• Nenhum resultado encontrado

TÓPICO 1 - SOCIOLOGIA NORTE-AMERICANA

2.2 FORMAS SIMBÓLICAS

A teoria das formas simbólicas de Pierre Bourdieu está intimamente associada à noção de cultura, que em sua sociologia é resumida como conjunto de valores, normas e práticas adquiridos e compartilhados por uma pluralidade de pessoas. Para ele, existe também o campo da produção cultural que possui relativa autonomia, pois é constituído por produtores especializados.

A cultura não é apenas um conjunto de obras, mas sim um conjunto de esquemas de percepção. Ou seja, ela determina a forma de descrever e interpretar o mundo conforme a posição do indivíduo no mundo social, ou seja, é determinada também pela classe à qual o indivíduo pertence.

As diversas percepções de mundo estão sempre em conflito, pois as classes buscam o seu domínio social mediante a imposição de seus esquemas e percepções culturais, mas a aceitação deste domínio pelas outras classes não é algo automático e natural.

O conjunto cultural de uma classe pode se tornar a chamada cultura legítima, ou seja, aquela que é aceita como a dominante em todos os grupos. Ela é, portanto, legítima, e assim ficou por um longo trabalho de legitimação, afinal nada a justifica ou obriga os outros a aceitarem suas proposições.

Este conflito cultural e de imposição entre as diferentes visões de mundo são chamados por Bourdieu de conflitos simbólicos, pois não se dão por meio da força física, mas sim da imposição de valores culturais entre as classes. As visões de mundo são impostas de acordo com o interesse dos agentes e se referem “[...] tanto à posição objetiva no espaço social (o lado objetivo) quanto às representações que os agentes fazem do mundo social (o lado subjetivo)” (BONNEWITZ, 2003, p. 98).

O primeiro aspecto importante deste conflito é a definição pela classe do que é importante para aquele grupo social, afinal isto se torna legítimo e é o que deve ser mantido no domínio. Esta citação explica bem o que estamos falando:

A realidade social é também uma relação de sentido, e não somente uma relação de força: toda dominação social, a menos que recorra pura e continuamente à violência armada, deve ser reconhecida, aceita como legítima. Isto supõe a mobilização de um poder simbólico, poder que consegue impor significações e as impor como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da sua força. Desse ponto de vista, as relações sociais são também relações de concorrência entre arbítrios culturais (culturas). Como elas se referem ao campo simbólico, Bourdieu propõe que sejam chamadas “lutas de classificação” (BONNEWITZ, 2003, p. 99).

A chamada violência simbólica se resume, assim, à imposição das categorias de percepção do mundo social, dos esquemas de percepção.

Para que isto de fato aconteça, Bourdieu defende a tese de que estas representações dominantes, expressas nas opiniões comuns, nas crenças estabelecidas, nas ideias preconcebidas, só se impõem aos grupos sociais por meio de um processo de condicionamento, que só funcionaria se cumpridos dois fatores.

O primeiro fator seria a racionalização de exigências particulares, como, por exemplo, a possibilidade da liberdade. Ela é uma exigência de todos os povos e se estende mesmo aos analfabetos ou àqueles que vivem em total dependência econômica. Ou seja, a categoria de liberdade, por exemplo, é proposta em nome da razão e da ciência, mas na prática é uma relação de força cultural que a mantém. O segundo fato, associado ao primeiro, é a linguagem. Ela possui um papel muito importante para definir o que é legítimo, pois tem a capacidade de fazer as coisas existirem de outra forma ou mesmo pode abolir sua existência. Os grupos dominados, como grupos sexuais, de idade, étnicos, religiosos, entre outros, são objeto de discurso que deprecia sutilmente sua existência, dando-lhes uma identidade negativa (BONNEWITZ, 2003).

A transmissão das crenças impostas se dá pelas instituições sociais, que conseguem inclusive instituir a realidade. Elas impõem definições de realidade às quais os agentes dão crédito total, funcionam como autoridades. Alguns atores sociais conseguem impor suas representações porque estão à frente destas instituições, que podem ser escolas, organizações religiosas, políticas, ou mesmo a mídia (BONNEWITZ, 2003).

As instituições têm o poder de atribuir títulos, rotulando e consagrando os agentes nelas envolvidos. Isto provoca no agente a necessidade de corresponder seus comportamentos às instituições e, assim, estas influenciam as representações que eles têm da realidade. Mas, para que haja esta eficácia simbólica, é necessário que o agente esteja preparado para se submeter à instituição. Este processo de legitimação também está ligado às práticas culturais das classes sociais.

O espaço social possui em seu interior constantes lutas relacionadas ao acúmulo do capital simbólico, como explica a citação a seguir:

Nenhuma propriedade objetiva pode existir se não for objeto de uma representação que acarrete a adesão. Viver como um morador de rua e dispor, ao mesmo tempo, de um patrimônio elevado suscitará desaprovação; ao contrário, exibir sinais de riqueza disfarçando uma miséria objetiva garantirá um certo reconhecimento social. A diferença está no capital simbólico. Efetivamente, importa ver que, socialmente falando, uma coisa existe a partir do momento em que se crê que ela existe, e inversamente ela não existe se não se crê na sua realidade. Nesse sentido, pode-se dizer que o capital simbólico é um crédito (no sentido, ao mesmo tempo, de crença e de confiança concedida antecipadamente) posto à disposição de um agente pela adesão de outros agentes, que lhe reconhecem esta ou aquela propriedade valorizante (BONNEWITZ, 2003, p. 103).

O espaço social funciona baseado no desejo de distinção dos agentes, de quererem possuir uma identidade própria que permita o pertencimento a um grupo, ou seja, que faça o agente existir socialmente. Assim este indivíduo adquire visibilidade, é visto pelos outros, reconhecido, e possui um sentido para sua existência.

Por este motivo os agentes sentem necessidade de transferir uma propriedade objetiva em capital simbólico, pois conseguem dar aos outros a ideia de algo que de fato não existe, mas que, à medida que pensam que existe, dará aos indivíduos proveitos positivos.

Assim, “[...] isto supõe que os agentes dominantes devam construir uma reputação, isto é, acumular capital simbólico, fazendo com que se creia em seus méritos” (BONNEWITZ, 2003, p. 103). Assim eles passam a ser valorizados e reconhecidos pelos dominados, em virtude deste carisma composto pelo capital simbólico. Desta forma eles assumem um poder de mando com relação aos dominados.

Por isto muitos agentes com talentos comuns, mas que estavam em circunstâncias propícias e auxiliados pela mídia, por exemplo, conseguem chegar e se legitimar em campos e posições de poder para os quais não possuem competências específicas.

Esta acumulação de capital simbólico explica também as práticas culturais, pois as classes dominantes possuem mais acesso aos bens culturais: vão a museus, ao teatro, compram mais livros e vão a bibliotecas. Assim, isso não ocorre em virtude apenas da desigualdade econômica, mas também das estratégias de distinção social. “A luta de classes no cotidiano se apresenta mais frequentemente sob a forma irreconhecível e eufemizada da luta pela hierarquização legítima das diversas práticas, isto é, da luta pelas classificações sociais” (BONNEWITZ, 2003, p. 104).

Para Bourdieu, portanto, os bens culturais são hierarquizados e classificados, opondo, por exemplo, o golfe e o futebol. Desta forma, o consumo destes bens classifica também os agentes que os consomem, opondo-se a determinadas práticas e gostos e se alinhando a outros.

O campo cultural classifica, portanto, do mais legítimo ao menos legítimo, de acordo com a dominação simbólica vigente, o que permite aos agentes criar suas estratégias de distinção, que podem ser expressas em diversas ocasiões: festas, decoração de casas, turismo, apreciação esportiva, entre outros.

Assim, o gosto é, para Bourdieu, uma forma de integração do agente em uma determinada classe social, mas é também uma forma de exclusão dos indivíduos de outras classes e outros grupos sociais.

3 NORBERT ELIAS

Norbert Elias foi um sociólogo natural da Alemanha, mas que encontrou na França o espaço necessário para o desenvolvimento de sua prática sociológica. Na verdade, ele residiu na Alemanha, França, Inglaterra e Holanda. Estudou na Alemanha e teve influências de todos estes lugares em sua obra, mas foi na França que colocou em prática a sua sociologia (HEINICH, 2001).

Partindo da teoria das formas simbólicas de Bourdieu, podemos observar em nossa realidade diversos exemplos de dominação cultural. Observe criticamente a realidade atual na qual você vive, identifique uma situação de dominação e descreva as relações sociais existentes e o processo de domínio identificado. ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ AUTOATIVIDADE DICAS

Se você se interessou pela obra de Pierre Bourdieu, sugiro que inicie suas leituras pelo livro “Bourdieu & a Educação”, escrito por Maria Alice Nogueira e Cláudio Marques Martins Nogueira, publicado em 2006 pela Editora Autêntica. Os autores apresentam alguns conceitos de forma bastante didática e de fácil compreensão e também analisam sua utilização no campo da educação.

FIGURA 14 – NORBERT ELIAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/chbr6t>. Acesso em: 1 maio 2012.

FONTE: Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$norbert-elias>. Acesso em: 1 maio 2012.

Sociólogo alemão, Norbert Elias nasceu em 1897, na então cidade alemã de Breslau (atual Wroclaw, Polônia), e veio a falecer em 1990, nos Países Baixos, onde passou a fase final da sua vida. Com formação de base nas áreas da medicina, filosofia, psicologia e sociologia, lecionou na Universidade de Heidelberg (1924-29) e na Universidade de Frankfurt (1939-33), onde teve Karl Mannheim por colega. A ascensão do nazismo forçou-o a abandonar a Alemanha em 1933, tendo-se estabelecido na Grã-Bretanha após uma passagem por Paris. Só voltou a lecionar após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando aceitou os convites da Universidade de Leicester (1954-62), da Universidade do Ghana (1962-64) e do Zentrum für Interdisziplinare Forschung em Bielefeld, na Alemanha. A obra que lhe granjeou seguidores teve um impacto mínimo quando da sua primeira publicação em 1939; trata-se de Über der Prozess der Zivilisation. Nesta, o autor analisa a formação e a consolidação dos Estados na Europa e inter-relaciona-a com as alterações nos padrões individuais de comportamento e de personalidade, recorrendo a interessantes fontes ilustrativas, como sejam as das regras de etiqueta. Esta interdependência entre os indivíduos e a sociedade em que vivem é recorrente nas obras de Elias e as suas consequências teóricas correspondem à linha da figurational sociology com a qual o autor se identifica. As influências de Max Weber e de Freud são detetáveis na sociologia de Elias. As suas obras principais: Über der Prozess der Zivilisation (1939); Die Höfische Gesellschaft (1969); Was ist Soziologie? (1970); The Loneliness of Dying (1982); Involvement and Detachment (1986); Die Gesellschaft der Individuen; Studien über die Deutschen (1989).

Um dos temas que interessou muito a Elias foi o estudo da sociedade de corte da França, quando ele aproveita para estudar as transformações políticas, militares e econômicas das sociedades feudais em monarquias absolutas.

Para Elias, como na monarquia absoluta o poder de fiscalidade (a cobrança de impostos) e o poder do uso das armas estão centralizados nas mãos do rei, o soberano adquire maior autonomia com relação à nobreza, que passa a depender dele. Antes, na sociedade feudal, a nobreza possuía maiores privilégios e poderes, constituindo-se em uma classe que também determinava os futuros sociais.

Esta situação fazia do rei e dos demais membros da casa real prisioneiros das próprias regras de etiqueta e comportamento, pois elas garantiam o domínio com relação às outras classes, e eles não poderiam se descuidar de seguir as próprias regras. O cerimonial determinava as relações entre os membros da corte, e uma fuga a estes comportamentos provocaria descontentamento das outras classes que possuíam algum privilégio, por medo de perder seu domínio baseado nestas regras de etiqueta e cerimonial.

A sociedade de corte possuía, de acordo com Elias, três princípios de funcionamento: o primeiro, a relação entre proximidade e distância, o segundo, a redução da identidade à aparência e o terceiro, a superioridade baseada na submissão.

A relação entre proximidade e distância se dá na localização espacial: como os palácios eram organizados, de acordo com hierarquias das relações internas entre sexos, categorias sociais, entre outras hierarquias.

No segundo princípio, na aristocracia de corte a aparência definia a representação dos outros com relação à sua categoria social. A posse de uma habitação grandiosa não determinava a riqueza, mas o estatuto social e o reconhecimento dos outros da pertença a uma classe superior.

E, de acordo com o último princípio, seria submetendo-se a regras de etiqueta da corte e obedecendo integralmente ao soberano que a aristocracia se mantinha distante da burguesia e das demais classes.

DICAS

A análise da sociedade de corte foi escrita por Elias no livro “A Sociedade de Corte”, publicado em 1969 e traduzido para o português em 1987 pela Editora Zahar.

Estes princípios provocavam uma diferenciação da sociedade de corte aristocrática com relação às outras classes sociais, no entanto causavam também uma concorrência, sobretudo com a burguesia, que buscava sempre ascender na escala social. Em virtude desta luta, cada vez mais os aristocratas criavam novas regras de conduta com relação aos seus hábitos, no intuito de afastar os burgueses e se diferenciar deles por meio dos comportamentos e da etiqueta, que podemos chamar também de regras de civilidade.

O nível de exigência destas regras passava a ser cada vez mais elevado, para discriminar quem não fosse da corte. Esta competição pela apropriação da diferença é o motor do processo civilizatório, para Elias. Este processo gera em si mesmo competências psicológicas específicas: a arte de observar os semelhantes, a arte de manejar os homens, a racionalização e o controle dos afetos, a incorporação de regras de civilidade – características do “processo de civilização” (HEINICH, 2001, p. 28).

Documentos relacionados