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A formação da periferia de Rio Branco:

No documento MARILEIDE SILVA GOMES (páginas 45-50)

CAPÍTULO 3 OS EFEITOS SOCIAIS DO GOVERNO DANTAS PARA A CIDADE DE RIO BRANCO:

3.1. A formação da periferia de Rio Branco:

Não pretendo fazer um estudo detalhado da formação dos bairros periféricos rio- branquenses, mas apenas fazer um paralelo entre as ações do poder constituído e os efeitos sociais resultantes das políticas implantadas no estado durante o governo Dantas.

Embora tenha abordado nos capítulos anteriores as metas do plano de ações do governo Wanderley Dantas, no entanto voltaremos a discuti-las para uma melhor

análise dos efeitos socioeconômicos provocados por essas medidas

desenvolvimentistas junto à população recém chegada do campo e que passaram a compor os novos bairros formados na periferia de Rio Branco.

Dentre os planos de maior prioridade no governo Dantas destacam-se os projetos nas áreas de educação, saúde, energia, transportes, segurança, habitação e serviços sociais. Sabemos que parte desses projetos foram postos em prática, contudo não contemplaram as levas de famílias seringueiras que migraram para Rio Branco nessa época.

As políticas implantadas para desenvolver o setor primário, com as atividades agropastoris, em nenhum momento foram direcionadas para o colono, o pequeno produtor, mas apenas para beneficiar a agroempresa, a estas eram oferecidos crédito e assistência técnica especializada como podemos conferir no relatório de governo da administração Wanderley Dantas:

Como mecanismo de fortalecimento da aplicação do crédito rural, foi criado o Fundo de Expansão agropecuária – FEAGRO para operar em caráter integrado com o serviço de extensão rural, de modo a garantir não só critérios e condições de financiamentos mais vantajosos para o produtor, mas também racionalizar o emprego de recursos, através do planejamento e da assistência técnica a nível de empresa rural (ACRE, 1975, não paginado)

Todo esforço de Dantas na aplicação de seu plano de metas foi sempre voltado para atender interesses exógenos, em nenhum momento foi pensado em desenvolver medidas que melhorassem o nível de vida da população do estado, principalmente das classes menos abastadas. Os investimentos em energia elétrica visavam atender a implantação de indústrias. Os moradores dos bairros periféricos não tinham direito a este serviço. Tomando como exemplo o bairro Bahia onde o serviço era muito precário, um morador comenta que “se é pra viver no escuro ou na base

da vela, e no fim do mês pagar um montão de dinheiro é melhor ficar sem luz” (VARADOURO, 1978, p. 05). No conjunto Tangará a situação é semelhante:

A ausência de serviços públicos, água, luz, esgoto, etc. – é total no ‘Antigo Tangará’. Na época em que funcionava a boite existiam alguns desses serviços, mas após o seu fechamento, em 1973, foram suspensos, como era de se esperar. Embora se diga que certos serviços sejam coletivos [...] na verdade não são tão ‘coletivos’ assim. Teoricamente estão à disposição de todos. Entretanto, o acesso a eles fica sujeito às possibilidades de cada usuário: se pode pagar ou não pagar. É obvio que essas famílias [...] não têm condições de pagar nem uma ligação de energia [...] (VARADOURO, 1978, p. 16).

Dentro das prioridades do governo Dantas não estava incluso elevar o nível de vida das famílias que moravam na periferia, muito menos criar atrativos para que o homem do campo não saísse de lá. A construção de estradas, por exemplo, tinha como objetivo maior “contribuir para a expansão da fronteira econômica, incorporando novas áreas ao processo de produção” (ACRE, 1975, não paginado). As rodovias AC-10 e AC-40 e outras estradas vicinais seriam importantes para facilitar o processo de ocupação dos espaços considerados vazios pelo poder público e também viabilizar a implantação de atividades agropecuárias no nível de exploração comercial.

As mudanças na educação foram no esforço de implementar a Reforma do Ensino estabelecida na Lei Federal 5.692 de 1971, cujo objetivo era a aquisição de verbas,

posto quê o ministro da educação Jarbas Passarinho prometera na VII Reunião Conjunta dos Conselhos de Educação que , “-Ganharão mais verbas os Estados que apresentarem melhores projetos para a implantação da reforma”(PLANO..., [S.l.: s. d.], p. 43). O que não difere muito do quadro atual da educação no estado do Acre, onde se prioriza o quantitativo em detrimento do qualitativo, isso porque quantos mais alunos matriculados e aprovados, mais verbas serão liberadas. Podemos constatar que não é de hoje que o sistema de ensino brasileiro não é voltado para formar cidadãos conscientes e críticos de sua realidade social.

A política de habitação foi desenvolvida mais para estimular a economia e menos para resolver o déficit habitacional. Pode-se destacar este como um dos problemas mais relevantes para a época, estando na atualidade ainda na “ordem do dia”. É bem verdade que esse processo foi resultante das medidas tomadas por Dantas para atrair investidores interessados na criação de gado, não obstante o caos

estabelecido no campo e na cidade, o Estado não tomou nenhuma medida que amenizasse as condições em que ficaram posseiros e seringueiros.

Os programas de habitação como loteamentos e a construção de conjuntos habitacionais não contemplaram essa parcela da população, na maioria das vezes famílias de ex-seringueiros eram retiradas de bairros sem nenhuma infra-estrutura que depois foram transformados em conjuntos habitacionais para abrigar a classe média como é o caso do Conjunto Castelo Branco, e outros localizados no bairro Floresta. Para que as famílias fossem contempladas nas casas construídas pela COHAB-AC era preciso ter um limite de renda fixa com um valor mínimo estabelecido, o que excluía definitivamente as famílias recém chegadas do seringal, que na maioria não conseguiam trabalhos fixos, mas viviam de “bicos”. Isso fica evidente na matéria veiculada no jornal “Varadouro” a respeito da atuação da COHAB-AC:

Se em outros estados os programas habitacionais do Governo não resolveram o problema de moradia da classe trabalhadora [...] aqui é que os tais programas mostraram-se insuficientes para atender as necessidades de habitação e cheios de desvios em suas finalidades. Basta dizer que até agora [1979] a Cohab-Acre construiu cerca de 500 unidades, e o único conjunto ‘bem sucedido’ o da Cohab do Bosque foi destinado à classe média. Nele moram advogados, professores universitários, funcionários públicos graduados, técnicos e outros profissionais liberais [...] (VARADOURO, 1979, p.10).

As ações desenvolvidas pelo Estado durante o governo Dantas eram apenas uma extensão do que acontecia no Brasil, no entanto nesta parte da Amazônia apresentaram suas peculiaridades, em todo caso seringueiros e posseiros foram os mais afetados com a implantação do “moderno”. Não quero dizer que o sistema de aviamento fosse bom, que o seringueiro estivesse feliz no seringal, contudo eles não puderam escolher por si mesmos onde queriam ficar. Foram forçados a vir para as cidades, principalmente para Rio Branco, principal pólo de atração dos migrantes, fato este demonstrado nos relatos dos seringueiros quando afirmam que a maioria deles não tinha idéia das dificuldades que encontrariam na capital acreana, pois muitos alimentavam a esperança de encontrar trabalho, moradia, pôr os filhos na escola.

Importante considerar que analisamos esse processo de adaptação ou mesmo de resistência do seringueiro na periferia de Rio Branco a partir do seu ponto de vista,

através de seus depoimentos, tendo como perspectiva teórica e política, a “história vista de baixo”.

Nesse sentido, o propósito norteador da investigação histórica é reconstituir as várias representações que os ex-seringueiros fizeram a respeito de si próprios e para isso usaremos como fonte relatos e depoimentos coletados nos jornais “Varadouro” e no boletim “Nós Irmãos”, assim como entrevistas anexas ao trabalho “Seringueiro – Memória, História e Identidade” produzido pelos discentes do Curso de História, sob a orientação da profª Drª Maria José Bezerra, docente da disciplina Metodologia da Pesquisa Histórica, na época também coordenadora do Centro de Documentação e Informação Histórica - CDIH.

Os dados oficiais veiculados através da propaganda no rádio ou de jornais impressos ou mesmo nos relatórios de governo procuravam mostrar que os benefícios da política de Dantas foram estendidos a toda população. No entanto comparando-se esses com os da imprensa alternativa (Varadouro) que surgiu naquele contexto como estratégia de resistência à ditadura militar, foi possível constatar uma enorme divergência nas informações.

Olhando de fora, é fácil afirmar que o deslocamento de seringueiros e posseiros do campo para a cidade, não trouxe benefícios para eles e, que o melhor seria que tivessem ficado nos seus locais de origem, visto as grandes dificuldades que a maioria deles enfrentou ao chegar a Rio Branco acarretando com isso uma série de mazelas sociais como furtos, prostituição e vários tipos de violência que passaram a assolar Rio Branco, desde então. Todavia, analisando os relatos dos próprios seringueiros não é possível sustentar esta tese, visto que a maioria via na cidade uma forma de melhorar a vida, passando a ter acesso a serviços que a zona rural não oferecia como saúde e educação.

Aqueles que de alguma forma conseguiram refazer suas vidas, e que conseguiram alcançar um nível de vida melhor que a oferecida nos seringais não pretendia de forma alguma retornar para suas antigas posses, conforme depoimento do seringueiro Anderson Sena de Araújo, que ao ser questionado se tinha vontade de voltar a viver no seringal afirma o seguinte: “Deus me defenda, apesar de tudo eu prefiro dez mil vezes aqui. A vista do que a gente morava no seringal, a gente já tem tudo, lá não tinha nem um rádio desses [igual ao da entrevista] pra ouvir uma

música. Hoje eu tenho um rádio graças a Deus.” (NASCIMENTO; PINHEIRO, 1997 – entrevista com Anderson Sena Araújo em anexo).

A seringueira Antonia Baltazar do Nascimento revela opinião semelhante e diz que apesar das dificuldades prefere a cidade ao seringal “[...] pensava que os filhos iam estudar, pensava que era mais fácil o trabalho [...]. Tá dando pra passar. Noutros pontos é melhor que no seringal. [...] tenho achado bom, porque aqui tem médico, tem remédio e tem escola. Aqui tudo é mais fácil.” (NASCIMENTO; PINHEIRO, 1997 – entrevista com Antônia Baltasar do Nascimento em anexo).

Não foi só a venda dos seringais aos “paulistas” que expulsaram o homem do campo, mas todo um desejo de querer um futuro melhor principalmente para os filhos, e como o campo, colônia e seringais não apresentavam sequer uma alternativa para os menores anseios dessas famílias, a melhor saída era migrar para as cidades, e Rio Branco tinha a preferência por ser o núcleo urbano mais desenvolvido do estado. Não quero dizer que todas as famílias que vieram para a cidade de Rio Branco na década de 70 tivessem esses mesmos objetivos, quero apenas ressaltar que esse foi um motivo a mais que impulsionou o êxodo rural nesse período. A fala do senhor José Mourão Feitosa afirma que demorava “vários dias de viagem pra poder chegar pra pegar transporte. Aí o certo é que minha mãe terminou falecendo. Aí meu pai desanimou e disse: vamos embora pra cidade.” (NASCIMENTO; PINHEIRO, 1997 – entrevista com José Mourão Feitosa em anexo).

O poder público não oferecia condições para que o homem do campo ali se fixasse, pois carecia dos serviços básicos para a sobrevivência humana, juntando a isso os conflitos com os “novos donos” das terras, não sobrou nenhuma alternativa ao colono ou seringueiro a não ser migrar para as periferias de Rio Branco, onde muitas famílias passaram a viver em condições precárias e, em alguns casos precisaram recorrer ao furto e à prostituição como alternativa para garantir a sobrevivência como bem explicita o relato de Francisca Cardoso de Araújo Calixto:

[...] Os filhos se tornaram marginais. As filhas se prostituíram, muitas foram até assassinadas. Foi o caso da filha da minha vizinha, que tinha uma filha e foi pro caminho das drogas, da prostituição e por isso foi assassinada em Porto Velho-RO. E são inúmeros os casos dos filhos de vizinhos, de amigos. Eu tenho um vizinho aqui que tinha três filhos. Um filho rapaz [...] as duas filhas se prostituíram e o rapaz é envolvido com drogas. Então são inúmeros rapazes que vem pra cidade, morar na periferia e cai na marginalidade [...] (NASCIMENTO; PINHEIRO, 1997 – entrevista com Francisca Cardoso de Araújo Calixto em anexo).

Apesar da marginalização à que ficaram expostos é importante destacar que passado os primeiros momentos de “aperto” o seringueiro não se ver como o coitadinho, a vítima, no entanto ele se coloca como agente social que interage com o meio urbano através da assimilação do modo de vida citadino desenvolvendo atividades produtivas para garantir sua sobrevivência, sem abandonar, os velhos costumes trazidos dos seringais.

No documento MARILEIDE SILVA GOMES (páginas 45-50)

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