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4. PERCURSO METODOLÓGICO

4.2. Síntese das entrevistas

4.2.3 Fragmentos da trajetória do pesquisador

Para a pesquisadora, desde muito cedo a docência fez parte de seus planos profissionais. Desde muito pequena viveu inserida no contexto escolar. Aluna de escola pública, optou pelo magistério já no término da Educação Básica. Formada na década de 90, teve sua primeira experiência como docente na Educação Infantil. Trabalhou em uma creche como berçarista, experiência esta, que, também por incentivo da psicóloga do local, a fez decidir-se por aventura-se no ensino da Educação Básica, optando assim pela rede Estadual.

Na época como estagiária, vivenciou as angústias do processo de atribuição de aulas e a certeza da instabilidade provida da contratação inicial, pois fora contratada como estagiária. Lembra-se da sua chegada à escola a qual foi designada, onde foi recebida pela secretária da mesma e conduzida a sala dos professores, onde por muito tempo permaneceu sem ser percebida pelo grupo de professores, local onde se conversava sobre tudo, menos sobre as questões pedagógicas. Conseguiu estabelecer um diálogo com apenas duas professoras, sendo uma mais experiente, mas de pouca ou quase nenhuma influência no grupo e uma também iniciante na profissão.

Em seu primeiro dia com os alunos, viveu o choque do real, pois se tratava de uma sala de aceleração, com alunos com em média 10 a 16 anos de idade, com um histórico de fracasso escolar, desacreditados da família, da escola e da sociedade. Frente a essa realidade, os sentimentos vivenciados pela pesquisadora eram de medo, abandono, tristeza, frustração e solidão. Novas experiências e a mesma sensação de começar de novo, a expectativa de ser iniciante em um novo espaço, com novo grupo de professores, gestores e alunos. Experimentou também em sua trajetória profissional a importância de ter bons professores modelos, porém, se o diálogo não era possível, a observação era a forma de apropriar-se de um fazer didático significativo.

Aprovada em concurso público para provimentos de cargo na Educação Básica da Rede Estadual, deparou-se novamente com o sentimento de incerteza em saber para onde ir, quem seria seu novo grupo de trabalho, seus alunos. Mas uma vez experimentou a dúvida, o medo e o desconforto do novo. A escola a qual deveria assumir seu cargo ficava localizada em uma região periférica do município onde mora. Foi recebida na escola com certa apatia pelo grupo e gestores, pois seu ingresso indicava a saída de outro professor. Já com os alunos, o clima foi de harmonia e descontração. Início das aulas, expectativa da nova professora, dos colegas, da escola. Na turma, 40 alunos da 1ª série, atual 1º ano, todos ávidos a aprender. Afirma ter sido afetada por esta atmosfera o que permitiu um dia de trabalho feliz. Viveu uma época em que não existia a função do coordenador pedagógico para apoiar ou intervir na fazer didático, não havia proposta de formação continuada e o diálogo resumia-se a queixas e conversas superficiais sobre projeto pedagógico, planejamento e plano de aula. Sozinha, ansiosa e sem ter com quem contar, o jeito era arriscar.

4.3. Considerações sobre as entrevistas

Ainda no tocante às entrevistas, é importante ressaltar que as mesmas se constituem num procedimento em que o conhecimento é construído a partir da subjetividade dos participantes (entrevistador/entrevistado), que exige um movimento metodológico reflexivo, comprometido com a ética, a imparcialidade e a lisura da narrativa dos participantes. Sendo assim, transcorridos um semestre, senti a necessidade de retomar a conversa com os envolvidos, para captar aspectos que dessem condições de melhor entender os anseios destes profissionais frente a questões específicas do início da profissão. Realizamos entrevistas recorrentes (Apêndice 7), nas quais abordamos aspectos que se relacionavam ao processo de atribuição de aulas, a chegada à escola, o envolvimento do professor coordenador, dos pares, buscando entender os sentimentos vivenciados durante esse momento.

O processo de transcrição de entrevista é também um momento de análise, quando realizado pelo próprio pesquisador. Ao transcrever, revive-se a cena da entrevista, e aspectos de interação são relembrados. Cada encontro com a fala é um novo momento de reviver e refletir (...). (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2010, p. 74)

Como forma de garantir a ideia de uma pesquisa qualitativa e considerando a situação de entrevista como um momento repleto de diferentes sentidos, interpretações, lembranças, expectativas e ainda por tratar-se de uma entrevista semidirigida mais uma vez, foi preciso

vivenciar os passos para a aplicação da técnica da entrevista. Segue abaixo a síntese das entrevistas recorrentes.

 ENTREVISTA RECORRENTE (com a professora Cris) - 11/01/14

Cris reafirma sentir-se uma professora iniciante. Sua turma de 2º ano, é composta por 35 alunos, com em média 8 anos de idade, oriundos de uma região periférica do município onde mora.

Todos estão alfabetizados. Sua chegada à escola deixou-a um pouco frustrada. Esperava ser recebida por alguém que pudesse lhe dar orientações sobre o trabalho que pretendia realizar.

No primeiro dia de aula, Cris encontrava-se muito ansiosa, insegura, pois não tinha conseguido antecipar muitas informações sobre seus alunos, a escola e trabalho realizado pela professora anterior. Já os alunos também pareciam apreensivos, pois vivenciaram ao longo do semestre a troca de muitos professores, todos tinham curiosidade em saber se teriam uma professora definitiva. O dia terminou com muitas interrogações e com o desejo de retornar para aqueles alunos. Em relação ao grupo de professoras logo percebeu que teria dificuldade de comunicar-se, pois cada uma fazia o seu trabalho de acordo com suas crenças, costumes didáticos e metodológicos. Esta constatação acarretou uma enorme preocupação, tristeza e frustração. Não conseguiu estabelecer uma relação de cumplicidade com nenhuma professora, a que ela atribui um sentimento de profunda decepção.

Quanto aos demais gestores, não se sentia apoiada. As informações eram sempre superficiais. Havia uma excessiva preocupação com as questões burocráticas e pouco, ou quase nenhuma, preocupação com o pedagógico. Esta realidade incomodou-a muito. Ela considera importante o trabalho de formação continuada proposto pela rede municipal, mas percebe um distanciamento do que é proposto, com as necessidades da sala de aula. A falta do trabalho em parceria e as discussões coletivas sobre os alunos gera em Cris um sentimento de isolamento, tristeza e insegurança. Ela acredita que os parceiros mais experientes e a teoria estudada no curso de Pedagogia poderiam contribuir no seu trabalho.

Apesar de ser professora efetiva, titular de cargo, o início da profissão lhe reservou momentos de incerteza, pois encontrava-se como professora “volante” (termo usado para definir o professor que foi aprovado em concurso público e fica no aguardo de uma sala livre para assumir), o que há faz sentir-se uma professora iniciante a cada novo grupo, cada nova experiência. Sentiu falta de um planejamento que direcionasse seu trabalho.

Diz que a coordenadora não é autoritária e os professores fazem o que julgam ser correto para cada turma de alunos. Questiona o papel assistencialista assumido pela escola na sociedade. Tem o desejo de ser assistida pela coordenação das escolas. Ainda assim, acredita no que faz e não pretende deixar a docência.

 ENTREVISTA RECORRENTE (com a professora Lu) - 27/01/14

Lu diz sentir-se uma professora iniciante. Sua experiência anterior era na Educação Infantil. Sempre sonhou em dar aula na Rede Estadual de Ensino. Seu caminho para entrar na rede começou pelo processo de inscrição a professores novos para concorrer a aulas durante todo o ano letivo. Para tanto foi preciso realizar uma prova para obter uma classificação e concorrer com professores que já se encontravam na rede, mas que não tinha aulas atribuídas, os chamados professores contratados, “categoria O”.

Após o resultado da avaliação e tendo sido aprovada, passou a participar do processo de atribuição de aulas. Relata que participou de quatro atribuições, tendo aulas atribuídas somente na quinta vez. Recorda-se que este foi um processo marcado por muita ansiedade, insegurança e expectativas. Diz que no momento da atribuição poucas são as informações sobre a escola ou turma que irá trabalhar.

Na escola foi muito bem recebida e passou por uma entrevista que durou aproximadamente quarenta minutos com a equipe gestora, que sugeriu um período de adaptação junto aos professores das salas já existentes.

No seu primeiro dia de aula, tinha medo de não ser aceita pelos alunos, mas estava confiante e sabia como deveria trabalhar com eles. Havia preparado sua aula com muito cuidado.

Diz ter recebido ajuda dos colegas, contou com a compreensão dos pais e o apoio do coordenador pedagógico que atual fortemente no trabalho de formação dos professores nas Aula de Trabalho Pedagógico Coletiva (ATPC).

Cabe ressaltar que não foi possível construir um padrão rígido e estático na condução das entrevistas, esta constatação pauta-se nas trocas interpessoais, no contexto singular de cada entrevista e na forma como cada entrevistado se apropriava dos questionamentos.

Em todas as entrevistas foi preciso tomar cuidado para não deixar que meus sentimentos, emoções, valores e percepções das experiências aqui relatadas interferissem de maneira a prejudicar o andamento do trabalho.

Na sequência, partimos para análise individual das entrevistas. Tal procedimento constitui-se de três etapas:

 Primeira etapa: ouvir várias vezes os relatos gravados e ler suas transcrições;

 Segunda etapa: leitura das transcrições com destaque as falas que explicitavam significados de acordo com o foco da pesquisa;

 Terceira etapa: agrupamento das falas em unidades de significação e/ou categorias para definição dos eixos e posterior análise dos dados.

Recorre-se aqui às ideias de Franco (2005), que diz que as categorias são criadas conforme as respostas e depois são interpretadas à luz das teorias.

Mesmo quando o problema está claramente definido e as hipóteses (explicitas ou implícitas) satisfatoriamente delineadas, a criação das categorias de análise exige grande dose de esforço por parte do pesquisador. Não existem “formulas mágicas” que possam orientá-lo nem é aconselhável o estabelecimento de passos apressados ou rígidos. Em geral o pesquisador segue seu próprio caminho baseado em seus conhecimentos e guiados por sua competência, sensibilidade e intuição. (FRANCO, 2005, p. 52)

O autor afirma que não há receitas prontas em uma análise, o essencial e necessário é uma significativa orientação teórica, discernimento, bom senso e sensibilidade por parte do pesquisador.

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