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FORMAÇÃO DO HABITUS E AÇÕES COMUNITÁRIAS

CAPÍTULO 4 OBRAS SOCIAIS MARISTAS DO RS: POSSIBILIDADES DE

4.4 FORMAÇÃO DO HABITUS E AÇÕES COMUNITÁRIAS

Uma das principais características detectadas nas obras sociais maristas do RS, especialmente no CESMAR, são as ações comunitárias realizadas, sejam elas

180 Entrevistado A.

181 As atas da Comissão de Assistência Social e do Conselho Provincial da PMRS foram pesquisadas

no arquivo, situado na Sede dos Maristas em Porto Alegre. Foram pesquisadas Atas entre os anos de 1994 e 2006.

religiosas, eventos comemorativos, formativos, sociais ou políticos. Eventos que formam o habitus dos cidadãos da comunidade, como nos lembra uma liderança comunitária falando do CESMAR:

[...] muitas pessoas não estão preparadas na hora da participação, então não dão a resposta que eles (maristas) estão esperando. Eu venho nas caminhadas, nas procissões, nas apresentações, nos shows, ouço as músicas, pois observo muito isto, o que estão cantando, o que as crianças estão falando [...]. É um desafio que estão lançando na comunidade, pena que as pessoas nem sempre compreendem a proposta.182

Essa resposta demonstra a preocupação dos maristas em atingir o maior número possível de cidadãos, na perspectiva de formá-los no “jeito marista”, o que, segundo Bourdieu, é a formação do habitus religioso configurada nos eventos realizados, o que também capitaliza o subcampo religioso. As obras e a “religião” são compreendidas como possibilidade de mudança por este entrevistado, que ao mesmo tempo demonstra preocupação com a mudança na vivência de valores religiosos pelos cidadãos, opondo-se à proposta de Champagnat:

[...] porque Champagnat, eu acredito muito nele, lembrou de todos, não excluiu. [...] então para mim Champagnat é essencial dentro da realidade da comunidade. Só que, às vezes, as coisas não acontecem, porque o pessoal não acredita mais como acreditava antigamente. Antigamente participavam de uma missa, de uma novena, participavam de uma festa junina, hoje em dia, o ser humano, não está mais unido.183

Como vemos, a formação do habitus religioso se realiza de forma intensa nos momentos de ação comunitária, ou seja, através de passeatas, shows, eventos artísticos, missas, torneios esportivos, festas, romarias, caminhadas reivindicativas, visitas às famílias, abertura da obra (CESMAR) nos finais de semana para recreação, cinemas, participação em movimentos políticos... O relatório de 2006 do CESMAR apresenta tais ações em quantidade tão grande que são necessárias dezenas de páginas para descrevê-las, o que demonstra a preocupação dos maristas com a formação do habitus nas ações comunitárias.

As ações comunitárias do CESMAR foram sendo qualificadas e, aos poucos, houve maior adesão da comunidade. Podemos dizer que a proposta foi

182 Entrevistada J. 183 Entrevistada M.

aceita primeiro individualmente para depois ser manifestada nas ações comunitárias organizadas pelo Centro, houve uma preparação para a participação através das atividades internas, que formavam as competências dos atendidos, como podemos observar na resposta de um jovem formado no CESMAR, que fala da motivação dada aos cidadãos:

O CESMAR provoca grandes reações na comunidade, existiam pessoas com baixa auto-estima e hoje sei que estão bem. Foram provocados pelo CESMAR, pelos próprios diretores que passaram por aqui e falaram: “Ah, mas tu estás só sentado, vai, levanta e vai atrás [...], ninguém vai bater na tua porta pra te levar presentes”. Isso é muito importante, motivar, chamar a atenção, brigar mesmo, preparar o cara para ir à luta, pra participar [...].184

A resposta acima demonstra que a formação do habitus religioso nas obras sociais maristas não se limita aos momentos de atividades dentro da sala de aula, ou mesmo no espaço físico da obra, transcende tais esquemas conservadores de

formação educacional. O “interesse”185 despertado no cidadão é que vai garantir sua

permanência no jogo, mesmo quando as dificuldades aparecem.

A formação do habitus religioso pode acontecer naqueles momentos mais

“insignificantes”186 aos olhos dos educadores, ou seja, na acolhida, no pátio, no

relacionamento horizontal entre educadores e educandos, nos momentos de reuniões de pais, nas pequenas ações de assistência feitas em prol das famílias, na repetição de orações e cantos próprios do subcampo, e até mesmo no momento em que a comunidade utiliza a camiseta da obra como vestimenta, se identificando como alguém do CESMAR. O habitus religioso adquirido é considerado mudança de vida e, mesmo que o cidadão não se dê conta de tal “incorporação”, ele a expressa nas manifestações, como a deste educador:

[...] me encaixo legal como educador, porque eu faço com amor, e ele (Champagnat) zela muito por isso. Para bem educar é preciso antes de tudo amar o educando. Eu gosto muito dos educandos, antes de chegar aqui de manhã, se venho com problemas de casa,

184 Entrevistado H.

185 Bourdieu (1996, p.138) nos lembra que o “Interesse é ‘estar em’, participar, admitir que o jogo

merece ser jogado e que os alvos engendrados no e pelo fato de jogar merecem ser perseguidos; é reconhecer o jogo e reconhecer os alvos”.

186 Para Bourdieu (1996, p. 197), “o trabalho religioso implica um gasto considerável de energia

destinada a converter a atividade da dimensão econômica em tarefa sagrada; é preciso aceitar a perda de tempo, o esforço, até o sofrimento, para crer (e fazer crer) que se faz uma coisa diferente daquela que se faz”.

tento deixar tudo lá fora. Eu me encaixei legal na estrutura marista.187

O habitus religioso é incorporado com maior facilidade pelas crianças e adolescentes, até porque quanto mais estruturado for o habitus do cidadão, maior dificuldade ele terá para incorporar novas experiências.

No decorrer da pesquisa foi possível detectar a importância das ações comunitárias realizadas nas obras sociais como uma das formas mais eficazes na formação do habitus religioso. Também ficou evidenciado que os educadores, em sua maioria, não desfrutam de tal percepção, uma vez que visualizam estes momentos apenas como atividades complementares. Se houver consciência de que são momentos de formação, poderá haver um direcionamento mais eficaz da atividade e conseqüentemente o habitus poderá ser “marcado” com maior intensidade.

4.5 REALIZANDO O SONHO DE CHAMPAGNAT: EDUCAR E ACOLHER A