atendimento às pessoas deficientes.

Mas, é importante enfatizar que apenas uma resposta destacou a necessidade do aparato médico para que a inserção dos(as) alunos(as) com deficiência acontecesse nas classes comuns da escola regular. O fato pode ser considerado como um avanço, pois como abordamos em outra pesquisa a respeito das percepções docentes sobre a Educação Inclusiva (RODRIGUES, 2005), a maioria das professoras defendiam que a educação dos(as) alunos(as) com deficiência deveria acontecer na escola ou classes especiais.

A instituição especializada, na percepção das professoras, aparece como detentora de um saber que beneficiará o aluno deficiente, proporcionando a ele a oportunidade de aprender. Carvalho (2000) comenta que os professores acreditam, equivocadamente, que nas classes ou escolas especiais os alunos serão atendidos por “especialistas”, reforçando a idéia que os alunos com deficiência necessitam mais de um trabalho terapêutico, em detrimento do trabalho pedagógico (RODRIGUES, 2005, p. 117).

Sintetizando, é possível dizer que, dentre as opiniões apresentadas, duas professoras se posicionaram de maneira desfavorável em relação à política de inclusão, outra não quis se manifestar. Oito se mostraram favoráveis à filosofia da inclusão, mas insatisfeitas com a forma como tem sido implementada e nas outras 16 respostas, surge, por um lado, a constatação de que a RMEBH está em “fase de estruturação” da inclusão e por outro lado, algumas respostas, mesmo não se opondo à ideia de inclusão, usam de termos negativos para se referirem ao assunto.

A política de rede municipal de Educação Inclusiva está em fase de estruturação. As escolas ainda não possuem condições adequadas para o atendimento destas crianças.

Incipiente, os professores sem formação; as escolas não possuem condições físicas e metodológicas para atender o aluno de inclusão.

Deficiente de recursos. Conta com a boa vontade e dedicação dos profissionais.

É um projeto que caminha lentamente. Acredito que há um investimento ‘alto’ para o pouco sucesso. Na verdade estamos todos “tentando” alternativas, mas os alunos já estão aí e esse descompasso causa ansiedade e às vezes descrença entre os professores.

Naujorks (2002), em estudo a respeito dos agentes desencadeadores de estresse nos(as) professores(as) do ensino fundamental que trabalham em escolas públicas frente a inclusão de alunos(as) com necessidades educacionais especiais em suas salas, encontrou um(a) professor(a) angustiado em relação aos desafios que a escola lhe impõe.

A proposta da inclusão é um forte agente estressor, pois chegou nas escolas de forma “imposta”, tornando-se, em linguagem figurada uma “pedra no caminho do professor”. O conceito de inclusão, segundo os professores ouvidos adquire diversos significados, mas todos são unânimes em afirmar que o processo inicia a partir de mudanças de atitudes que englobam a sociedade e não apenas o ambiente escolar. Como não conseguem enxergar este “movimento” nem na sociedade nem nas escolas, sentem-se sozinhos, tendo que implementar um processo que diz respeito a todos, que envolve uma prática coletiva (NAUJORKS, 2002, p. 125)

Na verdade, os dados encontrados estão de acordo com resultados de pesquisas que analisaram as percepções docentes a respeito da inclusão escolar (NAUJORKS, 2002; RODRIGUES, 2005; SALVADOR et al., 2006; ANJOS; ANDRADE; PEREIRA, 2009; MARTINS, 2009).

Como é possível observar, as opiniões foram divergentes, mas já é possível perceber um movimento mais positivo em relação à aceitação da proposta de inclusão. A grande preocupação das professoras é com a formação docente, bem como a estrutura da rede de ensino e das escolas para enfrentar o desafio de educar a todos.

E a última resposta de uma professora, apresentada acima, destaca um ponto que também está presente nos questionamentos da presente pesquisa: uma política que se propõe a ser justa e democrática pode vir a malograr diante de tantos insucessos ou como a professora diz “pouco sucesso”. Essa situação, causadora de “ansiedade” e “descrença entre os professores”, pode mesmo comprometer a implementação de uma política “importante e necessária”, conforme o discurso de outra professora, para todos(as) os(as) alunos(as) e não somente os(as) que apresentam deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação.

Vamos agora, no próximo capítulo, focalizar as práticas com os(as) alunos(as) com NEE, nos diversos espaços da escola, e, principalmente, nas salas de aula observadas. Vamos conhecer mais de perto o que faziam e como agiam os sujeitos que constituíam o cenário educacional em que a aprendizagem tem um papel de destaque.

6 COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A CAMINHO DA