• Nenhum resultado encontrado

Primeira fase: Delimitação do campo teórico e da pesquisa

3 A ESCOLA COMO CAMPO DE PESQUISA: PROCEDIMENTOS ÉTICOS E

3.1 Primeira fase: Delimitação do campo teórico e da pesquisa

De acordo com Minayo (1994), no momento inicial do trabalho, a definição teórica e conceitual é fundamental para a construção de uma base de sustentação da investigação científica. André (1995), ao discutir o papel da teoria nas pesquisas etnográficas, diz que assim como em outras pesquisas, a teoria é fundamental na formulação do problema e na estruturação das questões orientadoras. A partir da definição do tema a ser investigado, o pesquisador deve fazer “[...] um amplo estudo da literatura pertinente para verificar que aspectos desse tema amplo já foram explorados e quais ainda carecem de estudo sistemático” (ANDRÉ, 1995, p. 47).

Oliveira (1998, p. 14) também ressalta a importância da revisão da literatura relacionada ao tema a ser investigado: “nestas leituras o pesquisador vai fazendo escolhas, buscando coerência entre os autores, selecionando aqueles que se adequam melhor à sua perspectiva do problema”. É necessário ressaltar que o quadro teórico é uma ferramenta que também auxilia o investigador na interpretação dos dados coletados e que as leituras atravessam todo o processo da pesquisa e da escrita do relatório final.

Tendo como base a fundamentação a respeito da Educação Inclusiva, o estudo teórico focalizou conceitos como: integração, inclusão, escola inclusiva, cultura da escola, práticas pedagógicas inclusivas, formação docente, currículo e diversidade. As leituras contribuíram também para a redefinição do projeto de pesquisa que foi, posteriormente, encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais para avaliação dos procedimentos propostos.

Assim, a teoria nas pesquisas etnográficas tem um papel fundamental em todos os momentos: desde a formulação do problema, passando pela elaboração de perguntas que orientam a coleta de dados, dialogando com a experiência encontrada no campo, revendo princípios e procedimentos e, por fim, na sistematização dos dados, bem como para suas análises e interpretações.

De acordo com as explicações na introdução deste trabalho, a escolha da escola para desenvolver a pesquisa, a princípio, teve como eixo norteador, a seleção de uma instituição escolar que desenvolvesse uma proposta pedagógica considerada como bem-sucedida em Educação Inclusiva.

Assim, para obter informações a respeito de escolas com possibilidades de encontrar práticas consideradas como “bem-sucedidas” em Educação Inclusiva, foi preciso realizar contatos telefônicos, no mês de novembro de 2010, com três secretarias de educação: a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG); a Secretaria Municipal de Educação da cidade de Belo Horizonte (SMED) e a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Contagem (Seduc). O objetivo do contato foi buscar informações a respeito de escolas das redes de ensino que se destacavam na implementação da política educacional inclusiva com práticas pedagógicas consideradas “positivas”.

Dentre as cidades que compõem a região metropolitana de Belo Horizonte, a escolha da cidade de Contagem foi baseada no contato anterior com a Seduc que ofereceu um curso de pós-graduação em Educação Inclusiva para 160 profissionais da Educação em parceria com a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). O município assumiu a política de inclusão e passou a investir em ações para modificar as práticas pedagógicas, configurando-se assim, como uma possibilidade de encontrar escolas com características que atendessem os requisitos da pesquisa.

As secretarias municipais indicaram duas escolas cada uma e a secretaria estadual deu o nome de uma escola em Belo Horizonte. O primeiro contato com as cinco escolas também foi feito por telefone e tinha como apoio uma ficha (Apêndice J) contendo alguns dados de caracterização das instituições (nome, endereço, telefone), data, pessoa contatada e três questões consideradas importantes para uma tomada de decisão: A escola é inclusiva? Tem

adaptações físicas? Qual a possibilidade de realizar, na instituição, uma pesquisa a respeito da prática pedagógica com alunos(as) com necessidades educacionais especiais?

As cinco escolas se autodenominaram inclusivas e todas apresentavam adaptações no espaço físico, com rampas e banheiros adaptados. As instituições da rede municipal de Belo Horizonte já foram construídas com as adaptações de acesso. Também houve aceitação inicial quanto à possibilidade de desenvolver a pesquisa, com a necessidade de consulta à direção e à coordenação pedagógica. Em uma escola de Belo Horizonte, a vice-diretora respondeu que precisava consultar a direção, as coordenadoras e o corpo docente, pois o coletivo da escola precisava “abraçar a ideia”. A resposta evidenciou uma pista de que ali poderia existir uma gestão democrática, uma das características da escola inclusiva destacadas por autores(as) da área (MANTOAN, 2001; BEYER, 2005; CARVALHO, 2008; GLAT; BLANCO, 2009).

A escola estadual indicada trabalhava com ensino médio e para o desenvolvimento desta investigação as características do ensino fundamental, anos iniciais, eram mais adequadas. Na estruturação desse nível de ensino, o(a) professor(a) trabalha com uma ou no máximo duas turmas quando trabalha por disciplina no decorrer do ano, em um mesmo turno. Sendo assim, esse contato diário intensifica a relação de proximidade e envolvimento com os(as) alunos(as), possibilitando situações nas quais o(a) professor(a) acompanha mais de perto o desenvolvimento pedagógico dos mesmos, com maior possibilidade de questionar sua prática profissional. Assim, a escola estadual, por trabalhar com o ensino médio não atendia aos critérios para a escolha do campo de investigação.

Das duas escolas municipais de Contagem, uma focalizava o trabalho na educação de surdos e a proposta da pesquisa era conhecer a prática pedagógica com alunos(as) com NEE de forma mais abrangente, sem adentrar as especificidades que envolvem a comunidade surda. A segunda escola indicada apresentava uma localização que dificultaria uma pesquisa de campo mais extensa, por se encontrar muito distante. As visitas à escola, mediante as características do tipo de pesquisa a ser desenvolvida, precisavam ser constantes e por um período de tempo prolongado, por volta de dois semestres letivos.

Por outro lado, as instituições da rede municipal de Belo Horizonte trabalhavam com o ensino fundamental e atendiam alunos(as) com NEE decorrentes de deficiência e transtornos globais

do desenvolvimento, atendendo, dessa maneira, aos critérios pré-estabelecidos para a definição da escola.

Conhecer as duas escolas mais de perto foi o passo seguinte. O processo de levantamento do número de alunos(as) com NEE, observação dos espaços, dos rituais e da prática pedagógica desenvolvida com esses alunos(as) durou dois meses, março e abril de 2011.

Tem-se a seguir uma breve descrição da situação encontrada nas duas escolas e os pontos definidores para a escolha da instituição a ser investigada. Para melhor distinção das características de cada uma, optamos por denominá-las A e B.

Nas duas escolas foi apresentada a proposta da pesquisa para os profissionais. Na escola A, isso aconteceu nos horários do intervalo (recreio), nos turnos da manhã e da tarde, e na escola B, em uma reunião pedagógica das coordenadoras com os(as) professores(as). As manifestações, nas duas escolas, foram de aceitação e interesse sobre o nível de formação relacionada com a pesquisa, mestrado ou doutorado? Na escola B, houve solicitação de um compromisso com o coletivo da escola de apresentar o resultado da pesquisa ao final do trabalho.

A escola A, localizada na região Norte de Belo Horizonte, encontrava-se bem distante do centro e estava na divisa com outro município da região metropolitana. Foi fundada em 2001 e tinha um trabalho que se destacava na rede municipal com a participação ativa da comunidade do bairro. Havia uma parceria escola-comunidade que se evidenciava pelo número de funcionários (monitores) contratados que eram da região e pela participação dos pais nas atividades da escola. Era uma escola que partia da realidade da comunidade e vinha conseguindo resultados positivos em uma região marcada pela violência e pelo tráfico de drogas.

As duas escolas foram acolhedoras e o ambiente da escola A era marcado por um movimento constante de alunos(as) de outro turno que participavam de oficinas do Programa Escola Integrada18 e ficavam no pátio desenhando, jogando e tocando violão. As dúvidas em relação

18 Programa do município voltado para a ampliação da carga horária discente para 9 horas diárias, com

à escolha foram muitas e para resolver o impasse foi preciso focar no objetivo maior da pesquisa: as práticas pedagógicas inclusivas.

Para conhecer o trabalho pedagógico desenvolvido com os alunos com NEE, foram realizadas observações preliminares nas turmas em que esses alunos(as) estavam inseridos. Durante a

semana eram feitas duas visitas a cada uma das escolas, nos dois turnos, manhã e tarde.

Na escola A, foram observadas dificuldades relativas à rotina estabelecida com os alunos(as) com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento: atividades pedagógicas diferenciadas e descontextualizadas, isto é, enquanto a turma trabalhava com determinado conteúdo, o(a) aluno(a) com NEE desenhava ou coloria; tempo de permanência na sala de aula reduzido; comportamentos de piedade que afetam as ações das professoras e dos(as) auxiliares de apoio à inclusão19.

Na escola B, foi possível encontrar práticas mais diversificadas: algumas eram semelhantes às observadas na escola A, mas outras conseguiam inserir todos(as) os(as) alunos(as) no processo de aprendizagem e a permanência em sala de aula era visivelmente maior. As ações da gestão da escola B também evidenciavam um cuidado com o alunado com NEE: a secretaria da escola tinha uma lista desses alunos(as); o banheiro para cadeirantes era adaptado e cada aluno tinha um recipiente para coleta de urina marcado com seu nome. São pequenos cuidados que fazem diferença no atendimento das especificidades.

Assim, as observações relativas à prática pedagógica com os(as) alunos(as) com NEE e algumas ações da gestão voltadas para atender as necessidades desses educandos foram decisivas para a escolha do campo a ser investigado. A escola B apresentou maior consistência no que diz respeito às características de uma prática pedagógica inclusiva, ou seja, uma prática que considera as diferenças e foi a instituição escolhida para o desenvolvimento da pesquisa.

Após a definição da instituição, organizou-se e elaborou-se um plano de visitas, considerando o calendário e a disponibilidade da escola. A ideia inicial era que esse planejamento fosse

participam de atividades esportivas, culturais e educativas (língua estrangeira, informática, auxilio no dever de casa, prática de esportes, brincadeiras e oficinas de cultura e arte.

19 Profissionais contratados pela Caixa Escolar das escolas para acompanhar alunos(as) com limitações motoras

construído junto com os participantes da pesquisa, mas só foi possível planejar com as coordenadoras por causa da indisponibilidade de tempo das professoras.