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OBRAS SOCIAIS MARISTAS DO RS E SEUS IMPACTOS: O CASO CESMAR

CAPÍTULO 4 OBRAS SOCIAIS MARISTAS DO RS: POSSIBILIDADES DE

4.6 OBRAS SOCIAIS MARISTAS DO RS E SEUS IMPACTOS: O CASO CESMAR

de concentrar características das demais obras sociais maristas do RS, uma vez que foi a primeira obra social fundada e a que concentra maior número de atendidos. O CESMAR “representou um marco, eu tenho certeza, não é um marco só interno da Província, [...] porque ele trouxe uma concepção de como realmente deveria ser o

atendimento à criança e ao adolescente e suas famílias”.196

O CESMAR amplia suas atividades seqüencialmente, aumentando a capacidade de atendimento e as relações com a comunidade local e com o Campo do Poder. O impacto social motivado pelo CESMAR não se reduz a “trocas” favoráveis à própria obra, mas também nas “trocas” mediadas pela obra, como, por

193 Missão Educativa Marista, p. 31. 194 PPP – CESMAR, 2002, p. 17. 195 PPP – CESMAR, 2002, p. 149. 196 Entrevistado B.

exemplo, a conquista de escolas e a garantia da infra-estrutura básica (asfalto, água, luz, esgoto, calçadas, praças...) para as vilas do bairro.

Essas mediações proporcionam o aumento de capital religioso da obra e levam os moradores da região a se identificar com ela. A obra assume o papel do Estado, protegendo e criando mecanismos de organização social. A identificação chega a tal ponto que pode gerar uma certa dependência, como vemos na resposta abaixo:

Eu ouço muito a seguinte expressão: “sem CESMAR eu não sou nada”; ou então: “sem os Irmãos Maristas eu não sou nada”. Ouço isso da comunidade, das lideranças, é forte, né? Isso já soava assim em 96, hoje as obras sociais significam mais ainda, são um caminho, uma forma de fortalecer quem está vivendo na vulnerabilidade social [...].197

Analisando a forma “exagerada” utilizada nas manifestações (“sem o CESMAR eu não sou nada [...]”), percebemos que esses cidadãos tiveram experiências profundas na obra, ou seja, capazes de modificar a “estrutura” do

habitus, o que dificilmente será apagado, ou esquecido. Essas experiências é que

possibilitam aumento de capital religioso, que confirmam o impacto “positivo” na comunidade.

O impacto produzido pelo CESMAR na comunidade desperta o interesse do campo do poder. Os empresários, por exemplo, não hesitam em investir numa obra social que lhes dá retorno, visibilidade e que desponta como modelo no município de Porto Alegre. Tal capital também interessa aos políticos, pois mesmo que o CESMAR se mantenha isento politicamente, as relações que alguns políticos mantêm com a obra são capitalizadas e se transformam em “votos” nas eleições. Um dos entrevistados busca dar um panorama das obras sociais ao falar das relações e o impacto que podem gerar:

Penso que em alguns casos as nossas obras sociais estão despertando a atenção do poder público, dos políticos, dos empresários e de setores da Igreja, porém outras ainda não fazem a diferença que deveriam fazer. Quando elas estão envolvidas com as

lutas da comunidade seu papel se torna importante e têm um impacto positivo [...].198

Na pesquisa foi possível verificar alguns casos em que a comunidade não é informada sobre as relações e trocas estabelecidas pela obra social no espaço social. O CESMAR tem relações de troca estabelecidas, que produziram grande impacto na comunidade, sem que a maioria dos cidadãos soubesse de tais trocas, mas que beneficiaram imensamente os moradores, como, por exemplo, a garantia de financiamento das casas próprias junto aos órgãos públicos.

Existe um fator religioso que orienta a obra a fazer o “bem” em silêncio, porém tal decisão pode impedir o aumento do capital religioso da própria obra.

No CESMAR, no ano de 2006, um projeto envolvendo diversas parcerias, foi iniciado: o CRC (Centro de Reciclagem de Computadores). Este projeto é um exemplo de impacto e marketing, pois proporcionou o aumento de renda a 85

famílias, através da contratação de “Jovens Aprendizes”199 e também rendeu ao

CESMAR 48 inserções espontâneas na mídia nacional200.

A certeza de estar gerando impacto positivo na comunidade também é importante para a própria obra, pois dá um retorno de investimento seguro e capaz de produzir capital religioso. As obras sociais não se mantêm nas comunidades sem gerar impacto, sem relações com os cidadãos atendidos, pois o crescimento, a ampliação destas, depende do reconhecimento social, como deste entrevistado, morador da comunidade e que vê no CESMAR “a grande revolução da comunidade, [...] pois provocou grandes mudanças, capazes de assustar os antigos moradores da

comunidade, pois modificou tudo [...]”201.

Ficou evidenciado na pesquisa que o volume de capital produzido pelas obras sociais dependerá das ações realizadas nas comunidades, da capacidade de produzir impacto e das relações estabelecidas com os principais agentes comunitários, bem como da divulgação das ações e da capacidade da obra em agregar adesões a sua proposta.

198 Entrevistado F.

199 O “Jovem Aprendiz” é um programa do Governo Federal em parceria com Empresas e Entidades

Filantrópicas.

200 Este dado foi colhido no Relatório 2006 do CESMAR. 201 Entrevistado H.

4.7 PERFIL DO JOVEM FORMADO EM OBRA SOCIAL MARISTA

A transformação social, através do acolhimento de cidadãos vulneráveis e a mudança no perfil da comunidade do entorno do CESMAR, passa obrigatoriamente, como vimos ao longo desta dissertação, pela incorporação de novos valores no

habitus dos atendidos, especialmente das crianças e adolescentes. O “Relatório

2006” do CESMAR aponta para este caminho, ao afirmar que tem como objetivo

Oportunizar aos atendidos um espaço criativo de desenvolvimento integral do ser humano e a promoção da dignidade humana, impulsionando vida. Alicerçado no Evangelho e no carisma Marista, visando à transformação e inclusão social202 .

Tal processo de formação não acontece espontaneamente, ou por acaso, mas, como vimos no capítulo anterior, é necessário que diversas áreas dialoguem entre si, como a Pedagogia, o Serviço Social, a Sociologia, a Psicologia... e planejem ações. É o conjunto de “competências” que possibilitará mudanças no

habitus dos cidadãos, como está sugerido no PPP do CESMAR:

educar as crianças e jovens de modo abrangente, isto é, instruí-las sobre seus deveres, ensinar-lhes a praticá-los, infundir-lhes o espírito e os sentimentos do cristianismo, os hábitos religiosos, as virtudes do cristão e do bom cidadão [...]203.

A formação proposta nas obras sociais se fortalece nas relações de troca, em que algumas exigências de “retorno” são feitas pelos maristas, como, por exemplo, a disciplina, o comparecimento dos responsáveis nas reuniões, nos diversos eventos, especialmente os religiosos, a participação nos esportes... existe um movimento de troca bastante intenso entre o cidadão atendido e a obra social, na busca de um cidadão “formado”, pois assim como os educadores,

o pai e a mãe esperam que a criança saia bem diferente (do CESMAR), com uma formação religiosa e principalmente vendo o mundo de forma diferente. Se uma criança entrou com boa formação, que saia com essa redobrada, se entrou pouca que possa sair um educando com boa educação, dando bom exemplo.204

202 Cf. Relatório 2006 do CESMAR. 203 Cf. PPP – CESMAR, 2002, p. 16. 204 Entrevistada L.

A busca por um “novo perfil”, por “novas noções de habitus incorporado” é o desejo dos maristas e como vimos acima, dos responsáveis pelas crianças e adolescentes atendidos no CESMAR. Desejo este que se justifica mediante a situação de abandono social vivida pelos filhos destes cidadãos, muitas vezes vítimas do consumo de drogas, de abusos, de violência doméstica, da baixa qualidade de ensino, da falta de moradia e de alimentação. A dependência das instituições sociais é percebida no CESMAR, pois para muitas famílias a obra representa o último recurso social “alcançável”.

As obras sociais existem em função desta problemática, ou seja, se não houvesse cidadãos nessa situação, as obras sociais também teriam outras características. Tal situação está explicitada no PPP do CESMAR indicando que a obra adota

medidas para atender às necessidades físicas e materiais mais imediatas dessas crianças e jovens, por meio de ação preventiva e assistência direta. [...] buscamos desenvolver a sua autoconfiança e a restaurar a auto-estima, para que se tornem independentes da pressão dos colegas, e para a necessidade de assumirem responsabilidades na vida.205

Os jovens formados no CESMAR são orientados, formados, para que mantenham uma posição socialmente aceita, que corresponda com a perspectiva de mercado e da Igreja Católica, ou seja, a formação marista busca “colaborar” com a sociedade devolvendo-lhe jovens com um perfil que esteja adequado ao proposto nos documentos de defesa dos direitos e nos documentos maristas.

Uma das entrevistadas, mãe de atendidos no CESMAR, assim se expressa ao ser questionada sobre como deve ser o perfil dos jovens que aí se formam:

O objetivo dos Irmãos Maristas é transformador, é transformar o ser humano para a autonomia intelectual e social. Essa é uma identidade própria dos maristas, como educadores. Nós sentimos essa possibilidade, há uma transformação. Ela é gradativa, porque trabalhar com o ser humano não é trabalhar com madeira [...] e transformar crianças que vêm de um meio comprometido é um pouco complicadinho, mas estamos percebendo o resultado a cada dia.206

205 Cf. PPP – CESMAR, p. 17. 206 Entrevistada J.

Existe uma espécie de concordância coletiva sobre como deveria ser o perfil dos jovens que são egressos do CESMAR, porém cada um absorve a formação de maneira diferente, até porque o habitus de cada cidadão também é diferente, alguns assim se expressam “[...] a pessoa sai bem simples daqui (CESMAR) e com uma força de vontade muito grande, de querer mudar e crescer. Não só sua vida material,

mas também a espiritual [...]”.207

O perfil do jovem egresso das obras sociais maristas dependerá essencialmente das experiências incorporadas durante o processo de formação. Se tais experiências marcaram o cidadão, com mais facilidade ele reproduzirá o habitus religioso na sua convivência dentro do espaço social, colaborando no aumento de capital religioso no subcampo marista. A transformação social proposta nas obras sociais, citada pela entrevistada “J”, quer expandir o subcampo marista numa perspectiva de capitalização do campo religioso e conseqüentemente maior identificação religiosa da população com tal proposta. Portanto, o perfil do jovem formado nas obras sociais está intimamente relacionado com a proposta de formação religiosa proposta nas obras.

4.8 TENDÊNCIAS NO SUBCAMPO MARISTA DO RS