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CAPÍTULO 1 AÇÃO POLÍTICA COLETIVA TRANSNACIONAL EM PROCESSOS DE

1.2 A dinâmica da ação política coletiva transnacional

1.2.3 Frames

As redes transnacionais são fundamentais para a criação e recriação de significados sociais e, mais ainda, de frames, entendidos como formatos que influenciam as tomadas de decisão em nível local, nacional e global (JELÍN, 2003; DESMARAIS, 2007; BRINGEL; FALERO, 2008; GOHN; ALONSO, 2012; SCHERER-WARREN, 2012; BRINGEL; DOMINGUES, 2014; VIEIRA, 2014; VON BULOW; CARVALHO, 2014).

Para Melucci (2002), a identidade de um movimento social é fruto de uma construção definida pelos próprios atores participantes cujos significados culturais adotados proporcionam solidariedade e unidade ao sistema de ação. Por sua vez, esta construção é

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resultado de uma inversão organizativa que está relacionada aos objetivos, recursos e obstáculos.

A assimilação de elementos racionais e irracionais, cognitivos, valorativos, e a construção de formas de ver e estar no mundo a partir da prática social dos agentes sociais são responsáveis por criar os frames da ação coletiva.

Existe um crescente consenso na literatura em relação ao poder das normas. As normas internacionais costumam ser consagradas em tratados e acordos internacionais. Essencialmente, as normas ou expectativas compartilhadas ou padrões de comportamento apropriados pela comunidade internacional desempenham um papel importante na explicação de como os Estados se comportam.

Há ainda, acima e além do Estado-nação, uma “sociedade civil transnacional” unida por valores compartilhados e que busca desafiar o poder do Estado em favor do bem público (FLORINI, 1999, 2000; PRICE, 2003). Implícito em ambas as ideias está que estamos nos movendo em direção a um mundo habitado por normas e valores comuns, que se espalham principalmente por meio da sociedade civil transnacional.

Os estudiosos dos movimentos sociais reconhecem que esse componente cultural e normativo da sociedade internacional influencia o surgimento, desenvolvimento e impacto dos movimentos sociais (MCADAM; MCCARTHY; ZALD, 1996). Especificamente, argumenta-se que os movimentos sociais se baseiam em normas internacionalmente estabelecidas para criar os chamados frames, tornando-se “significados e definições compartilhados que orientam os movimentos sociais” (GAMSON, 1992, p. 7). Ao identificar um problema, causa e remédio, os frames de ação coletiva servem para “inspirar e legitimar as atividades e campanhas de uma organização de movimento social” (GAMSON, 1992, p. 7).

No entanto, os movimentos sociais nacionais participam de uma grande variedade de atividades transnacionais, em que dominam concorrentes ideias contrárias aos padrões normativos. Como McCarthy (1997) aponta, muitos atores, incluindo corporações multinacionais, organismos religiosos multinacionais, Estados e, em especial, as mídias transnacionais, envolvidos em processos de frames. Portanto, um objetivo adicional não é apenas estabelecer a relevância dos frames como útil para entender como o nível internacional molda os movimentos sociais domésticos, mas também identificar os diferentes tipos de frames que estão presentes.

A abordagem de frames procura compreender e iluminar “a geração, difusão e funcionalidade de ideias e significados mobilizadores e contra-mobilizadores” (SNOW, 2000, p. 613). Também denota o processo pelo qual os atores de movimentos estão engajados na

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construção de significado que resulta em frames de ação coletiva (GAMSON et al., 1982, 1986; SNOW; BENFORD, 1988; TARROW, 1992, 1998).

Os frames de ação coletiva são o produto final a definir o que é relevante para os movimentos sociais, com a finalidade de interpretar eventos ou condições para mobilizar potenciais constituintes e simpatizantes (GAMSON et al., 1982, 1986; SNOW; BENFORD, 1988; TARROW, 1992, 1998). Assim, eles se manifestam nos folhetos, arquivos, publicações etc. de organizações e movimentos sociais.

Os frames de ação coletiva executam três tarefas principais: “frames de diagnóstico”, “frames de prognóstico” e “frames de motivação” (SNOW; BENFORD, 1988; BENFORD; SNOW, 2000). O objetivo do frame de diagnóstico é identificar o problema e o culpado. Para Benford e Snow (2000), quem culpar nem sempre é óbvio, porque nem todos os frames de ação coletiva são “frames de injustiça”, em que há necessariamente uma vítima e um vitimizador. O frame de prognóstico é o processo de propor soluções para o problema e identificar possíveis estratégias para realizá-las (SNOW; BENFORD, 1988, 2000; MCADAM; MCCARTHY; ZALD, 1996).

A atividade de prognóstico também pode incluir responder à lógica e propor soluções de oponentes ou reagir aos que são conhecidos como “counter-frames” (BENFORD, 1993; BENFORD; SNOW, 2000). Uma vez que as soluções para qualquer problema são multifacetadas e são definidas em uma variedade de tipos organizacionais, pode haver frequentemente frames de diagnóstico concorrentes dentro de um único campo (HAINES, 1996; BENFORD; SNOW, 2000). Finalmente, o objetivo do frame motivacional é dar às pessoas uma razão para se engajarem em ações coletivas e sustentar sua participação (BENFORD, 1993; GAMSON, 1995; JOHNSTON; KLANDERMANS, 1995; BENFORD; SNOW, 2000).

De sua parte, Gamson et al. (1982) sustentam que os componentes básicos dos frames de ação coletiva são a componente da identidade, componente da agência e componente da injustiça (NOAKES; JOHNSTON, 2005). O componente de identidade distingue o grupo lesado com interesses e valores comuns. O componente da agência reconhece que a componente identitária pode mudar. Já o componente da injustiça é a parte fundamental do processo de frame que coloca a culpa em determinados grupos ou instituições, despertando o agravamento do grupo para agir (NOAKES; JOHNSTON, 2005, p. 6). Ao contrário de Snow e de seus colaboradores, para Gamson os quadros de injustiça são sempre um componente da ação coletiva, o que significa que há uma clara vítima e um vitimizador em cada caso (BENFORD; SNOW, 2000).

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Os frames como uma aproximação ao estudo dos movimentos sociais ganharam força nos anos de 1980 e foram inspirados na maior parte pelo trabalho de Goffman (1974), que usou primeiramente o termo para indicar o que os indivíduos interpretam como significativo e que, por sua vez, ajudam a guiar a ação. Mas é um estudo fundamental de Gamson et al. (1982) que é creditado por trazer de volta uma dimensão social psicológica para a ação coletiva, ilustrando a importância de “entendimentos compartilhados”, especificamente os frames de injustiça ou a amplificação de queixas e a indignação moral resultante que orientam as pessoas para a ação.

Atribuem-se a Snow e seus colaboradores a elaboração e solidificação de uma perspectiva de frame. Enquanto muitos estudiosos têm realizado pesquisas empíricas investigando a aplicabilidade e utilidade de conceitos de frames, é basicamente Snow, juntamente com Benford por um lado e Gamson por outro, que são creditados com a criação do vocabulário conceitual para a perspectiva de frame.

Uma das questões centrais na literatura de frames é como eles são construídos. Em algumas ocasiões podem ocorrer de maneira espontânea, nas ruas, no calor dos protestos (OBERSCHALL, 1996). Isso é congruente com os pressupostos de que eles são menos estratégicos no início e evoluem ao longo do tempo (MCADAM, 1996; DELLA PORTA et al., 2009). De qualquer forma, a literatura destaca o papel proeminente dos empreendedores de movimentos sociais, ao tomarem a iniciativa de formar e difundir marcos de ação coletiva (TARROW, 1998; BENFORD; SNOW, 2000). Há um amplo consenso de que os empreendedores de movimentos sociais ou aqueles que constroem frames se baseiam no “estoque cultural do público-alvo” e, assim, raramente são formados a partir do zero (NOAKES; JOHNSTON, 2005, p. 9).

Para Gamson (1992), o objetivo final na criação de frames bem-sucedidos gira em torno da chamada ressonância ou do grau em que os indivíduos consideram uma ilustração convincente de queixas para se mobilizar. O autor sustenta que a ressonância do frame é afetada pela consciência política do público, sua experiência pessoal e a sabedoria popular de suas comunidades.

Por sua vez, Snow e Benford (1992) identificam seis fatores que influenciam a ressonância, incluindo a consistência, a credibilidade empírica, a credibilidade de seus promotores, a comensurabilidade experiencial e a centralidade. Por um lado, os frames devem ser vistos como lógicos e essenciais para a vida cotidiana e para os valores e crenças centrais do público-alvo. E por outro lado, segundo Noakes e Johnston (2005), a pessoa que promove os frames deve ser vista como credível e persuasiva.

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Snow et al. (1986) também identificaram as quatro estratégias a serem seguidas para aumentar a ressonância de frames. Elas incluem a criação de canais entre os frames (bridging frames), a amplificação, a extensão e a transformação de frames. O bridging conectaria frames não conectados anteriormente. Amplificação é essencialmente a criação de uma frase ou slogan cativante. A extensão estende os frames para incluir aspectos importantes para o público-alvo. A transformação gera novos significados a partir dos antigos para obter apoio (SNOW et al., 1986; BENFORD; SNOW, 2000; NOAKES; JOHNSTON, 2005).

Nesta tese, o processo de framing da ação política coletiva transnacional está relacionado com as interações entre as OSCs nacionais, as redes regionais e a articulação transnacional, assim como as interações possibilitadas pelos atores em ambientes internacionais. Por meio de interações combinadas com atores e instituições transnacionais, as organizações que compõem a MESA estão expostas a frames originados fora e dentro das fronteiras nacionais. Esses frames transnacionais podem ser difundidos em nível regional, transnacional ou transfronteiriço, fluindo de um país latino-americano para outro. Para entender a difusão dos frames no caso da MESA ou por que as OSCs brasileiras e argentinas adotam determinados discursos, é necessário primeiro identificar os tipos de frames que estão sendo difundidos.

As OSCs da MESA têm interagido com uma multiplicidade de atores e instituições nacionais, internacionais e regionais. Mediante uma revisão da literatura, encontrei um tipo principal de frame de ação coletiva mais comum: o enquadramento discursivo (frame) baseado em identidade, em que as “identidades coletivas” (MELUCCI, 1996) assumem caráter diferente em cada um dos casos analisados.