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Formação de docentes para a Educação Profissional brasileira: entre a carência das

Conforme vimos discutindo ao longo deste capítulo, a docência no âmbito da EP se desenvolve com peculiaridades que reforçam a compreensão de que o exercício dessa atividade deve ser objeto de formação específica. Nesse sentido, trataremos a partir deste item especificamente de como a formação de professores para a Educação Profissional está regulada pela legislação nacional e das demandas que recaem sobre esta em diferentes perspectivas.

Para a abordagem da temática, optamos por delimitar o objeto de estudo partindo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996). Justificamos essa escolha pelo fato de o foco desta pesquisa inscrever-se no contexto histórico entre as duas primeiras décadas do século XXI, como também por acreditarmos que outros estudos, dentre os quais destacamos os de Machado (2008, 2013), já analisaram os marcos legais anteriores.

Endossamos que a história da formação de professores para a Educação Profissional é marcada pelo caráter emergencial, provisório, descontinuado e desarticulado das ações por ela requerida, chegando ao século XXI sem que se consolide uma política de formação sistemática. A própria Lei n. 9.394/1996 não dispunha originalmente de regulamentação específica para os docentes da EP. Somente no Art. 63 é que ela define que os institutos superiores manterão, de acordo com o Inciso II, “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica” (BRASIL, 1996). Essa possibilidade pode ser considerada para os professores da EP, uma vez que os docentes das áreas profissionalizantes, em sua maioria, não cursaram licenciatura, habilitando-se para a docência por meio de cursos de formação pedagógica, que também pode ser entendido como uma complementação. Contudo, no momento da promulgação da atual LDB, a temática não foi abordada diretamente, sendo a Educação Profissional regulamentada posteriormente pelo Decreto n. 2.208, de 1997.

É justamente nesse Decreto que encontramos uma definição acerca do exercício da docência na modalidade. O Art. 9º esclarece:

As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica (BRASIL, 1997, grifos nossos).

A regulamentação expõe a concepção de Educação Profissional do período, conforme discutimos no capítulo anterior. A opção por instrutores e monitores cuja seleção se dá prioritariamente pela experiência remonta às primeiras ações de Educação Profissional no Brasil, quando os mestres eram escolhidos diretamente das fábricas, há mais de um século. A excessiva valorização da experiência técnica/prática está vinculada ao entendimento de uma EP de viés essencialmente mercadológico.

Nesse mesmo período, o Conselho Nacional de Educação regulamentou os programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional em nível médio por meio da Resolução n. 02/1997. O formato de programa especial apresentado no documento tinha a carga horária mínima de 540 horas. Além disso, a parte teórica podia ser desenvolvida semipresencialmente.

Conforme discutimos anteriormente, em nosso país, predominou nesse período e ainda predomina o pensamento neoliberal, com ampla repercussão no campo educacional. Sobre o assunto, Souza e Rodrigues (2017, p. 631) afirmam:

Sob essa ótica, o papel do professor seria o de instrumentalizar os alunos com técnicas laborais acríticas, contribuindo fortemente para manutenção do status quo vigente. Daí se justifica que, também nesse período, as políticas de formação de professores não tenham sido colocadas como prioridade. As poucas iniciativas nesse campo foram regulamentadas e/ou normatizadas por meio de programas de caráter emergenciais e, por isso, não avançaram.

Evocamos, ainda, que o Plano Nacional de Educação, com vigência entre 2001 e 2010 – Lei n. 10.172/2001 –, no item que trata da Educação Tecnológica e Formação Profissional, apresenta o seguinte objetivo e meta:

Modificar, dentro de um ano, as normas atuais que regulamentam a formação de pessoal docente para essa modalidade de ensino, de forma a aproveitar e valorizar a experiência profissional dos formadores. Estabelecer, com a colaboração entre o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho, as universidades, os CEFETs, as escolas técnicas de nível superior, os serviços nacionais de aprendizagem e a iniciativa privada, programas de formação de formadores para a educação tecnológica e formação profissional (BRASIL, 2001).

Esse Plano, embora indique uma nova regulamentação, replica a valorização da experiência em detrimento de outros aspectos que precisam ser valorizados na formação docente. Também endossa a formação dos formadores por meio de programas e, no item que

trata sobre formação dos professores e valorização do magistério, não há menção específica aos docentes da EP.

Com a mudança na Presidência da República em 2003 e com o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, havia expectativas de se modificarem os rumos das políticas educacionais, mas o Decreto n. 2.208/1997 somente foi revogado no ano de 2004 pelo Decreto de n. 5.154, de 23 de julho do mesmo ano. Nele, destaca-se a possibilidade de realização dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, mas não aborda a formação dos docentes que atuam na modalidade de Educação Profissional. Desse modo, vai se consolidando na Educação Profissional a política da não formação de seus professores, conforme pontua Oliveira (2006, p. 4, grifos da autora):

[...] a formação de professores do ensino técnico vem sendo tratada, no País, como algo especial, emergencial, sem integralidade própria, que carece de marco regulatório, e que, por meio de Programas, desenvolve-se, paradoxalmente, sem a superação das situações vigentes e ditas emergenciais, e sinalizando uma política de falta de formação. Aliás, essa falta de formação justifica-se pelo recorrente não reconhecimento de um saber sistematizado próprio da área.

Em 2009, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi alterada pela Lei n. 12.014, com nova redação ao Art. 61, que trata dos profissionais da educação escolar básica, incluindo-se o Inciso III, o qual define que esses profissionais podem ser “trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim” (BRASIL, 2009). A inserção pode contemplar parcela dos professores que atuam na EP, pois, de acordo com Moura (2014), há registros de docentes que possuem apenas o curso técnico, atuando principalmente na rede privada, inclusive no Sistema S. No entanto, em alteração posterior – Lei n. 12.796/2013 –, é incorporado à LDB o Art. 62-A, que define que a formação dos referidos profissionais – os portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim – “[...] far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas” (BRASIL, 2013). Nesse caso, considerando o público dos docentes da Educação Profissional, a formação em nível médio parece-nos indicar um processo mais em nível de aperfeiçoamento e, embora o artigo proponha cursos de conteúdo técnico-pedagógico, podemos inferir que predominava o conteúdo técnico, pois a abordagem pedagógica é, tradicionalmente, mais desenvolvida em cursos superiores. Na possibilidade de esses processos formativos ocorrerem em nível superior, destaca-se a inclusão de habilitações tecnológicas. Essa formação poderia se dar ou não pela repetição do esquema 3 + 1, em que uma formação voltada a uma área específica (tecnológica) é complementada por

outra cuja evidência seja de conteúdos da pedagogia. No entanto, essas são conjecturas, visto que a legislação não detalhava a proposta. O Parágrafo único desse mesmo artigo garante que o processo se dê no próprio local de serviço ou em instituições de educação básica e superior, incluindo-se, ainda, cursos de Educação Profissional (BRASIL, 1996).

Todavia, outro referencial legal importante no âmbito brasileiro é o atual Plano Nacional de Educação, Lei n. 13.005/2014, cuja vigência é de 2014 a 2024. O referido Plano, conforme mencionado em capítulo anterior, tem sido objeto de muita discussão e polêmicas, registrando- se controvérsias que estão diretamente vinculadas ao objeto deste estudo. A meta 15 afirma:

Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os

professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014).

A meta transcrita estabelece claramente a formação para todos os docentes da educação básica, incluindo-se os que atuam nos cursos técnicos, por meio de cursos de licenciatura. No entanto, ao apresentar as estratégias de alcance para a meta, esse formato passa por adaptações, como assegura a estratégia 15.9:

Implementar cursos e programas especiais para assegurar formação específica na educação superior, nas respectivas áreas de atuação, aos docentes com formação de nível médio na modalidade normal, não licenciados ou licenciados em área diversa da de atuação docente, em efetivo exercício (BRASIL, 2014).

Ao mencionar os professores não licenciados, a estratégia abrange parcela significativa dos docentes de Educação Profissional, constituindo-se como possibilidade formativa os cursos e programas especiais, estratégia já conhecida na modalidade (MACHADO, 2013). No entanto, encontramos no PNE, ainda, uma estratégia de formação específica para o público docente da Educação Profissional. Trata-se da estratégia 15.13, que define o seguinte:

Desenvolver modelos de formação docente para a Educação Profissional que valorizem a experiência prática, por meio da oferta, nas redes federal e estaduais de educação profissional, de cursos voltados à complementação e certificação didático- pedagógica de profissionais experientes (BRASIL, 2014).

Nessa modalidade, a formação deve ser encaminhada por meio de cursos de complementação, conforme já ocorre, e com certificação, tornando a estratégia problemática,

uma vez que pode conduzir a interpretações de que não seria necessária nenhuma atividade formativa, considerando apenas a experiência dos profissionais nela envolvidos. Contudo, em meados de 2015, o Conselho Nacional de Educação aprova uma nova Resolução, a de n. 02/2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada. A Resolução normatiza os cursos de licenciatura, os cursos de segunda licenciatura e os cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, sendo este último objeto de nosso estudo.

O primeiro destaque referente à Resolução diz respeito aos cursos de formação pedagógica para os graduados não licenciados – compostos por parte considerável dos professores da EP –, os quais correspondem a cursos de formação inicial para profissionais do magistério da educação básica. É o que define o Art. 9º desse documento. Porém, é o Art. 14 que detalha o formato desses cursos, disposto da seguinte maneira:

Os cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada, devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, dependendo da equivalência entre o curso de origem e a formação pedagógica pretendida (BRASIL, 2015).

É inevitável ressaltar que mais uma vez a formação docente direcionada ao público atuante na Educação Profissional ganha caráter emergencial e provisório, ao mesmo tempo que não é indicada definição para a problemática. Desse modo, a Resolução não apresenta um formato novo, embora a carga horária seja bem maior do que a estabelecida na de n. 02/1997. Nesse sentido, o 1º Parágrafo do Art. 14 define que a carga horária respeite os seguintes princípios:

I – quando o curso de formação pedagógica pertencer à mesma área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.000 (mil) horas;

II – quando o curso de formação pedagógica pertencer a uma área diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.400 (mil e quatrocentas) horas;

III – a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas; IV – deverá haver 500 (quinhentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso I deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição; V – deverá haver 900 (novecentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso II deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;

VI – deverá haver 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, conforme núcleo

definido no inciso III do artigo 12, consoante o projeto de curso da instituição; (BRASIL, 2015).

A partir da análise desse material, percebemos que, excetuando-se a carga horária destinada ao estágio docente (300 horas), tem-se um aumento considerável para as demais atividades do curso de formação, em comparação com a Resolução anterior. Observamos também que a maior diferença se dá na correlação entre a formação que o professor possui e o curso de formação pedagógica que pretende realizar, com acréscimo de 400 horas, sendo de responsabilidade da instituição ofertante a análise dessa convergência entre a formação inicial e a pedagógica. Nesse caso, somente a título de exemplo, a instituição pode oferecer um curso de formação pedagógica com habilitação na área em que o docente possui a formação inicial (tecnológica) e esse curso pode ter a carga horária mínima de 1.000 horas, pois não é necessário cumprir um núcleo de estudo específico da área tecnológica para o qual a licenciatura o habilita. Entretanto, se a instituição compreender que esse curso precisa ser ministrado em uma determinada habilitação tecnológica em que não haja total correspondência entre a formação do docente/estudante e o curso que está sendo ofertado, logo ele terá que cumprir maior carga horária.

Evidenciamos, ainda, que a Resolução n. 02/2015 determina o prazo de 5 anos para que o Ministério da Educação juntamente com os sistemas de ensino e fóruns estaduais permanentes procedam sua avaliação e proponham também prazo para sua extinção. O fato reforça a provisoriedade e repete a mesma dinâmica proposta em documentos anteriores.

Entretanto, a conjuntura nacional, que já era complicada, tornou-se ainda mais conturbada, conforme mostrado no item 2.3 do capítulo anterior, culminando com a posse do Vice-Presidente da República no ano de 2016 (Michel Temer), eleito na chapa de Dilma Rousseff. Ele modificou as equipes ministeriais e promoveu alterações significativas nas políticas educacionais.

Em relação a este estudo, destacamos as modificações na LDB n. 9.394/1996 por meio da Lei n. 13.415/2017. Nas alterações, promovem-se mudanças significativas quanto à oferta do Ensino Médio no Art. 36, pois se instituíram os itinerários formativos que, em resumo, possibilitam que o estudante tenha uma base comum curricular mínima e depois enverede por um dos seguintes itinerários: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional (BRASIL, 1996, alterado pela Lei 13.415/2017). A alteração não somente minimiza o acesso ao conhecimento socialmente produzido e sistematizado pela humanidade

para os estudantes do Ensino Médio público do nosso país51, como também cria uma série de dificuldades, como, por exemplo, a inviabilidade da oferta de itinerários em locais onde já se registra falta de professores para determinadas áreas do conhecimento. No entanto, nesse momento, não é oportuno desenvolver uma análise detalhada sobre essa modificação, cabendo- nos, porém, em convergência com o objeto deste estudo, ressaltar que, em decorrência do itinerário formativo da Formação Técnica e Profissional, é evidenciado e, mais uma vez, oficializada a ação na docência de profissionais de outras áreas. Dessa vez, é utilizado o recurso do “notório saber”.

Esse atributo foi incluído no Art. 61 da LDB, que trata dos profissionais da educação básica. O Inciso IV detalha-o:

IV – profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36; (BRASIL, 1996. Incluído pela Lei n. 13.415, de 2017).

Trata-se, portanto, da desvalorização dos processos de formação docente, que põe em xeque a defesa de uma formação específica para a docência na Educação Profissional. O Inciso ampara-se na compreensão de que basta saber o conteúdo específico da área técnica/tecnológica para ser professor, entendimento que retrocede ao início do século XX e que é fortemente contestado por pesquisadores da temática (MACHADO, 2013; MOURA, 2014). Além disso, não se trata apenas de diferentes processos formativos acadêmicos, como comumente registramos na Educação Profissional. O “notório saber” pode ser adquirido, conforme impinge a legislação, na experiência profissional, sem necessariamente associar-se a processos formativos acadêmicos que devem articular teoria e prática. Não estamos, com isso, inferiorizando os conhecimentos tácitos adquiridos na prática, mas alertando para os riscos de se constituírem, nas condições concretas da oferta educacional, processos formativos ainda mais precarizados.

Apesar de o “notório saber” ser evidenciado pela Lei n. 13.415/2017, compreendermos que essa medida reedita uma prática que remonta aos primórdios da Educação Profissional e acena que a atuação na modalidade continuará a se realizar sem que se vislumbre uma política formativa voltada a tais profissionais. A medida representa uma possível desconsideração da

51 A exemplo do que ocorreu com a Lei n. 5.692/1971, em que se instituiu a formação profissional compulsória, e

com o dualismo estrutural que permeia a história da educação brasileira, podemos conjecturar que o sistema educacional ofertado aos filhos da elite não limitará tal acesso, ao contrário, será local privilegiado.

docência como campo de conhecimento próprio, ao qual se exige uma formação específica, ignorando os debates realizados sobre o tema nos últimos anos.

Desse modo, entendemos que, no Brasil, não se construíram ações continuadas nem articuladas para a formação dos docentes da Educação Profissional. Ademais, prevalecem a provisoriedade, a emergencialidade e a desarticulação, constituindo-se, dessa forma, uma política de não formação, como pontua Oliveira (2006). Associado a essa situação complexa, ressaltamos que os docentes ainda são responsabilizados pelo atendimento de diferentes demandas. Em virtude da escolha metodológica que fazemos nesta pesquisa, destacamos, ainda que brevemente, duas perspectivas de demandas para os professores: as do capital e as da classe- que-vive-do-trabalho.

Para o capital, no plano do discurso e das práticas, o que se propaga é que esta é a “sociedade do conhecimento”, onde os avanços científicos e tecnológicos ditam o ritmo do progresso. Supostamente, quem estiver mais qualificado e apresentar maior domínio de determinados conhecimentos tem maior possibilidade de conseguir boas condições de vida, o que instiga, portanto, à competição e ao individualismo. Sendo assim, deposita-se na educação, e consequentemente nos professores, a responsabilidade de preparar a sociedade para o atendimento dessas demandas, ao mesmo tempo que se dissemina a ideia de que cada indivíduo é responsável por seu próprio grau de “empregabilidade”. Esse termo é utilizado para denominar as condições gerais e, considerando-se o contexto atual, que torna o indivíduo empregável, significa que, quanto maior o investimento em sua própria educação, maiores são as possibilidades de emprego e/ou dos melhores empregos. Entretanto, como sabemos, o modo de produção caminha aliado ao desemprego estrutural (ANTUNES, 2009), visto que, embora por razões não divulgadas concretamente, também se cobra da educação o desenvolvimento de habilidades e competências ligadas ao empreendedorismo52, ou seja, à capacidade de sobreviver por conta própria, quando no desenvolvimento no capitalismo crescem o desemprego e o subemprego, impedindo condições dignas de vida.

A educação é pensada e retratada em prol da dinâmica produtiva do capital em detrimento do trabalho. Nesse sentido, conforme Oliveira (2006, p. 6), a educação deve “qualificar para o trabalho produtivo; formar para a utilização de novas tecnologias e a convivência com as suas consequências na vida social e pessoal; qualificar para enfrentar o emprego, o desemprego e o autoemprego”. Essa concepção remonta, novamente, à Teoria do

52 É claro que existe possibilidade de empreendedorismos com alto grau de investimento financeiro, mas não

estamos nos referindo a essa aplicação do termo, e, sim, ao empreendedorismo que se estimula para os que estão desempregados, o que significa, muitas vezes, viver na informalidade.