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Formação Discursiva (FD): Profissão Docente e Identidade

No documento Sirlande Rodrigues final (páginas 103-106)

Capítulo VI: Apresentação, Análise e Discussão dos Resultados

6.2. Apresentação, análise e discussão dos resultados das entrevistas

6.2.4. Formação Discursiva (FD): Profissão Docente e Identidade

Gomes (2008) lembra que a identidade profissional é uma das identidades assumidas pelos sujeitos, e, pressupondo-se que toda profissão afirma uma identidade, logo existe uma identidade profissional do professor, ou seja, uma maneira de ser professor. Dessa forma, ao falarmos de uma crise de identidade profissional do professor, estamos falando de um a crise na forma de ser professor.

A ideia de que todo trabalho é construído e que a identidade profissional pode exercer mais influência sobre a natureza do trabalho dos professores do que as novas tecnologias é defendida por Lawn (2001). Para ele, fixar a identidade profissional tem o poder de produzir certa autonomia e satisfação com a profissão.

Ao tratar da construção da identidade profissional, Vaillant (2007) considera a formação inicial como o marco para essa construção. Segundo essa autora, a identidade surge naturalmente como resultado do ofício exercido. Contudo, a identidade do docente é concebida a partir da definição “de si mesmo” (p. 3) associada às especificidades comuns ao campo da atividade docente e às representações sociais da profissão.

Nesse sentido, Arroyo (2011) comenta que cada professor carrega uma imagem socialmente construída a respeito da profissão e que nossa identidade como professora ou

professor é resultante dessas imagens. Por essa razão, é difícil separar as concepções de educação da nossa autoimagem pessoal e profissional. “Somos a imagem que nos legaram, socialmente construída e politicamente explorada”. (Arroyo, 2011, p.35).

A identidade como uma construção social mais ou menos estável que pode surgir tando de um legado histórico como de um período de transição é também apresentada por Dubar (1991, apud Vaillant, 2007). Assim, a identidade resulta das relações entre os partícipes de um mesmo contexto ou grupo profissional.

Para compreender as concepções e implicações da profssionalidade na construção da identidade do professor, pedimos aos professores entrevistados que nos apontassem características que julgassem importantes para um professor. O Quadro a seguir contém ED das respostas obtidas.

Quadro 6. Apresentação dos ED dos professores, agrupados na FD (Formação Discursiva): Profissão Docente e Identidade

FD: Profissão Docente e Identidade

Identificação do Professor

Excerto de Depoimento (ED)

PE1 “Acho que o compromisso com a sua profissão. (...) Fazer bem, gostar do que faz. (...) dedicação, compromisso”.

PE2 “ (...) ter paciência (...) ser persistente – você tem que estar sempre procurando alguma coisa pra inovar (...). Eu acho que se dedicar muito também. (...). Tem que ser estudante (...) estar sempre estudando váriascoisas além da matéria que ele trabalha”.

PE3 “Encarar a profissão como vocação. O que nos motiva são as ideologias. (...) Eu preciso ter uma pespectiva melhor. E eu acho que começar pela educação é a melhor perspectiva”.

PE4 “ (...) Total paciência. (...) ter método. (...) Estamos num período histórico (...) é um período de virada. (...) nósestamos vivendo com um pé no passado e outro no futuro enão temos um solo firme para pisar. Nosso períodotalvez seja o mais difícil da carreira do professor na história”.

PR1 “ (...) para mim é dar um presente. Você pega o que você tem de melhor e dá para quem não tem (...)”.

PR2 “ (...) ser um educador. (...) estar sempre disposto a direcionar o conhecimento, direcionar um saber, mostrar uma luz para o outro (...)”. PR3 “ (...) é um profissional desvalorizado que luta com todas as suas garras para

não morrer na praia”. PR4 Ensinar fazendo refletir. Fonte: Entrevista realizada em 2013

Os EDs apontam algumas dessas características como: “ter compromisso” (PE1), “ser paciente e persistente” (PE2). Esses depoimentos sugerem uma ligação entre o institnto amoroso, maternal à imagem de um professor dedicado. Segundo Arroyo, (2000), essa imagem de devotamento é histórica e são resquícios do senso comum, que prezava mais pelos aspectos comportamentais do professor que por suas competências profissionais. Segundo esse autor, esse ciclo que tinha e continuou a ter como função, intermediar a educação primária à formação universitária, criando-se, portanto, um “vácuo de um saber profissional capaz de dar conta da educação e da formação cognitiva, ética, estética, cultural da adolescência e da junventude.” (Arroyo, 2000; p. 31 apud Silva e Chakur, 2007; p. 232).

Um depoimento que nos chama a atenção é o da PE3, que registra que para ser professor é preciso “encarar a profissão como vocação”. Nesse depoimento encontramos vestígios da gênese da profissão docente no Brasil, que nascida no seio da religião e exercida pelos sacerdotes jesuítas, era considerada como uma missão (Nóvoa, 1999).

É certo que as representações sociais são historicamente construídas, dependem da memória e estão vinculadas aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais, étnicos e às diversas práticas sociais (Moscovici, 1978). Dessa forma, nesse depoimento, vemos a imagem do professor abnegado, dedicado, que se mantém associado à ideia de fé, de sacerdócio no imaginário docente. Essa imagem encara a docência como se estivesse cumprindo um chamado para prestar um serviço ao bem comum. Brzenzenski (2002, p. 16 apud Silva e Chakur, 2007, p. 232) ressalta que a profissão de professor se mantém associada à ideia de fé e sacerdócio: “a vocação para ser professor diz respeito à dedicação e abnegação ao apostolado”.

Entretanto, o depoimento do PE4, elucida uma concepção diferente quanto à identidade do docente: “[...] nós estamos vivendo com um pé no passado e outro no futuro e não temos um solo firme para pisar. [...] Nosso período talvez seja o mais difícil da carreira do professor na história”

O professor percebe que a profissão docente passa por um período-chave, provocado pelas inúmeras mudanças do perfil da sociedade e, consequentemente, da escola. “Estar com um pé no passado” é referência à formação do professor – que foi preparado para uma realidade de escola e de estudante que não mais existe. O professor se sente inseguro perante essa constatação: ”não tem um solo firme para pisar”. Nesse sentido, Lawn (2001) aponta que as mudanças significativas ocorridas nas últimas décadas ocasionaram crises de identidade do professor, já que o professor como modelo de caráter de construção social foi extorquida. O professor agora, nesse

novo contexto é um trabalhador da educação com deveres para além da sala aula, cujo resultado é inspecionado e cobrado socialmente.

Dubar “caracteriza o trabalho do professor hoje como uma atividade de resolução de problemas.” (Dubar, 2006, p. 94) Nesse sentido, ao professor são dadas funções diversas como a de psicólogo, delegado, enfermeiro, tio, entre outros, nos quais ele sempre precisa gerenciar conflitos e situações diversas para as quais não foi preparado (Tardif, 2011).

As identidades em conflito estão localizadas no interior de mudanças sociais, políticas e economicas – mudanças para as quais a educação contribui ou é diretamente afetada, explica Woodward (2014). Voltando a fala do PE4: “nós não temos um solo firme para pisar”, mostra exatamente essa reviravolta no papel da escola e do professor, que se encontram em busca de adquirir meios que lhes dêem condições de sentirem-se confortáveis nesse novo papel, nessa nova identidade.

Hall reforça a ideia de que como as identidades são construídas dentro e não fora do discurso, precisamos “compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e de práticas discursivas específicas.” (Hall, 2014; p. 109) Assim, a escola e o professor, passam por essa crise de identidade, porque esta é construída a partir de várias experiências e saberes adquiridos ao longo da trajetória de vida dos professores que hoje enfrentam o processo de reconstrução ou reafirmação de sua identidade no mundo globalizado e pós-moderno.

No documento Sirlande Rodrigues final (páginas 103-106)