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Práticas de reconhecimento e validação das aprendizagens e competências

Capítulo II Enquadramento teórico

2.1 Os sentidos da educação e da formação nas sociedades

2.1.3 Práticas de reconhecimento e validação das aprendizagens e competências

Em termos históricos, no período após a 2ª Guerra Mundial, têm origem nos Estados Unidos da América as primeiras referências às práticas de reconhecimento, validação e certificação das aprendizagens resultantes da experiência. Este movimento teve início com o regresso dos militares americanos à vida civil, que pretendiam ver reconhecidas as aprendizagens decorrentes da sua formação e experiência enquanto militares, e tinha como principal finalidade “encurtar os percursos de formação subsequentes e ajustar o tempo de aprendizagem às necessidades dos indivíduos” (Imaginário, 2001, p.17). Foram elaborados estudos e “experiências”, com o objetivo de implementar as ações necessárias com vista ao reconhecimento formal das aprendizagens adquiridas fora dos sistemas de educação tradicional, no sentido de proporcionar um melhor posicionamento no mercado de trabalho e o respetivo reconhecimento social. Posteriormente, na década de sessenta, este movimento foi alargado à restante população que pretendia ver as suas aprendizagens experienciais reconhecidas, essencialmente pela possibilidade de retorno aos estudos, assim como pela inserção no mercado de trabalho.

O primeiro movimento a surgir foi o APL (Accreditation of Prior Learning), nos finais dos anos 1960 e início dos anos de 1970, que, por sua vez, deu origem ao CAEL (Council for Adult and Experiential learning), acabando o modelo desenvolvido por ser disseminado nos países anglo-saxónicos nas duas décadas seguintes. Com o início da década de 1990, a Europa abraçou o movimento e deu início à implementação deste sistema de reconhecimento e validação de competências em diversos países, sendo o mesmo condicionado pelas especificidades educativas, sociais, económicas e culturais do contexto onde se encontra inserido (Pires, 2002).

À semelhança dos outros países da União Europeia, Portugal não foi exceção à regra e começou a ter como preocupação o movimento de validação e reconhecimento das aprendizagens não formais e informais na sua agenda, apesar da concretização efetiva dessa preocupação só ter acontecido nos anos noventa e com um desfasamento mais tardio em relação a alguns parceiros da UE. Para Pires (2002), os resultados do projeto de investigação do CAEL foram bastante sorridentes, uma vez que, demonstraram:

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“(…) que era possível igualar as aprendizagens não-formais com as dos programas tradicionais, que era possível utilizar uma variedade de provas para efetuar avaliações fiáveis e ainda que este processo poderia ser integrado em programas de educação, particularmente para os adultos que entravam pela primeira vez ou que retornavam após alguns anos de abandono ao sistema de educação, valorizando as suas aprendizagens experienciais” (Pires, 2002, p.373).

Em maio de 1998 foi criada por decisão governamental a Agência Nacional de Educação de Adultos (ANEA), que, mais tarde, e após proposta para a apresentação de um estudo institucional a um Grupo de Trabalho, constituído por docentes da Universidade do Minho (Licínio C. Lima, Almerindo J. Afonso e Carlos V. Estêvão), deu origem à Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), em setembro de 1999. Surge assim a ANEFA, uma instituição promotora de um percurso educativo com currículos, desvinculada e descentralizada do sistema tradicional de ensino, com uma aposta na valorização das aprendizagens realizadas ao longo da vida, que se propunha a articular de forma coerente as práticas e as políticas de educação e formação de adultos, dentro dos princípios da Educação Permanente.

Com uma aposta de intervenção em novos domínios, diferentes daqueles que existiam até à data nas organizações ligadas à educação e formação, Lima (2007) diz-nos que essa intervenção materializou-se essencialmente em: intervir ao nível do reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) adquiridas ao longo da vida, de forma informal e não formal (baseando-se no seu Referencial de Competências-Chave); diversificação de oferta formativa para adultos com qualificação profissional baixa e adultos com escolaridade reduzida (cursos EFA – Educação e Formação de Adultos – destinado a indivíduos com mais de 18 anos empregados ou desempregados), assim como diversidade de oferta formativa alternativa ao sistema de ensino regular (ações de formação de curta duração independentes da habilitação escolar e qualificação profissional e espaços de orientação/informação orientados para a aquisição e desenvolvimento de aprendizagens e competências).

Com uma longevidade de dois anos, acabou por ser integrada na Direcção-Geral de Formação Vocacional (DGFV), que por sua vez de origem à Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), onde os centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) deram lugar aos Centros Novas Oportunidades (CNO).

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No contexto da Iniciativa Novas Oportunidades (INO), este projeto foi descrito como “um dos mais importantes programas das últimas décadas nos domínios da qualificação e da promoção humana da população portuguesa” (Mendonça & Carneiro, 2009, p.5), onde os CNO (antigos centros de RVCC) desempenharam novas tarefas através da criação de percursos alternativos de formação e qualificação, de acordo com as experiências de vida e perfil de competências demonstrado. Este sistema de reconhecimento e validação de competências começou por ser financiado pelo Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP), em 2008 os CNO deixam de receber financiamento por parte do PRODEP e passam a ser financiados pelo Programa Operacional do Potencial Humano (POPH). Nos finais de 2012 todos os CNO são encerrados à exceção daqueles que se autofinanciam. Ainda em 2012 a ANQ dá lugar à Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP), criada através do Decreto-Lei n.º 36/2012, que perdura até aos dias de hoje. É da competência da ANQEP o encargo de coordenar e executar as políticas de educação e formação profissional, assim como assegurar o desenvolvimento e a gestão dos sistemas RVCC, através dos Centros para a Qualificação e Ensino Profissional (CQEP). Enquanto estratégia integrada de formação e qualificação de adultos vigora o programa qualifica, operacionalizado pelos centros qualifica espalhados por todo o país.

Do ponto de vista da agenda educativa europeia, a preocupação com os sistemas de reconhecimento e validação das competências e aprendizagens, de natureza não- formais e informais, têm vindo a ser elencadas de forma visível nos documentos e a ser alvo de inclusão nos debates educativos na Europa. Feutrie (2005) afirma que estas preocupações articulam-se com um conjunto de medidas, que tem por objetivo oferecer uma nova oportunidade àqueles que não tenham sido bem-sucedidos no sistema tradicional de ensino, consolidar a crescente necessidade de obter elevados níveis de competências, promover percursos de crescimento pessoal e profissional com base nas experiências de vida e fomentar a ligação entre as instituições educativas e o mercado laboral.

Com os seus pergaminhos de medida prioritária ao nível interno e com o investimento financeiro, com uma agência dedicada unicamente para a sua gestão e operacionalização, enquadrada com legislação legal e orientada de acordo com as normas e princípios europeus, com métodos de trabalho inovadores e com uma população intrinsecamente motivada para aceitar uma nova oportunidade para evoluir, o sistema português em 2010 foi considerado pelo Centro Europeu para o Desenvolvimento da

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Formação Profissional (CEDEFOP, 2010) como um dos três melhores da Europa, no âmbito das políticas de ensino e formação profissional. Apesar de não possuirmos dados mais recentes quanto à posição do país face aos restantes Estados-Membros, no que concerne às políticas de ensino e formação profissional, de acordo com o CEDEFOP (2017) as políticas europeias têm vindo a permitir o aumento do nível de escolaridade e a diminuição do abandono precoce do ensino. A união Europeia está em vias de atingir o objetivo de 40% da sua população, entre os 30 e os 40 anos, concluírem o ensino superior e de diminuir para uma percentagem inferior a 10% a taxa de abandono escolar até 2020. No âmbito das práticas de reconhecimento e validação importa referir que experiência e aprendizagem não são sinónimos, nem o que é reconhecido e validado são as experiências, mas sim as aprendizagens e competências que advêm dessas experiências. De acordo com Pires (2002, p.520) a “experiência é a base e a condição para a aprendizagem, e, para que seja formadora, ela tem que ser refletida, reconstruída, conscientizada. O resultado deste processo é a elaboração de novos saberes, de novas representações, contribuindo para a transformação identitária da pessoa e da sua relação com o mundo”, em que o saber é o resultado da experiência. Deste modo, através das competências e conhecimentos até então não reconhecidos e validados, passa a ser valorizado o potencial do sujeito, reforçando o seu perfil pessoal e profissional. Importa referir que este processo, de valorização das competências tácitas e implícitas, não tem em algum momento associado a si uma intencionalidade de sobrevalorização das carências do indivíduo (Pires, 2002).

Os novos saberes produzidos nas organizações, em virtude das novas formas de organizar o trabalho e da globalização, da sua natureza experiencial e do seu carácter prático e contextualizado acabam muitas das vezes por não ser alvo de aperfeiçoamento, nem desenvolvimento, por parte do sistema tradicional de educação. Assim, concordamos com Pires (2002, p.83) quando nos diz que “a produção e a difusão do conhecimento e concomitantemente a aprendizagem, deixam de ser um monopólio dos sistemas de educação/formação, na medida em que ultrapassam os espaços-tempos formais, tradicionalmente delimitados e balizados pelas instâncias educativas”.

Os métodos tradicionais de validação de competências na sociedade (espelhada por diplomas e certificados, tanto escolares como profissionais) foram desde sempre entendidos como o “caminho a seguir” para um estatuto de referência no campo educativo, em detrimento das aprendizagens experienciais, apesar de se sustentarem em princípios racionais, disciplinares e transmissivos. Neste paradigma, uma “revalorização

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dos saberes experienciais traduz uma rutura epistemológica com uma conceção positivista de conhecimento, dicotómica; os saberes práticos não são uma mera aplicação dos saberes teóricos” (Pires, 2002, p.520).

Esta perspetiva da educação, no domínio do reconhecimento e validação de aprendizagens e competências, ao promoverem a expressividade das aprendizagens não formais e informais, transforma-se num veículo para a promoção da ALV do indivíduo, enquanto ser social enquadrado em determinado contexto. Através da implicação dos indivíduos no processo de ensino-aprendizagem, da sua autoestima e motivação e “para além de se preocupar com o reconhecimento destes saberes, o trabalho de formação procura induzir situações em que os indivíduos se reconheçam nos seus saberes e sejam capazes de incorporar no seu património experiencial os próprios saberes produzidos pelas experiências de formação”, tal como nos diz Correia (1997, p.37), potenciando capacidades cognitivas e relacionais, através da recontextualização e da polivalência dos conhecimentos experienciais dos formandos, que não se encontram “socialmente reconhecidos nem são objeto de uma formação explícita” (Correia, 2008, pp.66/67).