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3 FORMAÇÃO MORAL E EXERCÍCIO DA CIDADANIA

No documento A educação republicana em Condorcet (páginas 96-107)

A sala de aula é imaginada por Condorcet, sugere Silva (2004), como uma espécie de laboratório moral, no qual experiências ocorrem de modo induzido, ou seja, simulado. Cabe ao professor exercitar a imaginação e, sobretudo, a capacidade de refletir. A primeira etapa do ensino moral deve favorecer uma formação básica para quem não vai poder continuar se

instruindo formalmente. Nesse caso, constituem objetivos da instrução: preparar cada um para aprender por si mesmo, fortalecer as faculdades naturais e o interesse pelos conhecimentos.

A instrução deve desenvolver o princípio da reciprocidade e da cidadania: levar os alunos a respeitar nos outros os mesmos direitos que eles admitem lhes pertencer; ensinar os princípios elementares da organização política, para que se possa acompanhar mais tarde a instrução comum destinada aos adultos, sobretudo nas conferências dominicais. A instrução moral apresenta-se com o propósito de fortalecer atitudes virtuosas e de fragilizar as viciosas. A instrução comum preconizada por Condorcet deveria habituar o indivíduo a refletir sobre suas próprias ações, para saber julgá-las segundo preceitos. Silva (2004) acentua que o exercício dessa capacidade de reflexão moral é essencial para impedir que o indivíduo se corrompa. Não se trata, pois, de uma doutrinação moral, para inculcar normas, porquanto a moral exige, antes de tudo, reflexão.

Expor as crianças a experiências que lhes despertem a sensibilidade moral e a compaixão pelos seres sensíveis, tanto com relação aos homens quanto com os animais, é fundamental, também, para o desenvolvimento moral de cada indivíduo. A instrução culminaria com o estudo da filosofia, a qual deveria ser ensinada depois que o estudante já tivesse adquirido a força e o hábito de meditar. Condorcet (2010b) propõe que a instrução reflita sobre a maneira como as ideias foram adquiridas e sobre o sistema moral que se tem admitido.

Condorcet (2008) reinvindica na quinta das “Cinco memórias” que o ensino da moral esteja livre dos grilhões da autoridade e de vínculos religiosos e ideológicos. Somente assim se formariam indivíduos livres e se poderia cultivar uma moralidade pública razoável. Está em questão buscar e provar verdades e não induzir a amá-las. Para grande parte dos indivíduos, quando ainda não tivessem desenvolvido o sentimento de compaixão e não fossem capazes de tomar contato com as luzes e os conhecimentos morais, restaria apenas o recurso ao entusiasmo. Essa espécie de formação moral torna o indivíduo suscetível ao fanatismo, podendo levá-lo a admitir como virtude todo crime útil aos seus interesses ou aos daqueles mais astutos, os quais são capazes de manipular ou combinar preconceitos, apoderar- se da imaginação e inflamar o entusiasmo.

Um dos principais propósitos da instrução, conforme as “Cinco memórias”, é diminuir a desigualdade nascida da diferença dos sentimentos morais75. Condorcet (2008) assente que a

75 Vial (1970) chama a atenção para uma questão central do pensamento de Condorcet referente à correlação

expansão da instrução pública eliminaria uma diferença essencial entre os homens em sociedade, ligada à própria capacidade moral. A instrução facultaria aos pobres o acesso ao patrimônio cultural da humanidade, o que permitiria uma formação mais refinada e menos embretecida. Silva (2004) comenta que, sem esse cultivo do espírito, a sociedade não deixaria de se dividir em duas classes: uma com acesso aos bens espirituais da civilização e a outra sem condições de formar um pai de família ou cidadão capaz de conhecer seus deveres e cumpri-los conforme uma convicção ilustrada. Nesse caso, tesouros da cultura humana representariam apenas instrumento de dominação para uns e não um meio de felicidade para todos.

A instrução pública deve, ainda, preparar o cidadão para exercer a capacidade de aperfeiçoar a sociedade em que vive. Esse é, para Condorcet (2010b), o ideal moral e político de uma república esclarecida. Busca-se a formação de cidadãos capazes de apreciar, julgar e corrigir a Constituição. O autor não propõe preparar alguém para crer e adorar a ordem política estabelecida, como se tratasse de uma religião política. Trata-se, pelo contrário, de submeter tudo à crítica da razão comum. Com isso, evita-se que o cidadão se torne presa do entusiasmo político e da demagogia. Instruído, ele não ficaria mais dócil à voz de doutrinadores.

O entusiasmo, interpreta Silva (2004), torna o cidadão incapaz de julgar e o dispõe a crer e a obedecer a lideranças monopolizadoras da linguagem científica e política. A deliberação política é permeada de ardis e obstáculos que impedem a expressão da razão comum através da atividade de legisladores. O legislador está sujeito a preconceitos, a influências da opinião, a pressões de partidos, da opinião pública e de tendências que o levam a promover interesses locais e passageiros. Com efeito, nenhuma Constituição, para Condorcet, deveria ser concebida e ensinada como a expressão absoluta da verdade ou da vontade geral, diante da qual todos deveriam inclinar-se e venerar.

A efetividade de um sistema de moral depende de instituições e leis justas. Silva (2004) declara que a instrução pública preconizada por Condorcet tem como objetivo formar a moral de um povo, mas isso não é possível sem tornar geral o uso da razão. O mal moral está na forma errônea de se entender o próprio interesse. A vantagem pessoal, quando desvinculada da ideia de justiça e do interesse comum, é contraditória, posto que quanto mais se a promove mais se a inviabiliza. Não se pode buscar o proveito pessoal de maneira eficaz quando este é incompatível com o interesse geral da sociedade ou com os interesses da

naturais, nem a igualdade de propriedade, mas a igualdade moral. Assim, tal como os homens são reconhecidos como iguais perante o direito, eles o são também perante a moral.

humanidade inteira. Condorcet (2010b) não admite que alguém possa obter vantagens ou privilégios perante as instituições públicas:

A Constituição - reconhecendo o direito que tem cada indivíduo de escolher seu culto e estabelecendo uma inteira igualdade entre todos os habitantes da França - não permite absolutamente admitir, na instrução pública, um ensino que, discriminando as crianças de um segmento de cidadãos [...] daria aos dogmas particulares um privilégio contrário à liberdade de opiniões [...] É, pois, rigorosamente necessário separar da moral os princípios de toda a religião particular, e não admitir na instrução pública o ensino de qualquer culto religioso (p. 29-30).

Condorcet sugere uma espécie de Estado do bem-estar comum. Admite que boas leis podem evitar a concentração de riquezas, uma das perversidades das instituições sociais. Silva (2004) comenta que a justiça, tal como concebida pelo filósofo, exige, por exemplo, que se reconheça o direito natural dos bastardos e que o divórcio seja permitido legalmente. Ninguém pode ficar abandonado à própria sorte, especialmente crianças, velhos e inválidos. É necessário, para tanto, criar instituições que abriguem deficientes, tais como, por exemplo, cegos e surdos, de modo que recebam uma instrução especial e que possam trabalhar e se manter por conta própria.

A miséria não deve constituir uma condição habitual para uma classe de cidadãos. Condorcet propõe que, ao se reduzirem as desigualdades extremas de riqueza, também se diminua um dos principais fatores da corrupção moral de um povo: o uso de meios ilegítimos para promover os próprios interesses. Cabe à lei determinar normas comuns que protejam os indivíduos. Não são os legisladores que devem formar a moral de um povo, mas a instrução pública. A formação da moral dos indivíduos passa, pois, pela questão da justiça social, não só na perspectiva de um direito formal, mas, também, no que diz respeito às desigualdades de fato e às injustiças econômicas.

Para aqueles que optam por não agir moralmente, deve aplicar-se a coação jurídica. Contudo, conforme a exigência da racionalidade das leis, as penas cruéis devem ser banidas. Silva (2004) entende que, para Condorcet, a punição dos condenados não pode servir de meio para instruir moralmente um povo. O terror não consiste numa forma legítima de evitar um crime. A moral de um povo livre não pode ser formada a partir do medo de punições. Questiona-se de que vale a instrução fortalecer o sentimento de justiça se a desigualdade social o viola sem cessar. A formação moral de um povo, desse modo, não está desvinculada da justiça social nem da abertura do país para o sentimento de justiça entre os povos.

A instrução republicana deve estimular concomitantemente o amor à família, à pátria e a toda a humanidade. O amor pela pátria é oriundo de um desenvolvimento bem instruído das faculdades morais. A manipulação dos sentimentos infantis gera um amor irracional pela pátria. Deve-se, portanto, evitar expor as crianças ao charlatanismo do patriotismo. Deve-se formar indivíduos capazes de se compreenderem como membros da humanidade e não apenas de uma determinada nação ou comunidade. Não se pode dizer que a moral de um povo cosmopolita é bem formada se este viola os princípios da justiça entre os povos. A oposição de interesses entre as nações e os monopólios, bem como todas as espécies de dominação política e econômica, refletem a corrupção de interesses dos governos. Isso não é vantajoso para os povos, pois eles possuem razões para a cooperação que transcendem interesses momentâneos de um governo. A moral, pensada dessa maneira, é contra qualquer espécie de imperialismo ou colonialismo, pois as luzes e a instrução dela decorrentes não podem, de acordo com Condorcet, constituir o monopólio de nenhum povo:

Não empreguemos, para inspirar o amor à pátria, os meios pelos quais os charlatões - religiosos ou políticos - sabem submeter um povo às instituições que inflam sua ambição ou seu orgulho. Ajudemos o desenvolvimento das faculdades humanas durante a fraqueza da infância. Mas não abusemos dessa fraqueza para moldá-la ao bel-prazer de nossas opiniões, de nossos interesses ou de nosso orgulho [...] Que o sentimento da justiça [...] se torne, em se generalizando pela instrução, o sentimento dos direitos da espécie humana. E ver-se-á brevemente formar nos jovens corações um amor por seu país e pela liberdade, verdadeiro, sem ostentação, sem hipocrisia. Vós tereis preparado cidadãos para a pátria, sem vos expor ao perigo de só ter formado charlatães do patriotismo (2010b, p. 33).

Além de se estender indistintamente a todos os cidadãos, cabe ao ensino público aperfeiçoar as faculdades de cada indivíduo e, assim, promover o progresso geral da humanidade. Releva o aperfeiçoamento das faculdades intelectuais e morais por meio do conhecimento elementar, pois, caso contrário, tais faculdades podem ser corrompidas. Trata- se de uma formação integrada dessas faculdades, visando à justiça ou ao equilíbrio do interesse particular de cada indivíduo com os direitos naturais comuns a todos. A independência do indivíduo76 apresenta-se como correlata da soberania nacional. Condorcet

76

Condorcet, de acordo com Almeida (2004), provavelmente não tomou conhecimento da obra de Kant. De qualquer maneira, distanciou-se da tendência do pensador de Königsberg. A razão, para Condorcet, não se divide em teórica e prática, e a moral não pode se dar sem uma formação da racionalidade teórica. Com isso, a instrução pública torna-se fundamental para o desenvolvimento da autonomia individual. A formação moral resulta, sobretudo, de uma instrução voltada para os valores universais, o desenvolvimento do pensamento analítico e o cosmopolitismo. A boa vontade não basta. Ela deve ser socorrida pelas luzes da razão.

defende que o ensino se universalize para viabilizar a instituição dos cidadãos. Ao desconfiar da educação nacional e do modelo espartano de formação moral, em que o indivíduo seria educado para a pátria, Condorcet aponta para os perigos do fanatismo patriótico que expressaria uma religião política.

A formação da razão e da moral de um povo corresponde a um empreendimento público, uma meta da arte social. É nesse sentido que a ideia de progresso em Condorcet se ancora, sobretudo, na instrução pública. O mais curioso, segundo Almeida (2004), é que começamos a questionar se Condorcet foi muito avançado para o seu tempo, ou se muitas das propostas pedagógicas atuais não são tão novas assim. Para a comentarista, essas ideias se apresentam muitas vezes enviesadas pelo irracionalismo, comunitarismo, multiculturalismo e outras modas pedagógicas que, segundo ela, se contrapõem ao projeto iluminista ao qual o nome de Condorcet está ligado. O capitalismo teria aprendido a se justificar de outro modo, dispensando o ideário universalista promovido pelo movimento iluminista. Podemos discordar dessa sentença de Almeida à medida que ela detém o debate a respeito do legado do iluminismo para se enfrentar os desafios de nosso tempo, fazendo crer que o capitalismo teria se independizado de todas suas possíveis justificações.

A filosofia condorcetiana, assegura Silva (2004), propõe uma moral baseada na identidade geral do ser humano, sobretudo na sensibilidade comum e na universalidade da razão. Sua proposta de instrução apresenta-se como uma forma de ensino capaz de promover uma moral cosmopolita, baseada na solidariedade, na benevolência e na justiça. Silva considera que, para Condorcet, existe um imperativo moral enraizado na própria organização natural do ser humano que o leva a não suportar a injustiça e ficar indiferente diante do sofrimento alheio. Contudo, essa característica seria verificada apenas no indivíduo não corrompido pelos preconceitos do seu meio social.

Em outras palavras, a moral, sob o mesmo ponto de vista, resulta de uma instrução adequada que promova o desenvolvimento equilibrado da sensibilidade e da racionalidade. Com isso, ela estimula que o indivíduo seja capaz de se preocupar não apenas consigo mesmo, com o interesse de sua família e de sua nação, mas também com o destino de toda a humanidade. Cabe a ela instituir cidadãos capazes de agenciar moralmente os sentimentos naturais despertados nas mais variadas situações diárias, as regras comuns admitidas coletivamente e as informações recebidas dos mais diversos canais de comunicação.

Silva (2004) destaca que, para Condorcet, a proposta de difusão de um conhecimento elementar visa a garantir um mínimo não apenas de conhecimentos adquiridos, mas de ocasião de desenvolver capacidades morais e intelectuais, sem as quais a independência

individual não é possível. Essa autonomia revela-se na independência do indivíduo diante dos demais no que concerne ao uso do intelecto e às deliberações individuais. A independência manifesta-se, também, na ampliação da cidadania, que consiste, sobretudo, no controle do processo legislativo e na ampliação da igualdade de fato entre os cidadãos. A instrução pública só pode contribuir para a formação de uma moralidade autônoma na medida em que ela se mantém crítica, não-dogmática e aberta aos progressos do espírito humano.

Sem o desenvolvimento da racionalidade comum e do acesso a conhecimentos elementares, os quais se definem sempre em relação aos progressos alcançados pelo desenvolvimento do espírito humano a cada época, não se pode desenvolver a ideia de justiça. Faltando essa ideia e sentimento, não se pode produzir uma moralidade. A independência individual e a soberania coletiva dependem de uma instrução pública voltada para valores humanistas e cosmopolitas. Dessa maneira, ao escrever sobre o ensino de ciências, Condorcet (2010b) discute a moral seja como uma disciplina propriamente dita seja nas relações dela com os demais conhecimentos. Distingue, de modo geral, as ciências em: abstratas (lógica e matemática), físicas ou naturais (física, história natural e química) e morais ou políticas (metafísica, moral, jurisprudência, economia e história). Todas essas disciplinas influenciam na formação moral, incluindo-se, também, o ensino de línguas, de artes, a educação física e a aprendizagem técnica.

A consciência moral não pode encontrar a verdade em si mesma; ela é resultante da articulação da sensibilidade física com a memória e a linguagem. Condorcet opõe-se ao sentimentalismo moral: as sensações e o sentimento forneceriam apenas uma base para a aquisição de ideias morais pela reflexão. A moralidade, nesse sentido, não revela nenhum tipo de faculdade específica e inata; ela só se realiza no pleno uso da reflexão racional. O que vale para o indivíduo descrito por Condorcet vale também para todo um povo:

É natural que o homem queira ser amado para contar com a benevolência dos outros, que procure dar-lhes uma boa impressão da sua franqueza, da sua probidade e das suas boas qualidades em geral para merecer-lhes a confiança. [...] Nossa vida está quase inteiramente à mercê da opinião alheia [...] Mas não devemos crer que não haja algum inconveniente em estimular excessivamente esse sentimento. Não estamos falando da necessidade de aprender a se elevar acima da opinião alheia, a enfrentar as opiniões injustas, a preferir o testemunho da própria consciência à estima pública. Também não estamos falando das ocasiões em que é preciso saber sacrificar-se ao desprezo (2010b, p. 116).

Condorcet concebe o cidadão como um homem instruído que se compraz em cultivar o espírito e em debater publicamente seus próprios interesses. A educação republicana77, inspirada nesse imaginário, deve estimular o exercício da cidadania ao constituir espaços comuns e ao oferecer condições à experiência dos indivíduos de pensar e de deliberar por si mesmos ao discutir com os outros. Essa educação preconizada pelo filósofo deve, ainda, propor que se conheçam as leis e os motivos de respeitá-las, assegurando-se que essas mesmas leis sejam livremente criticadas e, eventualmente, aperfeiçoadas.

Silva (2004) especula que Condorcet certamente estranharia o fato de que muitos religiosos atualmente atuam de maneira crítica, unindo fé e iniciativa política contra os mais diversos tipos de opressão, inclusive a ignorância. Contudo, alude o comentador, ele não estranharia o mau uso da ciência para manter ou instaurar condições opressivas. Esse tipo de uso da ciência já era temido àquela época. O exercício da razão e da cidadania manteriam em aberto as verdades políticas e científicas. A instrução pública, bem como a formação da razão e da moral de um povo, constituem, para Condorcet (2013), propósitos de uma democracia republicana. No entanto, o autor recorda seus leitores de que a corrupção da razão e da moral de um povo pode alcançar um grau tal que, mesmo numa democracia direta, o povo, livremente, escolhesse sua opressão, preferindo a barbárie à civilização.

Assegurar e multiplicar espaços para a difusão de conhecimentos e destrezas profissionais está entre as principais obrigações do poder público, perora Condorcet (2001). Essa obrigação não se limita à instrução relativa às profissões, senão que se estende àquelas que os homens exercem por sua própria utilidade e prazer, não necessitando pensar sua influência na prosperidade geral. Em conformidade com o filósofo, os progressos das atividades profissionais contribuem para o bem-estar comum, ampliando oportunidades de apreensão e desenvolvimento desses conhecimentos particulares. Evita-se, com isso, toda mediocridade e dependência, as quais são grandes causas de pobreza.

Coutel (2004) assevera que a educação republicana inspirada em Condorcet reputa todos os indivíduos capazes de exercer o próprio juízo, não devendo compactuar com um aprisionamento ideológico ou doutrinamento social. A educação em questão orienta cada cidadão para um protagonismo da ação política: a educação republicana equivale a “[...] uma escola do juízo: trata-se de confrontar os fatos e as situações com leis universais, de situar os objetos na natureza, os enunciados nas teorias e os acontecimentos nos processos históricos” (2004, p. 60-61).

O cidadão almejado por Condorcet é protagonista de sua cidadania e não um mero espectador de eventos políticos. Não basta aos homens a garantia do direito a ter direitos; é preciso, antes de mais nada, que os indivíduos conheçam e discutam os motivos de seus direitos - acompanhados dos respectivos deveres e responsabilidades - para que, só então, possam reivindicar o gozo e a segurança que eles concretamente representam.

O tema da efetivação dos princípios das luzes é, seguramente, um traço característico dos textos de Condorcet. Os princípios da república exigem, para sua efetividade, uma opinião pública ilustrada e uma confiança dos cidadãos nas instituições políticas e educacionais; a ignorância compartilhada traz vantagens aos interesses particularistas e de dominação; os princípios, nesse sentido, correspondem a proposições diante das demandas de respostas que a prática evidencia. A instituição do cidadão, de acordo com o filósofo, corresponde ao exercício da cidadania e a uma incessante busca por verdades e por justiça.

Coutel comenta que a instituição do cidadão pressupõe não só uma definição, mas, também, a aplicação de princípios gerais:

[...] expressados nos direitos naturais e imprescritíveis. Porém, de agora em

No documento A educação republicana em Condorcet (páginas 96-107)