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A primeira observação de campo realizada para fins de pesquisa ocorreu em fevereiro de 2011, ainda no mestrado. Nessa oportunidade, visitamos três agências de motoboys, uma delas na região da Vila Catarina e duas delas na região do Brooklin Paulista e uma empresa que contratava os serviços de um motoboy autônomo na região da Lapa.

As duas agências de motoboy localizadas na região do Brooklin Paulista estavam próximas do Centro Berrini e ambas contratavam os motoboys e os registravam; porém, a agência (1) pagava um salário fixo mensal e disponibilizava as motos da empresa aos motoboys enquanto que a outra (2) pagava por produção e as motos utilizadas nas entregas pertenciam aos próprios motoboys. O ambiente das duas agências era semelhante: algumas cadeiras ou sofás em que os motoboys ficavam sentados aguardando as ordens de serviço (OS). As motos ficavam estacionadas no corredor da agência e outros funcionários cuidavam do atendimento telefônico e da organização das OS. O fluxo de entrada e saída de motoboys era grande e, na agência (2), a quantidade de motoboys aguardando serviço era maior. Já na agência (1), era evidente que havia uma maior preocupação com a logística de entregas e, por esse motivo, os motoboys não ficavam parados por muito tempo.

A agência (3), localizada numa região mais distante dos centros financeiros da cidade, era menor e tinha poucos motoboys. Além disso, ela tinha também o serviço de entregas por carro. Era pequena e com pouco espaço para circulação em seu interior.

Nessa ocasião, foram realizadas cinco entrevistas, sendo três com motoboys (agências 1 e 2 e motoboy autônomo) e duas delas com os proprietários das agências (agências 1 e 3). A partir dessas conversas, foi possível verificar a diversidade de formas de trabalho do motoboy e foi possível notar também que é não é raro o dono de uma agência de motoboys ser um ex-motoboy. Além disso, os relatos mostraram que é comum o motoboy mudar de forma de trabalho como, por exemplo, sair de uma agência e ser contratado por uma empresa ou se tornar autônomo. O motoboy das agências eram, normalmente, iniciantes na profissão.

Num segundo momento, já em 2015, foi feita observação do fluxo de motoboys em alguns bolsões no Centro da Paulista, sendo o mais movimentado deles o bolsão em frente ao Conjunto Nacional. Nessas ocasiões, foi possível conversar rapidamente com 20 motoboys (aproximadamente 10 minutos) e mais demoradamente com 2 motoboys e um guardador de motos.

De modo geral, é possível constatar que esta é uma profissão majoritariamente exercida por homens. Apesar de ser sabido que há mulheres na profissão, em nenhuma das ocasiões foram vistas mulheres trabalhando. A idade dos motoboys observados variava bastante entre 21 e 48 anos. E o local de residência de todos os motoboys era bastante afastado dos centros financeiros da cidade. Alguns deles moravam em cidades da região metropolitana, como Osasco, Santo André, Taboão da Serra, Mogi das Cruzes.

Após o horário comercial, por volta das 18 horas, foi possível ter uma conversa mais longa com dois motoboys e o guardador de motos de um bolsão. Durante essa conversa, surgiu o assunto a respeito do “Tiozão da Hornet”, também conhecido como “Klebão”, motoboy que ficou conhecido pelos vídeos que postava no YouTube, dando início ao sucesso da motofilmagem no Brasil. Nessa conversa, ficou evidente que motoboys e outros motociclistas tinham o costume de assistir a vídeos sobre motocicletas e velocidade na internet. Ao mesmo tempo que demonstravam admiração pela coragem com que o motofilmador conduzia a moto em alta velocidade, também relatavam que era uma atitude perigosa.

Em outro momento da conversa, um dos motoboys relatou que naquela semana um colega de trabalho havia falecido em um acidente de trânsito em horário de trabalho. Esses assuntos, como velocidade, acidente e riscos da profissão foram, portanto, tematizados pelos próprios motoboys.

Nesses dois períodos de trabalhos de campo, foi possível perceber que, pela presença de um interlocutor diferente, no caso uma pesquisadora, havia um monitoramento bastante relevante da fala dos motoboys. Dessa forma, seria possível, por meio de questionários, conhecer mais sobre o perfil dos motoboys, mas, para captar a fala menos monitorada, ou a casual speech, tal como definida por Labov (2001), seria difícil nessa interação entre pesquisadora e pesquisados pelas diferenças em relação aos papéis sociais de ambos os atores e pela diferença de gênero.

Tendo em vista que nosso objetivo é o de compreender a construção identitária do motoboy paulistano, o canal selecionado para pesquisa, Motoka Cachorro!!!, fornece, ao contrário das entrevistas e questionários, vídeos em que o Motoboy se grava durante seu cotidiano de trabalho em uma interação em que tem como audiência seus pares, isto é, seu grupo de pertencimento: outros motoboys ou mesmo outros motociclistas. Dessa forma, é possível ter contato com uma fala menos monitorada.

A seguir, para compreendermos a forma como o motoboy-autor dos vídeos constrói a identidade por meio de sua fala, veremos como a literatura pode nos auxiliar na discussão a respeito da relação entre culturas e identidades na contemporaneidade.

Identidade

Preciso ser um outro para ser eu mesmo

Sou grão de rocha Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando o sexo das árvores

Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço

II

CULTURAS E IDENTIDADES: ELEMENTOS PARA ANÁLISE DO

ESTILO LINGUÍSTICO