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1. CARACTERÍSTICAS E CONTRADIÇÕES DO OBJETO DE PESQUISA: A LEI DE

1.4. A Lei de Acesso à Informação no Brasil

1.4.1. Formatação Governamental e Tramitação do Projeto no Congresso Nacional

vale registrar os principais pontos do resgate histórico sobre a confecção da LAI, elaborado por Eneida Bastos Paes (2011), que participou ativamente do processo, na condição de membro do governo, e registrou sua experiência em artigo acadêmico.

De acordo com Paes (2011), o debate sobre a LAI teve início em 2004, a partir do Projeto de Lei nº 219/2003, de autoria do deputado Reginaldo Lopes, do Partido dos Trabalhadores (PT), que buscou apoio junto à CGU, no sentido de viabilizar seu projeto no Congresso. Inicialmente a discussão ficou restrita à Controladoria-Geral da União, primeiro no Gabinete do Ministro e, depois, no Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) 12·. Nesse sentido, em consulta realizada ao sítio da Transparência da Controladoria-Geral da União, constatei, por meio da análise dos extratos das atas das reuniões, que o acesso à informação pública foi objeto de discussão nas 15 reuniões realizadas pelo Conselho desde sua fundação, com atuação destacada, no âmbito da representação da sociedade civil, da organização Transparência Brasil. Outros atores da sociedade civil também

12 O Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), órgão colegiado e consultivo

vinculado à Controladoria-Geral da União, tem a finalidade de sugerir e debater medidas de aperfeiçoamento dos métodos e sistemas de controle e incremento da transparência na gestão da administração pública. Além disso, tem o papel de planejar estratégias de combate à corrupção e à impunidade. É composto, paritariamente por 10 representantes do Estado (Controladoria-Geral da União, Casa Civil da Presidência da República, Advocacia- Geral da União, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Ética da Presidência da República, Ministério Público da União, Tribunal de Contas da União) e 10 representantes da Sociedade Civil ( Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, Transparência Brasil, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Representante das igrejas evangélicas, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, Confederação Nacional dos Transportes, cidadão brasileiro com atuação notória e Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social).

contribuíram para o debate, a exemplo da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Depois, em 2006, também o Ministério da Justiça apresentou outra versão de anteprojeto de Lei de Acesso à Informação, com foco na compilação da legislação vigente sobre arquivos e sobre documentos sigilosos. Essas duas versões passaram a ser objeto de estudo de um grupo formado pela Casa Civil, na Presidência da República, para elaborar o Projeto de Lei de Acesso à Informação do Poder Executivo federal.

De 2006 a 2007, iniciou-se, então, uma intensa discussão coordenada pela Casa Civil da Presidência da República que criou, informalmente, um grupo de técnicos de diversos órgãos do Executivo federal para debater as propostas de direito de acesso à informação no Brasil. A CGU, o Ministério da Justiça, o Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores, entre outros, foram chamados para integrar esse grupo, que foi incumbido de fazer uma minuta de projeto de lei sobre acesso à informação.

A redação final do Projeto de Lei de Acesso foi de responsabilidade da Casa Civil, que arbitrou algumas disputas internas entre os envolvidos e formatou a versão final do Projeto de Lei. Esse Projeto foi enviado, em maio de 2009, ao Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, a iniciativa do Executivo tramitou na forma do Projeto de Lei no 5.228/2009.

Para dar prosseguimento à ação legislativa foi criada, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial de Acesso a Informações, encarregada de emitir parecer sobre a matéria. Como resultado dos debates internos e das contribuições recebidas dos representantes da sociedade civil durante as audiências públicas, a Comissão resolveu elaborar e aprovar um substitutivo ao Projeto de Lei, que aperfeiçoou significativamente a proposta encaminhada pelo Poder Executivo, pois: i) deixou expresso que as obrigações estabelecidas se aplicam a todos os poderes dos três entes federativos; ii) deixou claro que Estados, Distrito Federal e Municípios devem disciplinar, em legislação própria o funcionamento do serviço de informações ao cidadão e o e o procedimento de recurso, no caso de indeferimento de acesso às informações ou às negativas de acesso; iii) excluiu a possibilidade de prorrogações sucessivas, pela Comissão de Reavaliação, dos prazos de sigilo de informações ultrassecretas, limitando a uma prorrogação; iv) estabeleceu que os procedimentos de revisão de decisões denegatórias serão objeto de regulamentação própria no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e no Ministério Público, assegurado ao solicitante, em qualquer caso, o direito de ser informado sobre o andamento de seu pedido; v) alterou dispositivos que tratam da

utilização da Internet para que a sociedade tenha conhecimento do quantitativo de documentos sigilosos (sem divulgação do conteúdo); vi) restringiu a lista de autoridades competentes para a classificação de documentos sigilosos; vii) exigiu a revisão periódica dos documentos sigilosos; e vii) ampliou de 120 para 180 prazo para a vacatio legis.

Concluída a tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei seguiu para o Senado Federal, onde foi formalizado como Projeto de Lei da Câmara – PLC nº41/2010. De acordo com Paes (2011), no Senado, passadas diversas comissões, veio à tona a discussão a respeito das informações sigilosas, e a possibilidade de renovação dos seus prazos máximos de guarda foi posta em outro Substitutivo, apresentado pelo senador Fernando Collor de Mello. As principais mudanças propostas relacionadas às informações sigilosas pretendiam que a classificação das informações voltasse a ter quatro níveis. Também foi proposta a renovação dos prazos de guarda de documentos, que poderiam, nos termos do Substitutivo do Senado, ser prorrogados por tempo indeterminado, sempre que “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”; e a ampliação do rol de autoridades responsáveis pela classificação. Todas essas propostas de modificações fizeram com que o texto do Projeto de Lei de Acesso ficasse tramitando no Senado por mais de dois anos. Mas, ao final, as propostas feitas por meio do Substitutivo do Senado foram rejeitadas e seguiu para sanção presidencial o texto do Substitutivo construído e aprovado na Câmara dos Deputados.

Ato contínuo, a Presidente da República vetou parcialmente o Caput e o § 1º do artigo 19 e o Caput do artigo 35, do PLC nº 41/2010, por considerá-los contrários ao interesse público, cujas redações encontram-se transcritas a seguir:

Caput e § 1º do art. 19

Art. 19. Negado o acesso à informação e improvido o recurso a que se refere o art. 15, os órgãos e entidades públicas deverão informar aos Tribunais de Contas a cuja fiscalização estiverem submetidos os pedidos de informação indeferidos, acompanhados das razões da denegação, quando se tratar de matéria sujeita à fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das referidas Cortes.

§ 1º Quando se tratar de informações essenciais à tutela de direitos fundamentais, os órgãos ou entidades públicas deverão encaminhar ao Ministério Público os pedidos de informação indeferidos acompanhados das razões da denegação.

Caput do art. 35

Art. 35. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), composta por Ministros de Estado e por representantes dos Poderes Legislativo e Judiciário, indicados pelos respectivos presidentes, ficará em contato permanente com a Casa Civil da Presidência da República e inserida na competência da União.

Esses vetos, ainda não apreciados pelo Congresso Nacional13, em minha percepção, fragilizaram a Lei de Acesso à Informação, pois retirou a competência fiscalizatória dos órgãos de controles externo (tribunais de contas e ministérios públicos) nos casos de desprovimento de recurso, permanecendo, assim, todas as instâncias decisórias e recursais no âmbito do Poder Executivo.

No que diz respeito à discussão legislativa, considerando a importância da norma para o fortalecimento da democracia, observo um tratamento burocrático por parte dos atores da Câmara dos Deputados na condução da matéria, uma vez que não foram apresentadas emendas ou destaques, seja ao projeto original seja ao substitutivo. O texto elaborado pelo relator do substitutivo, Deputado Mendes Filho (PMDB), obteve consenso na Comissão Especial e, na oportunidade da votação no Plenário da Câmara dos Deputados, recepcionou 8 emendas, sendo aprovada apenas a que tratava do sigilo das informações que possam colocar em risco a segurança do Presidente e do Vice-Presidente da República, e respectivos cônjuges e filhos, que devem ser disponibilizadas apenas ao final dos mandatos. A atuação do Senado foi morna e ilimitada à tentativa de um ex-presidente da República de manter os documentos emitidos durante seu mandato sob sigilo por prazo indeterminado.

Resta demonstrado, portanto, um cenário de desinteresse político pelo assunto, nas duas casas legislativas, à medida que não houve a necessária disputa política entre governo e oposição, na defesa de seus interesses. Tal posição é corroborada pela declaração do então presidente da Comissão Especial, Deputado José Genoino (PT-SP) no sentido de que “a proposta será incluída na Ordem do Dia do Plenário assim que os temas mais polêmicos, que já estão em pauta, forem votados”. 14

1.4.2. Participação da Sociedade Civil na Formulação e na Implementação da LAI