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TÓPICO 1 - SOCIOLOGIA NORTE-AMERICANA

2.1 HABITUS

A palavra “habitus” tem como origem histórica a tradição escolástica medieval, sendo a tradução latina da noção grega de "hexis", utilizada por Aristóteles. Hexis referia-se a um estado adquirido e estabelecido do caráter moral que orienta nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, a nossa conduta. Com o filósofo Tomás de Aquino a noção se expande, adquirindo o sentido de disposição durável suspensa a meio caminho entre potência e ação propositada. Émile Durkheim utilizou-se da noção para designar um estado geral dos indivíduos, interior e profundo, que orienta suas ações de forma durável.

Por consequência de sua formação em filosofia, Bourdieu esteve envolvido nos debates filosóficos em torno da noção de habitus, porém em sua teoria do mundo social este conceito passa por uma renovação e assume um caráter delineado pela sociologia. Isto porque em Bourdieu é o conceito de habitus que articula o individual e o coletivo, além de dar a coerência entre a sua concepção de sociedade e de agente social individual (BONNEWITZ, 2003).

Portanto, o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais. Como já mencionado anteriormente, é nas pesquisas realizadas na Argélia que Bourdieu executou as experiências de campo e os trabalhos teóricos que o levaram a elaborar sua proposta para o conceito de habitus.

Considerando que o habitus é um sistema de disposições, estas são engendradas em condições determinadas e inegavelmente ajustadas a outras condições. Dessa forma, é pelo desajustamento que o habitus torna-se manifesto. Quando os argelinos dos anos 50 e 60 são lançados ao universo urbano – após serem arrancados de seu universo rural – ocorre que suas disposições passam a se ajustar ao novo ambiente, porém a partir de experiências anteriores já interiorizadas, originando uma espécie de senso prático de orientação no mundo social. Assim, o habitus é formado por dois aspectos: um objetivo – a estrutura – e um subjetivo – a percepção dos indivíduos.

A partir dessa experiência o conceito é retirado de seu contexto inicial e adquire alcance universal, definindo-se como noção mediadora que capta, nas palavras da já famosa fórmula, "a interiorização da exterioridade e a exteriorização da

DICAS

Grande parte da obra de Bourdieu, incluindo artigos e livros completos traduzidos para o português, está disponibilizada pela página da internet do Círulo Brasileiro de Sociologia, que você pode acessar em: <http://circulobrasileirodesociologia.blogspot.com. br/2010/02/bibliografia-completa-de-pierre.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

interioridade", ou seja, o modo como a sociedade torna-se depositada nos indivíduos e guia suas respostas às solicitações do mundo social (WACQUANT, 2007).

O habitus constitui-se em um sistema de disposições duradouras adquirido pelo indivíduo durante o processo de socialização, cuja interiorização permite que determinados comportamentos e valores sejam efetivados sem a necessidade de lembrar-se explicitamente das regras que os regem antes de agir. Neste sentido,

o habitus pode ser dividido em primário e secundário. O habitus primário é fruto das ações pedagógicas recebidas na infância, as mais precoces e mais antigamente adquiridas, onde predomina a influência da família. Consequentemente, produz as disposições mais duradouras.

Bourdieu defende em suas obras o conceito de habitus de classe, pois, segundo ele, toda família ocupa uma posição no espaço social, e no momento da socialização recebemos uma educação ligada a essa posição, para que possamos reproduzir espontaneamente as relações sociais existentes no momento da aprendizagem. Portanto, sujeitos situados em condições sociais diferentes vão adquirir disposições diferentes (BONNEWITZ, 2003). O habitus não é imutável, ele recebe estímulos externos que vão sobrepondo-se ao programa inicial constituído no habitus primário. Esse processo cumulativo traduz-se no habitus secundário, formado essencialmente pela instituição escolar.

Do ponto de vista teórico e analítico, os componentes formadores do

habitus são três: ethos, hexis e eidos. Ethos designa os valores em estado prático, que regulam a conduta moral diária dos seres humanos de maneira inconsciente;

hexis refere-se às interiorizações inconscientes do indivíduo ao longo de sua história em relação às posturas e disposições do corpo, uma aptidão corporal adquirida; eidos relaciona-se ao modo de apreensão intelectual da realidade, um modo de pensar específico. Bourdieu objetiva, com a utilização do conceito de habitus, resolver a dicotomia entre subjetivismo e objetivismo, constante em diversas análises sociológicas e cuja resolução tornou-se a principal característica da sociologia contemporânea.

Para facilitar a compreensão, vamos visualizar os elementos que constituem o habitus em um esquema:

Ethos: valores (dimensão normativa) Hexis: posturas (dimensão existencial) Eidos: pensamentos (dimensão cognitiva) HABITUS

Bourdieu defende então, como alternativa capaz de solucionar os problemas entre subjetivismo e objetivismo, o conhecimento praxiológico, à medida que considera as relações dialéticas entre as estruturas e as disposições estruturadas. Efetivamente,

[...] o conhecimento praxiológico não se restringiria a identificar estruturas objetivas externas aos indivíduos, tal como faz o objetivismo, mas buscaria investigar como essas estruturas encontram-se interiorizadas nos sujeitos constituindo um conjunto estável de disposições estruturadas que, por sua vez, estruturam as práticas e as representações das práticas. Essa forma de conhecimento buscaria apreender, então, a própria articulação entre o plano da ação ou das práticas subjetivas e o plano das estruturas, ou, como repetidamente refere-se o autor, o processo de ‘interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade’ (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 26).

O conceito de habitus seria então a mediação entre as dimensões objetiva e subjetiva do mundo social, conciliando a oposição aparente entre realidade exterior e realidades individuais. Assim, diante desse aspecto relacional pode-se afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados, tornando-se um conjunto de esquemas de percepção, apropriação e ação, que é experimentado e posto em prática, na medida em que o campo estimule.

A relação dialética entre subjetivismo e objetivismo está manifesta na relação conceitual entre habitus e campos, pois os segundos são as estruturas e conjunturas que pressionam e influenciam os primeiros. Neste sentido, há uma interdependência entre habitus e campos, pois o habitus não é autossuficiente para a geração da ação: ele necessita de impulso externo e não pode ser considerado isoladamente dos campos nos quais evolui (WACQUANT, 2007). Para Bourdieu, a grande maioria das ações dos agentes sociais é produto do encontro de um

habitus e de uma conjuntura, ou seja, um campo.

À medida que as sociedades tornam sua divisão social do trabalho mais complexa, ocorre um processo de autonomização de certos domínios de atividade da realidade social. Estes domínios são os campos, certos espaços de posições sociais nos quais determinado tipo de bem é produzido, consumido e classificado. A relação entre o habitus e o campo é dialética: enquanto o habitus de certa forma é determinado pelo campo, a estrutura das posições do campo é determinada pelos habitus dos agentes integrantes deste. A relação de homologia entre habitus permite a formação dos diversos campos sociais, bem como – sendo

o habitus produto de uma filiação social – ele se estrutura em relação a um campo. É através dos campos que ocorre o processo de diferenciação que distingue as funções sociais, tais como as funções religiosas, econômicas, educacionais, políticas, entre outras.

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