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Formação Discursiva (FD): O Cotidiano da Profissão Docente: Satisfação

No documento Sirlande Rodrigues final (páginas 99-103)

Capítulo VI: Apresentação, Análise e Discussão dos Resultados

6.2. Apresentação, análise e discussão dos resultados das entrevistas

6.2.3. Formação Discursiva (FD): O Cotidiano da Profissão Docente: Satisfação

A transformação social das últimas décadas trouxe, sem dúvida alguma, várias alterações na forma de conceber e gerir a escola. Segundo Libâneo (2011), os impactos dessas transformações são reconhecidos pelos educadores que tentam reavaliar o papel da escola e da docência nesse novo contexto.

Tedesco e Tenti Fanfani (2002) apresentam alguns desses impactos que afetaram diretamente a escola e os professores: primeiro, as profundas mudanças no conceito e concepção de familia, que hoje delega à escola a função de educar as crianças; segundo, os meios de comunicação de massas e outras instituiçãos sociais. Segundo esses autores, hoje não existe uma divsão clara do trabalho entre as instâncias sociais e a escola. Os valores que circulam na escola, na familia e nos meios de comunicação de massas nem sempre são coicidentes e geram, portanto, contradições que envolvem o trabalho cotidiano do professor numa grande complexidade causando insatisfação, insegurança e mal-estar no contexto escolar.

Ser professor nesse novo contexto social e familiar é, muitas vezes, assumir a função de mãe-substituta, de psicólogo, de advogado, de juiz, enfermeiro, etc, o que, segundo Tedesco e Tenti Fanfani (2002) e Contreras (2013), somente faz desvalorizar a docência enquanto profissão. Além desses aspectos, os desafios do cotidiano escolar não param de crescer: situações de violência, de omissão da família nos processos de ensino e aprendizagem dos seus filhos, cobranças dos órgãos públicos, privados e demais instituições sociais para uma melhoria na qualidade da educação brasileira, sem que para isso se crie as condições necessárias para essas melhorias, permeiam o dia-a-dia do professor (Libâneo, 2011, Tedesco e Tenti Fanfani, 2002). O quadro a seguir, (Quadro 5), tratará apenas das Formações Discursivas dos professores entrevistados que se encontram em pleno exercício da docência. Os excertos de depoimentos foram extraídos das perguntas sobre o que é mais desgastante e o que é mais gratificante no trabalho de professor. Com esse questionamento, procuramos identificar o grau de satisfação e insatisfação dos professores com a profissão.

Quadro 5. Apresentação dos ED dos professores, agrupados na FD (Formação Discursiva): O Cotidiano da Profissão Docente: satisfação x insatisfação

FD: O Cotidiano da Profissão Docente: satisfação x insatisfação.

Identificação do Professor

Excerto de Depoimentos (ED)

PE1 “Prazeroso é quando você vê que o aluno aprendeu. (...) Desgastante é a questão do desinteresse – porque muitos estão na sala de aula para tudo, menos estudar (...) não têm (os alunos) nenhuma perspectiva de futuro. (...) Muitas vezes é perda de tempo, você se pergunta: ’que é que eu estou fazendo aqui”?

PE2 “Gratificante é (...) quando encontro um aluno que está fazendo algum curso, crescendo na profissão e agradece o que a gente ensinou. O desgaste eu vejo muito a questão de você estar sempre corrigindo muita coisa, fazendo muito trabalho buocrático, que agora está enorme (...). Está ficando uma coisa muito chata.”

PE3 “A questão da descoberta do conhecimento. (...) o sucesso acadêmico. Fico muito satisfeita quando um aluno meu me diz que passou no vestibular. A alegria que eu sinto é a mesma que senti quando o meu filho foi fazer. (...) infelizmente as cobranças do sistema (...) a burocracia, a cobrança de horas aula, cadernetas (...) isso é o mais difícil”.

PE4 “Desgaste é você ver que seu trabalho é muito lento, que o resultado vem (...) com o tempo (...). Você ver uma pergunta inteligente já é uma gratificação para o professor, porque mostra que fez com que alguém começasse a pensar mais e a observar o mundo ao seu redor”.

Segundo Ramos (2004), no âmbito da Psicologia Social, várias teorias têm tentado explicar os fatores de satisfação do trabalhador. Dentre estas, destaca-se a de Maslow, que diz que a satisfação de uma pessoa é determinada pelas necessidades que ela tem, sejam fisiológicas, de segurança, sociais, de estima, autorrealização ou utilização de seus talentos. As necessidades satisfeitas, já não são capazes de motivar o comportamento (Hampton, 1983 apud Ramos, 2004, P. 91).

Diante disso, tratar daquilo que traz satisfação na profissão docente parece-nos muito delicado e subjetivo. Razões de ordem pessoal, institucional e social podem estar na origem dessa satisfação x insatisfação e dependendo dos indivíduos e dos contextos em que estão inseridos, uns podem pesar mais que outros (Estrela 2010).

Dentre os motivos apresentados pelos professores, observa-se o prazer de ver o sucesso do aluno, como o mais significativo. O professor sente-se partícipe desse sucesso, como se fora parte dele. A PE3 diz sentir-se como se fosse com seu filho. Todos os excertos de depoimentos contém essa mesma ideia de satisfação: ver o sucesso do aluno.

Essa satisfação é como um reflexo, como um pensamento, uma reflexão do professor: ‘se o aluno obteve sucesso mediante o meu trabalho, então o que realizo é realmente importante’. É realização pessoal e profissional, numa mescla de realização e necessidade de autoafirmação (Codo, 1999).

Nesses discursos, está também implícita uma carga de afetividade. O trabalho de educar é um dos mais delicados em termos psicológicos. Cria vínculos entre educador e educando e, por essa razão, muitos professores (as) referem-se aos alunos de forma possessiva, como “meus” alunos -demonstrando seu grau de afetividade e envolvimento com os mesmos. O ED da PE3, - “a alegria que eu sinto é a mesma que senti quando o meu filho foi fazer” - é uma demonstração clara disso (Estrela 2010; Codo 1999).

Com relação à questão dos fatores que causam desgastes à profissão, o discurso dos professores aponta a burocracia exigida – levando-se em consideração o grande número de formulários, cadernetas e outros instrumentos técnicos do trabalho - como componente que contribui para o estresse cotidiano do docente. Segundo a fala do PE4, “o Estado tranformou o professor numa pessoa que vai gerir números, estatísticas”.

Arroyo (2011) salienta que a burocracia é uma forma de controle sobre a escola e os docentes, a qual se manifesta sempre numa relação tensa que polariza e desfigura a categoria docente buscando eliminar toda forma de resistência e transgressão destes profissionais. Segundo o autor, as normas geram sempre a necessidade de novas normas, e assim,à medida que cresce a

autonomia da escola e o profissionalismo dos professores, crescem tambémos quadros burocráticos. Portanto, para o autor, “é um tema sofrível no seio da escola” (Arroyo, 2011, p. 219).

Fazendo um paralelo com a situação internacional, Esteve (1999) em pesqisa realizada em Málaga, na Espanha, aponta a burocracia como fator de insatisfação e mal-estar entre os professores. Estes se queixam de perder muito tempo com preenchimento de dados e de números para gerar estatísticas. Muitas vezes o trabalho torna-se mais técnico e menos pedagógico.

Na nossa investigação, o professor PE4 alega que a função de “balizar o ensino”, que deveria ser princípua no trabalho do professor, está relegada a segundo plano ante o exceso de burocracia. Nesse sentdo, o discurso do professor é comtempladopor Lessard e Tardif (2011, p. 157) que alegam que os professores precisam fazer malabarismos diante da enormidade de papéis que hoje lhes são atribuídos para conseguir cumprir “o seu mandato principal: ensinar e fazer aprender”.

Para além da burocracia, o desinteresse dos alunos têm causado grandes desgastes entre os profesores.Podemos observar, no discurso da PE1, o desânimo da mesma ao falar daquilo que lhe causa grande desencanto no exercício da função:

“(...) a questão do desinteresse – porque muitos estão na sala de aula para tudo, menos estudar (...) não têm (os alunos) nenhuma perspectiva de futuro. (...) Muitas vezes é perda de tempo, você se pergunta: ’que é que eu estou fazendo aqui”?

Huertas (2006) falando de motivação, explica que é a motivação que induz uma pessoa a realizar alguma ação e que todas as teorias da aprendizagem concordam que estudantes motivados aprendem com mais rapidez e eficácia. Segundo esse mesmo autor, a falta de motivação é uma das principais causas do desgaste do ensino e da apendizagem.

Clavijo (2009) concorda com Huertas ao destacar que é a motvação que nos move que nos dá força de vontade para realizar algo, que nos estimula a buscar atingir nossos objetivos. Voltando ao caso da PE1, que trata do desinteresse do aluno, lembramos uma pergunta feita por Ovalle (2007, apud Clavijo): “Como chegar a permear os níveis de motivação do estudante?” O próprio autor responde:

“Esto se puede lograr, conociendo muy bien el tema a tratar, enseñando con el ejemplo, respetando al estudiante, proporcionando habilidades para resolver problemas, instrumentando la participación, construyendo mecanismos de evaluación válidos, mostrando en la labor y enseñando através de preguntas.” (Ovalle, 2007, apud Clavijo, 2009, p.2)

A atitude proposta pelo autor para superar o desinteresse e desmotivação do estudante, parece simples. Entretanto, o docente que está também vivenciadndo essa fase de choque de

realidade, terá grandes dificuldades, uma vez que lhe falta ainda a maturidade profissional para

atentar para esses detalhes. Nesse sentido, Estrela (2010, p 25) salienta que nessa fase, bem como nas outras fases da carreira, a maneira de conceber e estar na profissão é marcada por diferentes interesses ou hierarquias. Assim, o docente pode ser arrastado para desistir da profissão ou “reagir e encontrar motivos de interesse dentro da escola (experiência de novos métodos, envolvimento em projetos, em formação contínua.) ou fora do âmbito do ensino (atividades sindicais, por exemplo)”.

Nóvoa (2006) em entrevista concedida a Henrique Manuel e Maria Cristina Vieira, aponta a relevância do papel das equipes pedagógicas na orientação e acompanhamento de professores novatos, a fim dar-lhes condições para a consolidação de suas práticas pedagógicas. Ele lembra que geralmente, ao professor novato, destinam-se as turmas mais difíceis, não lhes dando qualquer apoio para enfrentarem esse desafio. Defende que em cada escola, o professor mais experiente deveria ser uma espécie de tutor do professor recém-chegado para que este pudesse aprender nessa interação. O autor conclui que se isso ocorresse, todos aprenderiam e não seria tão grande o desinteresse pela profissão (Nóvoa, 2006).

No documento Sirlande Rodrigues final (páginas 99-103)