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1.2 Formação e Consolidação do Estado Novo

A partir de 1923 desenha-se uma nova etapa na República, em que as opções já não se fazem apenas dentro do esquemas de quase hegemonia parlamentar entre o PRP face às coligações entre os numerosos partidos para derrubar legitimamente o que eles consideravam a ditadura do Partido Republicano Português, na pessoa do seu chefe político, António Maria da Silva, em contraposição a outro hábil político, Cunha Leal que esperava substituí-lo no poder.

O progressivo esvaziamento ideológico da Ia República, a par do desaparecimento dos

seus líderes carismáticos propiciava o aparecimento de uma nova geração de políticos, com ideias diferentes, geralmente em consonância com a implantação de regimes de tendência autoritária de direita, de inspiração integralista católica como estava aliás a acontecer em grande parte dos países Europeus.82 Também Portugal não haveria de escapar incólume às influências

do militarismo autoritário de direita, a tentativa de golpe de Estado de 1925 constituiu um exemplo característico da tentativa de tomada do poder pelo Exército e as forças ligadas aos grandes grupos económicos que os apoiavam.

Em Maio de 1926, os oficiais de direita, com destaque para os integralistas Martinho Nobre de Melo, Trindade Coelho, Manuel Múrias, Filomeno da Câmara e o coronel João de Almeida conseguem a adesão à última da hora do general Gomes da Costa (filiado havia pouco no Partido Radical), para o levantamento militar que se inicia a partir do Regimento de Cavalaria de Braga. Na capital Gomes da Costa dispõe-se com as suas tropas no acampamento da Amadora, até o governo verificar que ninguém estava disposto a bater pela legalidade Constitucional, levando o Presidente da República a delegar parte dos seus poderes em Gomes da Costa e nos militares que o apoiavam.

Estes estavam longe de constituir um grupo homogéneo propício aos conflitos internos, entre monárquicos, republicano-conservadores, integralistas e fascistas, a luta de bastidores acabou por colocar no poder temporariamente a facção de republicanos moderados, liderada por Mendes Cabeçadas e Cunha Leal (Partido da União Liberal Republicana) onde pontificavam personalidades que mais tarde, haviam de ser na maioria líderes políticos ou figuras importantes

- Como exemplos: a ditadura de Primo de Rivera em Espanha ( 1923-30), ditadura de Pilsudski na Polónia (1926-1939), Dolfuss na Áustria (1931-34), Salazar em Portugal (1934-1968), Franco em Espanha (1939-1975), nacionalista sem ideologia bem definida, como Ataturk Kemal na Turquia (1922-1938), Metaxas na Grécia (1936-1940); ou sob a forma de monarquias, como Alexandre I na Jugoslávia (1929-34), Tojo no Japão (1930- 1945), Getúlio Vargas (1937-1945), no Brasil ou mais repressivos, implantando um regime de inspiração fascista idêntico ao de Mussolini em Itália (1922-1945); monarquias sob regência, caso de Carol IV da Hungria que se exilou (1918) deixando a regência entregue ao almirante Horthy (1921-1944), regimes resultantes da pressão alemã como o de Pétain-Laval na França ocupada (1940-1944); mesmo assim diferentes do nazismo de Adolf Hitler (1933-1945)

no Salazarismo ( Jorge Botelho Moniz, Albino dos Reis, Duarte Pacheco e Bissaia Barreto) ou pelo contrário opositores moderados (Mendes Cabeçadas e Teófilo Duarte) que vão conseguindo manter o poder - mais nominal do que real - nas mãos de Bernardino Machado, que se sente coagido à demissão.

Numa segunda fase, os elementos mais conservadores, muitos deles não escondendo a sua simpatia pela monarquia, tendo como figuras de proa Raul Esteves e Sinel de Cordes e Gomes da Costa, conseguem convencer Bernardino Machado a transmitir todo o poder político do executivo (Chefe de Estado e do Governo) para o General Gomes da Costa, mas este é intimidado por um grupo de oficiais de extrema-direita e monárquicos (Schiappa de Azevedo, Raul Esteves, Sinel de Cordes, Mousinho de Albuquerque e Luís Domingues) a entregar-lhes o poder sendo em breve deportado para os Açores.

O novo presidente general Óscar Fragoso Carmona, claramente direitista, tendo Sinel de Cordes como Ministro das Finanças, onde a sua actuação se caracterizou pelo agravamento da situação financeira do país, devido aos vultuosos empréstimos concedidos pelo Estado a grandes empresas, na maioria delas ligadas a investimentos coloniais que depressa faliram, enquanto que a crise económica mundial também se repercutia na balança de transacções diminuindo drasticamente as exportações. A panaceia, para a generalidade do governo formado por militares, seria a concessão de um vultuoso empréstimo externo pela S.D.N. que permitisse realizar obras de fomento e ao mesmo tempo reduzir a dívida interna e amortizar a dívida externa. Esta solução foi recusada pelo próprio governo, na pessoa do Presidente do Ministério devido aos condicionalismos de controle externo das finanças do Estado português, consideradas uma afronta humilhante impostas por aquele organismo internacional

Terá sido nessa altura, finais de 1929 que o governo presidido por Gomes da Costa, pressionado pelas classes possidentes, resolve chamar para a pasta das Finanças Oliveira Salazar, professor do Curso de Direito na Universidade de Coimbra, onde regia Economia Política e Finanças, de bem conhecidas tendências monárquico-católicas, adepto do catolicismo social de Leão XIII e dos sociólogos franceses, como Charles Maurras cujos valores doutrinários fundamentais haveriam de nortear toda a sua vida política. Nisso não se enganavam as classes dominantes, pois Salazar o homem providencial capaz de unir em proveito próprio todos os sectores da direita: desde os integralistas, aos monárquicos, aos republicanos conservadores, aos fascistas ou aos elementos do CADC. Estava completa a terceira fase do movimento revolucionário do 28 de Maio.

.A política financeira claramente anglófila do novo Ministro das Finanças, é facilmente perceptível quando face à desvalorização da libra (1930) resolve fazer com que o escudo acompanhe a mesma política monetária. Ao mesmo tempo protege os numerosos interesses ingleses em diversos sectores de actividade da metrópole e nas colónias. A nível interno, reprime a agitação política dos grupos civis e particularmente a actividade dos militares que conspiravam contra o novo sistema político que se estruturava lentamente

Este processo foi relativamente lento e demorado, a institucionalização do que se poderia quase chamar-se um novo regime, demorará o seu tempo, será necessário estruturar a orgânica do novo Governo através da criação de órgãos executivos próprios (Presidência do Conselho) ou a institucionalização legal do poder plebiscitar a nova Constituição da República) do poder legislativo (Assembleia Nacional), ou mais tarde do poder deliberativo e consultivo (Câmara Corporativa). Em finais da década de 20 a prioridade máxima é para Oliveira Salazar

restaurar o equilíbrio financeiro através da contenção das despesas internas, invertendo a situação da balança de transacções correntes, passando de uma situação de déficit crónico das contas públicas para um superavit da balança comercial.

.A nível internacional, melhoram as relações Luso-Espanholas, Ivens Ferraz tem um encontro com o ditador espanhol Primo de Rivera na fronteira do Minho, ainda nesse ano de

1929, é o Presidente da República, Óscar Carmona que faz uma visita oficial a Espanha a convite do Rei Afonso XIII, entrando-se num período de «amizade peninsular» devido à semelhança ideológica entre os dois regimes, embora sejam substancialmente diferentes em relação ao conteúdo e forma como o põem em prática. Facto incontestável é que nestes começos da década de trinta a política da ditadura começava a trilhar um caminho novo, fundamentado numa ideologia cujas directrizes se baseavam num nacionalismo algo provinciano sem a expressão, a emotividade e a adesão de massas do fascismo italiano.

No que concerne à Geografia Política nacional, será de destacar uma profunda remodelação dos órgãos governativos, primeiramente com a promulgação de um novo estatuto do relacionamento entre a Metrópole e as Colónias (Acto Colonial); oportunamente apresentado enquanto decorria o Terceiro Congresso Colonial na Sociedade de Geografia de Lisboa. Em termos gerais "(...) baseia-se na solidariedade entre as suas partes componentes e entre estas e a metrópole; na economia de todas deve prevalecer uma «comunidade e solidariedade natural»; a situação financeira de cada território tem de ser sã; e a soberania portuguesa é intangível. Paralelamente, é abolido o regime dos altos-comissários, que são substituídos por governadores e, sem prejuízo da descentralização garantida, pertence à Metrópole a decisão dos assuntos que importem ao conjunto".83

Sobre a situação geoeconómica mundial, o Ministro das Finanças apresenta o seu relatório para o ano de 1930-31 e refere que a crise económica mundial começa a fazer sentir os seus efeitos em Portugal, julgamos nós menos do que na generalidade dos outros países da Europa, pelo facto de Portugal ser um país de economia fundamentalmente rural e periférica à margem das grandes transacções internacionais. Mesmo assim existem dificuldades no escoamento externo de produtos, abrem-se falências de empresas. No novo contexto socio- económico, reforçam-se os laços entre as Colónias e a Metrópole, com a concessão (comedida...) de empréstimos estatais para algumas obras de fomento nas diversas colónias. Na verdade é a tradução em termos geoeconómicos do Acto Colonial, que consiste na "nacionalização das colónias e estreita solidariedade delas com a Metrópole",84 mas a que está

subjacente um novo conceito de solidariedade Geopolítica do espaço português.

Assim, é de salientar a modificação das estruturas relativas à política colonial, passando a ser vedado a qualquer organismo das colónias contrair empréstimos financeiros. A revitalização dos territórios coloniais far-se-á mediante uma mais estreita articulação entre estas e o continente. Em termos geoeconómicos, as colónias podem estabelecer contactos comerciais com outros territórios vizinhos, desde que baseados em relações de justa reciprocidade e se esses países independentes ou, no caso das colónias, as suas metrópoles europeias ou de outra proveniência tivessem relações diplomáticas com Portugal Metropolitano.

Em questões da Geografia Política, terá interesse referir que a nova Constituição (plebiscitada em 1933) considerar o facto de a Nação portuguesa, ser constituída por partes

Ibidem, p. 68 'ibidem, p. 75

inalienáveis do território nacional, a metrópole com as ilhas adjacentes e as colónias espalhadas pelo mundo: Portugal é um Estado unitário e indivisível se bem que as suas partes constituintes estejam geograficamente separadas entre si.

No aspecto Geopolítico do relacionamento internacional, continua a sobrepor-se aos demais países o relacionamento diplomático com a Grã-Bretanha e todas as implicações resultantes da Aliança Luso-Britânica, não esquecendo outros Estados como o Vaticano, cujo relacionamento melhorou substancialmente desde a instauração do novo regime português. Muito lentamente iniciam-se as negociações para o estabelecimento de uma Concordata entre os dois países. Tal como na república demo-liberal continuam a manter-se excelentes relações diplomáticas com a França, mais que não seja porque a inteligentzia continuava a considerar desde o século XIX este país como o modelo a seguir em termos culturais, particularmente nos aspectos artístico-literários.

Destacam-se agora pela novidade o nítido ascendente diplomático dos regimes totalitários como a Itália, mais em termos políticos devido às afinidades ideológicas com o regime de Mussolini, do que propriamente pela importância económica das transacções comerciais. A Alemanha, durante a curta vigência da República de Weimar e mesmo após a instauração do regime nacional-socialista nunca teve uma influência político-diplomática proporcional à importância das transacções comerciais entre os dois países, fosse devido à pressão diplomática inglesa ou ao facto do Salazarismo desconfiar de toda a retórica agressiva do nazismo, a verdade é que apesar deste país constituir durante os finais da década de trinta o nosso segundo parceiro em termos comerciais, a verdade é que a sua influência política em Portugal nunca se pode comparar com aquela que era exercida pela embaixada inglesa e pelos particulares deste país, detentores de empresas importantes, senão mesmo estratégicas para a economia portuguesa.

O relacionamento diplomático com Espanha era extremamente complexo, os períodos de «amizade peninsular» durante a vigência do regime monárquico de Afonso XIII e da ditadura de Primo de Rivera, foram-se progressivamente degradando após a instauração da IIa República cujas tendências ideológicas e políticas a partir de meados da década de trinta se voltaram decididamente para a instauração de um regime republicano socializante. De qualquer modo, o país vizinho nunca teve uma influência diplomática e muito menos económica, que estivesse em consonância com os imperativos Geopolíticos condicionantes de uma extensa fronteira terrestre comum.

Como definir o regime? Manuel Lucena o define-o como "um fascismo sem movimento fascista" 5, visão diferente tem Lawrence Graham," quando en passant, displicentemente, se recusa a falar do fascismo a propósito do salazarismo, que define como "burocracia imperial" -

a burocracy of empire - uma burocracia centralizada de ascendência francesa e jacobina do

Minho a Timor". Numa perspectiva político- ideológica de cariz conservador, o regime é definido por Franco Nogueira como um presidencialismo autoritário, mas Fernando Rosas caracteriza-o como um fascismo de raiz católica ou um clerical-fascismo, enquanto Marcelo Caetano o define como um sistema liberal-autoritário. Para Braga da Cruz foi um Estado com

Ibidem, p. 10 ^Ibidem, p. 33

partido único, enquanto Quirino de Jesus o caracteriza como um "hibridismo constitucional fundamentado num liberalismo depurado".

Talvez a resposta quanto a nós, esteja mesmo em aceitar a indefinição ou seja, podemos contrapor se o Estado Novo tem fundamentos totalitários ou autoritários, definindo o primeiro como um sistema que exerce um controle absoluto e total sobre os modos de vida, consciências, religião, economia, actividades sociais. Em termos da Geografia Política, o Estado totalitário caracteriza-se por destruir toda a individualização regional ou local dos órgãos de soberania referentes à estrutura do aparelho de Estado. Em questões de Geopolítica, o seu objectivo implica o não reconhecimento de identidades nacionais, de limites fronteiriços e de diferenciações político-ideológicas, tendendo-se para a uniformização total de culturas, hábitos e práticas sociais. Torna-se um regime "autofágico" porque em casos extremos destrói-se a si próprio por falta de estruturas burocráticas, para não falar em revoltas ou conflitos internos que não permitem a existência do Estado. Muito menos se pode falar em Nação porque toda a amálgama de povos integrados num sistema totalitário se reconhecem como tendo qualquer identidade politico-cultural ou social em comum, o que na realidade não existe.

Concordamos pois com Manuel Lucena quando afirma que o totalitarismo destrói as estruturas governativas "daqui decorre a insustentabilidade da expressão «Estado totalitário»".87 isto porque não admite quaisquer organismos intermédios (sindicatos, organismos corporativos, assembleias ou parlamentos) entre o Poder e a população, esta torna-se vítima de um sistema opressivo onde apenas o colectivo tem importância, mas sem as solidariedades sociais que existem normalmente quando são permitidas agremiações, por isso a sociedade desarticula-se, tornando-se frágil acabando por ser integrada no sistema político.

Possivelmente este será apenas um estudo teórico porque nunca existiu um sistema totalitário puro, muito embora o nazismo de Hitler, talvez os sistemas feudais mais obscurantistas da Europa medieval, o mini-Estados dos Shoguns tenham em alguns aspectos adoptado certas práticas totalitárias no sentido do poder único supremo e indiscutível, mas apenas nesse aspecto. Parece no entanto que o sistema encerra em si duas contradições insanáveis, que a posteriori podem tornar impraticável a sua aplicação: se predominar infinitamente o totalitarismo, a sociedade ou os organismos estatais por muito decadentes que estejam, reagem de forma violenta ao sistema e gera-se o caos, se pelo contrário predominar durante longo tempo um sistema totalitário ou até mesmo autoritário, a estabilização e a «normalidade» originam uma burocracia tão pesada que acaba com quaisquer veleidades de revolução, destruindo o sistema totalitário.

O sistema autoritário assume características diferenciadas, embora repressivo e muitas vezes sob o mandato de um chefe único, mais das vezes com organismos político-sociais (assembleias ou parlamentos, sindicatos, organismos corporativos, clubes e instituições juvenis, organizações para-militares) que apesar de monolíticos sempre são uma cadeia intermédia entre o poder do ditador e a população, o que conduz a que esse autoritarismo seja limitado por um lado pela própria ineficiência da cadeia hierárquica ou pela existência de outros organismos, que embora tenham prerrogativas muito limitadas sempre servem para controlar o poder. Para além disso, a existência de associações ou colectividades, geralmente de carácter político-partidário, são encorajadas pelo próprio poder, o que conduz a um sistema de cumplicidades e solidariedade social entre os seus membros.

Permite urna certa «paz social», contando menos com a repressão do que a apatia ou adesão da população às ideologias dominantes, pois se o sistema totalitário é repressivo dentro de certos limites, essa repressão é um risco calculado por ser previsível (partidos políticos proibidos ou actividades clandestinas desde que saiam fora dos cânones oficiais), mas é limitada, ou melhor latente e velada para quem não se opõe à sua instituição. Parece evidente que podemos incluir o regime português e outros fascismos / autoritarismos de direita nesta última classificação.

Ambos os sistemas não são rígidos, podem evoluir no sentido de um regime liberal e passar a um autoritarismo de direita (como aconteceu na Europa das décadas de vinte e trinta) ou mais raramente de esquerda (Rússia parlamentar em 1917 para um sistema Marxista- Lenninista na década de vinte). Menos frequentemente é a passagem do autoritarismo versus totalitarismo ou estatismo.

Numa forma esquemática segundo uma adaptação própria dos conceitos explicitados

por Manuel Lucena88 e baseados em postulados Max Weberianos, teríamos a seguinte

interpretação esquematizada:

Evolução dos regimes: do liberalismo ao totalitarismo

liberalismo

estatismo ou autoritarismo (corporativismo de Estado ou

neclibcra! ) totalitarismo

Evolução do regime totalitário

Evolução na continuidade do regime totalitário (estabilização) Evolução na continuidade do regime totalitário (estabilização) Ruptura epistemológica da ideologia do totalitarismo. Evolução na continuidade do regime totalitário (estabilização) Activismo «Salto em frente» Ruptura epistemológica da ideologia do totalitarismo. Evolução na continuidade do regime totalitário (estabilização) Ruptura epistemológica da ideologia do totalitarismo. Evolução na continuidade do regime totalitário (estabilização) Estatismo Autoritarismo

Fonte: Segundo um testo sobre as concepções político-sociológicas de Max Weber em M. Lucena, 1994, pág 19

Nos finais da década de trinta, inícios da década de quarenta, o regime político português apresenta algumas semelhanças mas também diferenças substanciais em relação aos seus congéneres (?) da Alemanha nazi e da Itália fascista, senão na aplicação prática de certas

formas totalitárias, pelo menos no conteúdo e na forma de exteriorização de certa simbologia representativa do poder do Estado. Em relação ao primeiro aspecto apenas podemos apontar uma identidade no «culto» do Chefe e a existência de um partido político único, da repressão e cerceamento da liberdade de expressão sob diversas formas, mas mesmo assim muito mais moderado do que o nazismo e diferindo substancialmente dele. Enquanto em relação ao fascismo italiano, já se aponta uma maior consonância como sejam o aparato exterior de alguns eventos históricos, uma paixão nacionalista hostil aos internacionalismos e aos sistemas demo- liberais, o anticapitalismo e antimonopolismo professado (em teoria...) por ambos os regimes, a instituição de um sistema corporativista entendido como resultante da colaboração das diversas classes sociais, mas imposto e tutelado pelo Estado, subordinação do Chefe de Estado (o Rei ou o Presidente) ao poder do Chefe do Governo, implementação de uma Constituição totalitária, subordinação do indivíduo à colectividade (Nação ou Estado).89

Se as semelhanças são indiscutíveis, por tão numerosas e acentuadas as diferenças entre os dois regimes: o regime português, preferia a repressão preventiva do que a punição por meios directos, muito mais utilizada por Mussolini. Enquanto este tinha um partido político (pelo menos no início...) forte e coeso, o regime português vivia do apoio do exército ao executivo. O partido único, a União Nacional nunca foi um «partido de massas», apesar de terem ambos os regimes o apoio incondicional da igreja católica com quem assinaram Concordatas, o fascismo Mussoliniano ostentava a supremacia do poder político face à Igreja, o que em Portugal nunca aconteceu. Ambos os poderes sempre estiveram separados. Quando havia sobreposição de interesses o mais comum era um consenso - apesar de Salazar dar em teoria primazia aos interesses do Estado, raramente isso se verificou - quando não mesmo um primado dos interesses eclesiásticos sobre os do Estado. Enquanto que Salazar subordinou os