• Nenhum resultado encontrado

Formas nominais de tratamento e marcadores discursivos interacionais

5.2. NÍVEL DA ENUNCIAÇÃO

5.2.1. Formas nominais de tratamento e marcadores discursivos interacionais

O autor do canal utiliza diversas formas nominais de tratamento para se dirigir a uma segunda pessoa na interlocução e é recorrente o uso de diferentes

marcadores discursivos interpelativos para manter a interação e o fluxo de conversa nos momentos em que o Motoboy está sozinho. O trecho abaixo exemplifica o uso desse recurso linguístico:

Exemplo 58

[...] acho que não dá tempo não... mai vamo aí cuzão... fazer o que? ... vai que cola... vamo vamo ver o que nói consegue... vamo tentar maximizar esse processo aí... tá ligado cuzão? desse jeito que é cachorrera... certo cachorro?... virge mano... (V5)

No exemplo acima observa-se que, num curto trecho de sua fala, o Motoboy utiliza diversas formas para nomear seu interlocutor. Esses itens lexicais do

corpus analisado podem ser divididos, portanto, em:

(i) Forma nominal de tratamento: usada para se dirigir a uma segunda

pessoa; essa interlocução pode ocorrer com alguém na rua, seja com um outro condutor no trânsito, um cliente, um atendente ou recepcionista nas empresas e prédios ou mesmo alguém na calçada; ou com sua audiência imaginada do vídeo no YouTube, isto é, quando fica claro a quem o falante se dirige;

(ii) Marcador discursivo interacional interpelativo: usado para manter o

fluxo conversacional, tem a “função de invocar ou chamar a atenção do interlocutor para o ato da interação, possibilitando, assim, a sua progressão” (MARIANO, 2014, p.43).

Portanto, no exemplo (54) acima, os termos grifados são categorizados como marcadores discursivos, visto que sua função é a de manter o fluxo da interação. Analisando as principais formas nominais do corpus para fazer referência a um interlocutor, pode-se citar os seguintes itens lexicais:

Tabela 3: Lista e número de ocorrências das formas nominais de tratamento e marcadores

discursivos interacionais interpelativos.

Item lexical N Mano 205 Véi(o)/Velho 108 Meu 80 Tio(a) 69 Mu(o)leque 51 Cachorro 24 Irmão 21 Fi(o) 17 Cachorrera 15 Cara 14 Meu irmão 10 Cuzão 9 Brother 9 Truta 8 Amigo 6 Nego 6 Tiozinho 5 Garoto 3 Moça 3 Rapai 3 Rapaziada 3 Colega 2 Meu jovem 2 Tiozão 2 Brow 1 Doido 1 Meu fio 1 Jão 1 Jow 1 Man 1 Manezão 1 Moçada 1 Molecote 1 Nego véio 1 Nego velho 1 Rapaiz 1 Pai 1

Muitos desses itens, principalmente os mais utilizados, são empregados em alguns momentos com o acréscimo de um adjetivo ou mais um adjetivo, como é o caso de “muleque doido” que ocorre quatro vezes no corpus pesquisado. A maior parte dos itens acima tem função de marcador discursivo interacional interpelativo, como vemos nas exemplificações a seguir:

Item lexical Exemplos Descrição amigo boa tarde amigo... eu tenho que retirar um material aí da

M.... tá aí com você na portaria... (V22)

Forma nominal de tratamento (porteiro)

cara

a) todo mundo achando que eu tô louco andando de capacete sem tirar o capacete falando sozinho ((risos)) que barato que é cara... (V3)

b) E cara mai que painel é esse aí? (V22)

MD interacional interpelativo

Forma nominal de tratamento (outro motociclista na rua)

cachorro

só coloca aqui tá nos favoritos já... fácil fácil né

cachorro?... talvez o vídeo fique um pouquinho longo...

mas eu peço pra vocês que assistam até o final porque agora a gente vai catar a marginal cachorro... e se ele ficar muito extenso eu faço em parte um parte dois... e agora vamo ver o que nói desenrola né? (V2)

MD interacional interpelativo

doido cada um com seu mérito doido não tiro o mérito de

ninguém... tendeu? (V33) MD interacional interpelativo

fi(o)

a) só num carrega fio se num der memo se num tiver jeito memo se não fio vem vem vem cum pai... (V34)

b) final de semana os cara tá de horneteira fi os motoboy... tá pensando o que? (V23)

MD interacional interpelativo

garoto

a) ô garoto... será que eu consigo colocar a moto ali? b) ô garoto brigado hein? nóis... ((buzina)) (V2)

Forma nominal de tratamento (menino que

cuida das motos)

manezão manezão... com aquela camisa xadrez de de de de de a

novinha não me quer só porque eu vim da roça... (V23)

Forma nominal de tratamento (condutor de

outro veículo)

mano

a) ó o Jack... o Jack tá nervosão hein... nóis também... vamo embora mano dessa porra... abriu o farol... vamo embora... ai ai... (V2)

b) só vou deixar uma mensagem pra vocês né mano? (V2)

MD interacional interpelativo

meu aí o que que eu fiz né meu? (V1) MD interacional interpelativo

meu jovem

a) opa... beleza meu jovem?... legal?... é na casa do Rafael que eu vô... (V23)

b) opa, boa noiTE...boa noite meu jovem... (V23)

Forma nominal de tratamento (lixeiro e pessoa

na rua)

muleque muleque doido

a) só que cê num nega serviço muleque... (V34)

b) eu não sei esses dois a qual eu estou me referindo mas os que eu vejo com adesivinho colado muleque... (V3) é muleque doido tamo fazendo o serviço da M... (V22)

MD interacional interpelativo

rapaziada

a) então eu vou ficando por aqui... até o próximo vídeo

rapaziada... (V2)

b) então é isso aí rapaziada eu vou parando o vídeo por aqui... (V33) Forma nominal de tratamento (expectadores do vídeo) tio tiozinho tiozão

a) Isso aí mano o negócio é ser feliz tio... (V2) b) cuidado tiozinho... (V2)

c) tirei a chave da motinho?... tirei... eh tiozão... vamo lá fazer essa entreguinha de boas:::... (V3)

MD interacional interpelativo Forma nominal de

tratamento (pessoa na rua) MD interacional interpelativo

Outro estudo que também observou o emprego de MDs interacionais e formas nominais de tratamento foi o Nogueira (2010) quando observou que, na

estilização paródica em esquetes de humor de rádio produzidas por humoristas com

personagens que caracterizavam os manos paulistas, era muito frequente o uso de “mano”. Para a autora (NOGUEIRA, 2010), a palavra “mano” era ecoada a todo momento nos esquetes. Da mesma forma, coincide com os resultados obtidos a partir da fala do Motoboy, o uso de MDs como “cara” e “truta”. É interessante observar, no entanto, que itens lexicais empregados nos esquetes como “piolho”, “dom”, “preto jóia” e “pivete” não foram encontrados no corpus dessa pesquisa, apesar de já termos observado que o Motoboy usa “pivete” em outros vídeos.

Em nossa pesquisa, pudemos constatar que o Motoboy usa itens lexicais bastantes comuns no Brasil como “irmão”, “rapaz”, “garoto”, “moça”, “amigo”, porém esses não estão entre os itens mais utilizados por ele. Aqueles aos quais o Motoboy mais recorre são “mano”, “meu”, “véio”, dentre outros, configuram a fala paulistana, sendo “mano” mais frequente e que também é associada às camadas populares paulistanas.

Observamos, no entanto, outros itens como “cachorro”, “cachorreira”, o primeiro mais frequente, que estão mais relacionados ao grupo social do qual faz parte: os motoboys, motociclistas, motoqueiros. Além desses, foram identificados também itens como “man”, “brother”, os quais, oriundos da língua inglesa, são mais globalizados, entretanto, esses dois últimos não estão entre os itens mais empregados.

Dessa forma, o autor do canal explora muitos itens lexicais, mas reforça seu estilo por meio daqueles que estão mais associados a seu espaço mais local: São Paulo, a periferia paulistana e seu pedaço, o grupo dos motoboys, o grupo das camadas populares.