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Para que o trabalho com a leitura seja efetivo na escola precisamos ter professores bem preparados para cumprir esta missão. A formação dos professores em leitura é um importante tema que deve ser discutido e refletido antes de responsabilizar apenas o professor pelos maus resultados dos estudantes brasileiros nas avaliações em leitura. Muitas vezes os graduandos e futuros professores não têm conhecimento do verdadeiro objetivo de se trabalhar a leitura na escola. Outro agravante é que, normalmente, os alunos que ingressam nos cursos de nível superior apresentam debilidades não tratadas no ensino fundamental e médio e refletem as condições educacionais do Brasil. Em pesquisa realizada por Finger-Kratochvil (2007), a autora evidenciou tais problemas destacando que a maior parte dos estudantes do ensino superior brasileiro precisa trabalhar em tempo parcial ou integral para dar continuidade a seus estudos.

A jornada dupla de trabalho e estudos não facilita a aprendizagem para ninguém. Todavia, esse quadro se agrava quando observamos que eles não desenvolveram nem a consciência e o amadurecimento, nem as habilidades necessárias para a

continuidade de seu desenvolvimento no ensino superior. Afirmamos isso diante dos posicionamentos por eles apresentados em relação ao processo da leitura e ao ser leitor (FINGER-KRATOCHVIL, 2007, p. 9).

A respeito dos problemas enfrentados pelos alunos brasileiros nos cursos superiores, Bagno (2008) faz dura crítica aos cursos de Letras no Brasil. O autor afirma que os graduandos, geralmente, têm um histórico de letramento muito reduzido (relacionado à sua condição social), e, é somente na universidade que terão contato com os romances e textos teóricos. No entanto, logo no primeiro semestre estes alunos recebem textos complexos e com termos sofisticados, sem um mínimo de preparação para lidar com tais textos. Fica a cargo das universidades tentarem suprir a carência na formação de leitor destes alunos. Exemplo dessa realidade pode ser observado no estudo realizado por Baretta, Finger-Kratochvil e Silveira (2012). As autoras realizaram um estudo com 31 estudantes, do sexo feminino, matriculadas no primeiro semestre do curso de Letras, numa universidade do Estado de Santa Catarina. Elas adotaram os seguintes instrumentos para a coleta de dados: um teste de leitura, com questões dissertativas e de múltipla-escolha, e um questionário. Cada uma das 18 questões de compreensão foi categorizada a partir de três domínios relativos à habilidade de leitura: (a) recuperação de informação; (b) interpretação da informação e (c) reflexão e avaliação. Os resultados da pesquisa atestaram que os alunos ingressos no curso superior em Letras não têm o hábito da leitura.

Preocupa-nos, de forma considerável, o fato de estarmos reportando os dados referentes aos hábitos de leitura relativamente precários de futuros professores de língua (materna e/ou estrangeira), dados esses que se refletem, de modo lamentável, no desempenho dos estudantes-professores no teste de leitura. Diante desse quadro, é difícil ignorarmos o questionamento com relação à capacidade que esses futuros (ou já) professores terão para instruir seus alunos a serem leitores estratégicos, quando não nos parece que o sejam (BARETTA; FINGER-KRATOCHVIL; SILVEIRA, 2012, p. 12).

As autoras destacam que as debilidades dos alunos, que não foram tratadas no ensino fundamental e médio, acabam ocupando um grande espaço no ensino superior, diminuindo o tempo de discussões e aprofundamentos teóricos sobre a formação do professor de línguas. Isto dificulta ainda mais a preparação do professor enquanto formador de leitores, pois, nem ele mesmo tem consciência dos processos envolvidos na leitura, muito menos das estratégias necessárias para a sua compreensão.

Além do fato dos alunos do ensino superior apresentar habilidades de leitura frágeis, podemos destacar a falta de consideração das teorias da ciência cognitiva e da Psicolinguística, nas ementas curriculares dos cursos de Letras, como aponta a pesquisa de

Geron e Finger-Kratochvil (2014). A pesquisa evidenciou como o trabalho com a leitura tem sido apresentado na formação dos professores da região oeste de Santa Catarina, em relação às propostas de ensino das universidades e as teorias cognitivistas sobre a leitura. As autoras constataram que existem lacunas nas universidades da região com relação à formação de nossos professores no trabalho de desenvolvimento da leitura em sala de aula. A maioria das universidades não leva em consideração a relevância e os estudos das ciências cognitivas, em especial da Psicolinguística, para a formação de leitores proficientes. Poucas são as instituições e as ementas que focam o trabalho a partir de uma abordagem psicolinguística dos processos de leitura.

O conhecimento dos processos cognitivos envolvidos na leitura por parte do professor pode contribuir para melhorar as condições de leitura dos nossos estudantes. O professor é peça-chave no ensino da leitura, mas precisa estar devidamente preparado para este trabalho. Kleiman (2012) afirma que conhecer os processos cognitivos da leitura é importante para o desenvolvimento de estratégias adequadas no processo de compreensão do texto. Smith (2003) aponta que os educadores necessitam de um sério embasamento científico sobre os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão. É fundamental que o professor tenha conhecimento dos processos cognitivos envolvidos na leitura para conduzir seus alunos na utilização destes processos no ato de ler e, assim, formar leitores estratégicos. No entanto, as descobertas e avanços de diferentes ciências como a Psicologia Cognitiva e a Psicolinguística, não têm adentrado os currículos de formação de professores e os preparado para a formação de leitores proficientes em nossas escolas. Se os educadores não têm uma formação de acordo com as necessidades e desafios, para assim, desenvolverem com sucesso trabalhos de leituras nas salas de aula, certamente, será cada vez mais difícil reverter os maus resultados nos indicadores nacionais e internacionais que avaliam nossos alunos leitores. A formação de cidadãos que saibam interagir, dialogar e refletir com o mundo à sua volta é ainda um grande desafio na educação brasileira.

Os dados revelados até aqui, nos fazem refletir sobre a complexidade dos problemas relacionados à leitura. De um lado, temos alunos que saíram do ensino médio sem hábitos de leitura, ou seja, não tiveram uma formação leitora adequada, e de outro lado, temos uma universidade que precisa suprir essa carência teórico-prática e formar futuros professores formadores de leitores. Souza (2012) questiona como é possível que os professores ensinem a ler quando eles mesmos não são exemplo de leitores, não conhecem o objetivo de ensino e aprendizagem e não compreendem os princípios de representação, organização e funcionamento da escrita. Por esta razão, antes de qualquer coisa, os professores precisam ser

bons leitores e necessitam de prática constante de leitura, para então, começarem a ensinar seus alunos a ler. Para tanto, eles precisam ser preparados para este trabalho no nível superior. Se as dificuldades de leitura dos calouros dos cursos de licenciatura não forem superadas durante a graduação, os problemas de leitura que cercam o ensino brasileiro persistirão, pois, conforme Souza (2012), trata-se de um círculo vicioso. Necessitamos romper com este ciclo a partir dos cursos de formação inicial e continuada de professores, para então, formarmos estudantes proficientes em leitura.

Outro agravante, é que depois de formados, e já inseridos no marcado de trabalho, os professores se deparam com um sistema educacional cheio de falhas e enfrenta situações precárias de trabalho. Kleiman e Moraes (1999) afirmam que o trabalho do professor é alienante, porque ele está sobrecarregado de burocracias, como as exaustivas horas de trabalho em sala de aula, a falta de tempo para o planejamento e reflexões junto aos colegas, e tempo para estudo. Além de serem mal remunerados e desprestigiados na sociedade. Todos esses fatores são de grande influência quando os professores participam de cursos e projetos de formação continuada. Tais fatores tornam o trabalho de reversão dos maus resultados em leitura ainda mais difícil e não podem ser desconsiderados, já que o foco desta pesquisa está centrado no professor.

De acordo com Cunha, precisamos tomar atitudes urgentes para solucionar os problemas de leitura e formação do professor de leitura que cercam o nosso país. Segundo a autora “seria importante um mutirão que, a curto prazo, ajudasse esses profissionais/ educadores a, eles próprios, descobrirem a tal senha, e/ou se aperfeiçoassem como mediadores de leitura” (CUNHA, 2008, p. 14). Assim, o governo e também instituições de ensino superior precisam ampliar as estratégias de formação continuada que deem conta de sanar as falhas de formação dos profissionais que trabalham com leitura, seja por meio da promoção de cursos de formação de professores, divulgação e aquisição de obras técnicas e de pesquisas sobre o assunto para esses profissionais.

Para que possamos iniciar uma ação efetiva precisamos compreender quais são as carências teóricas dos nossos professores e onde precisamos agir para tentar mudar a situação do ensino da leitura nas escolas. Pesquisas recentes foram realizadas com o intuito de analisar se as concepções de leitura e a proposta de ensino da leitura dos professores brasileiros estão em consonância com as atuais exigências. Na próxima seção verificaremos quais são os resultados que foram obtidos nos últimos dez anos através de pesquisas na área da Psicolinguística.

2.5 PESQUISAS SOBRE A CONCEPÇÃO E O ENSINO DA LEITURA POR PARTE DOS