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Capítulo II Enquadramento teórico

2.2 A formação em contexto organizacional

2.2.3 Formação em contexto militar

Inicialmente o saber militar era assente em práticas exclusivamente específicas e especializadas, valorizando a experiência e o treino em detrimento da aprendizagem e do ensino. A partir do século XVIII começou a atribuir-se igual importância ao saber e à cultura, tal como era e é valorizada a disciplina. Com a necessidade de tornar o Exército cada vez mais especializado, o saber específico e o conhecimento acerca dos assuntos de cariz formativo militar adquirem cada vez mais peso, valorizando a capacidade de decisão do militar (Ribeiro, 2000).

É reconhecido pela sociedade o impacto que a formação militar tem no desenvolvimento pessoal, social, cultural e profissional de todos aqueles que decidiram, em determinado período da sua vida, cumprir o serviço militar. Dentro da instituição militar, aqueles que são recrutados deparam-se de imediato com uma cultura que envolve o culto de rituais, simbologias e tradições que orientam os militares na sua forma de perceber, pensar, sentir e agir, onde se absorvem formas de organização e de trabalho e se desenvolve a noção do sentido do dever, da disciplina, da camaradagem, do espírito de sacrifício e de todo um conjunto de competências decorrentes do treino e da natureza militar, quer em tempo de guerra, quer em tempo de paz (Madeira, 2006). O desenvolvimento desta consciência individual e coletiva sobre a importância do desenvolvimento destas capacidades e competências reflete-se na importância que o cumprimento da missão tem para a organização, independentemente das condições ou circunstâncias.

A formação nas Forças Armadas apresenta-se como “um conjunto de atividades que visam a aquisição de conhecimentos, perícias, atitudes e formas de comportamento exigidos para o exercício de um cargo ou profissão”, representando obrigatoriamente “um pilar fundamental para o desenvolvimento das competências militares” (Borges, 2012, p.67). A formação militar pretende preparar o individuo para conseguir subsistir em

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cenários de adversidade, trabalhando as competências necessárias, de forma controlada, para que o mesmo consiga aguentar durante mais tempo a adversidade e a falta de condições favoráveis (Rodrigues, 2003).

De acordo com o N.º1 do artigo 75.º do Estatuto dos Militares Das Forças Armadas (EMFAR), “O ensino e a formação nas Forças Armadas visam a preparação dos militares para o desempenho de cargos e exercício de funções de cada categoria e quadro especial, concretizando-se em percursos formativos estruturados e na aquisição e desenvolvimento de competências.” O mesmo documento refere ainda que faz parte das competências das Forças Armadas proporcionar, de forma oportuna e contínua, uma formação adequada às necessidades e ao desenvolvimento dos seus militares, tanto a nível pessoal como profissional. Ainda no N.º3 do mesmo artigo, é espelhada uma responsabilização repartida no que à formação diz respeito, declarando que esta “é responsabilidade conjunta da instituição militar, que a proporciona, e do militar, a quem se exige empenho e vontade de aperfeiçoamento” (N.º do artigo 75.º do EMFAR).

Neste contexto de formação em contexto de trabalho, recorrendo novamente ao EMFAR, temos ainda o N.º3 do artigo 78.º que nos diz que “a preparação dos militares consiste num conjunto de atividades dos militares, integrados ou não em forças, focado no cumprimento da missão, que se destina a manter, complementar e aperfeiçoar as suas competências militares e a garantir a eficiência e eficácia de atuação em condições tão próximas quanto possível do contexto real”.

Nesta estrutura de formação militar é considerada a formação de base (inicial, em contexto militar) e a formação decorrente da progressão contínua de carreira, através do qual é possível obter as “qualificações para o desempenho de cargos e exercício de funções militares necessárias ao cumprimento da missão e, quando aplicável, na obtenção de certificações” (N.º2 do artigo 77.º do EMFAR). O ensino e a formação nas Forças Armadas pode ocorrer em instituições militares ou organismos civis, e possui as seguintes tipologias, de acordo com o expresso no N.º1 do artigo 78.º do EMFAR:

▪ “Ciclos de estudos e cursos de formação inicial: Habilitam ao ingresso nas diferentes categorias e classe, arma, serviço ou especialidade”;

▪ “Outros ciclos de estudos de nível superior: Conferentes ou não de grau académico, que habilitam os militares com conhecimentos complementares”; ▪ “Cursos de promoção: Destinados a habilitar o militar com os conhecimentos

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nível e responsabilidade mais elevados, sendo condição especial de acesso ao posto imediato e de avaliação obrigatória”;

▪ “Cursos de especialização: Que visam conferir, desenvolver ou aprofundar conhecimentos e aptidões profissionais numa técnica ou área do saber, necessários ao exercício de determinadas funções específicas para as quais são requeridos conhecimentos suplementares ou aptidões próprias”;

▪ “Cursos de atualização: Que visam a adaptação do militar à evolução técnica, permitindo o acompanhamento do progresso do conhecimento”;

▪ “Cursos de aperfeiçoamento: Que se destinam a melhorar competências e conhecimentos técnico-militares específicos, em complemento de formação anteriormente adquirida”;

▪ “Cursos de valorização: Que não se enquadram em nenhuma das definições anteriores, mas que se destinam, também, ao desenvolvimento das competências transversais dos militares com benefícios para o desempenho das suas funções, conferindo habilitação académica, técnica ou profissional.” (N.º1 do artigo 78.º do EMFAR)

Perante a realidade com que nos deparamos, importa refletir se estamos efetivamente a considerar o sujeito enquanto ser social, em constante processo de evolução e aprendizagem ao longo da sua vida, ou se as práticas organizacionais, que se deveriam nortear pelos princípios das políticas sociais, humanistas e da transformação social da educação e formação (Canário, 2000; Lima, 2007), não se regem por “diretrizes” meramente gestionárias, que encaram a educação e formação de adultos como um mecanismo de aperfeiçoamento profissional para a persecução das metas organizacionais (Cardim, 1998; Gomes et al, 2008). Com todos os estímulos e mecanismos que a instituição tem ao seu dispor para valorizar os seus recursos humanos, será que a formação e o desenvolvimento de competências em contexto de trabalho adquirem especial relevo? Estarão estas medidas organizacionais envoltas numa perspetiva de valorização pessoal e humana do indivíduo?

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Capítulo III - Apresentação e fundamentação metodológica