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2.3 EXPERIÊNCIAS CORPÓREAS NOS ESTUDOS COGNITIVOS

2.3.2 Frames

Como já mencionado em seções anteriores, vimos que as estruturas de modelos cognitivos são construídas a partir de conhecimentos adquiridos por meio da interação social e das experiências corporificadas, desempenhando importante papel no processo de compreensão humana, visto que a construção dos modelos consiste, sobretudo, do uso que fazemos das informações armazenadas. Como parte dos modelos cognitivos, é necessário que apresentemos também o frame.

No estudo de frames, destacamos um dos prenunciadores, Marvin Minsky, na década de 1970. Para Minsky (1974), um frame é uma estrutura de dados para representar uma situação estereotipada, tal como estar em determinado tipo de ambiente.

Como outros sistemas de estrutura cognitiva, os frames são uma tentativa de representar de forma estruturada o conhecimento armazenado na memória sobre o mundo. Para tanto, anexado a cada frame, um conjunto de informações é apresentado (MINSKY, 1974):

a) algumas são como utilizar o frame, saber o que compõe determinada situação;

b) outras são sobre o que se acredita ser possível perceber ou acontecer em determinada cena, como, por exemplo, alguém se dirigir para um carrinho de sorvete e

c) algumas são sobre a captura das propriedades de conhecimentos compartilhados acerca de pessoas, eventos e ações.

Como seria representar essa situação estereotipada? Em algumas situações presumidas, vamos visualizar como seriam essas representações mentais, ilustradas com os seguintes exemplos: “Ir a uma festa de aniversário de criança”, “Ir a uma festa de aniversário de casamento”, “Entrar em um quarto de um adolescente surfista” e “Entrar em um quarto de um bebê”. Vamos pensar a respeito de como representamos mentalmente esses ambientes, os fatos que conhecemos acerca deles e descrevê-los. Para isso, traçamos um quadro para nos auxiliar na compreensão.

Quadro 1: Representatividade de situações criadoras de frames Fonte: Elaborado pela autora

Exemplos

Informações que compõem o frame

Informações de

como utilizar o frame

Informações sobre o que se acredita ser possível perceber ou acontecer em determinada cena. Informações sobre a captura das propriedades de conhecimentos compartilhados sobre pessoas, eventos e ações. a) Ir a uma festa de aniversário de criança Balões, presentes, decoração de festa, brigadeiro, docinhos, refrigerante, bolo, lancheirinhas

Hora dos parabéns (apagar a vela) Fotos (registros da festa) Ambiente festivo, decorado, com crianças correndo, pessoas sentadas conversando, música b) Ir a uma festa de aniversário de casamento (bodas) Dependendo do horário e o tipo de recepção (almoço, jantar, brunch), presentes, doces, salgados

Hora dos parabéns (apagar a vela) Fotos (registros da festa), presença da família (filhos, netos, genros, noras) Ambiente festivo, decorado, encontro de família e de amigos, música pessoas sentadas conversando c) Entrar em um quarto de um adolescente surfista Prancha de surf, pinturas ou imagens decorativas (surfistas, ondas, coqueiro, areia praia – cenário praiano)

Conversa entre

amigos surfistas, com prancha debaixo do braço. Surfista cai quando está pegando onda (surfistas, prancha, ondas).

Objetos temáticos de surf decorativos e/ou

espalhados no quarto. d) Entrar em um quarto de um bebê Berço, cadeira de balanço, brinquedos, mobiles, bichinhos de pelúcia

Bebê chorando (mãe trocando fraldas ou amamentando)

Bebê fazendo coco, xixi (mãe trocando

fralda) bebê

chorando com fome (mãe amamentando)

De acordo com o que descrevemos no quadro, vimos que, pelas experiências, já sabemos o suficiente para “esperar” o que encontraremos em cada ambiente. Destacamos quatro contextos nos quais equiparamos dois pares de situações que se assemelham em alguns aspectos e apresentam particularidades, a saber, uma festa de aniversário infantil e outra de casamento;

um quarto de adolescente e um quarto de bebê. A esses conhecimentos farão com que selecionemos antecipadamente os frames “festa” e “quarto”, ou seja, os objetos, as informações e propriedades que configuram cada ambiente. Isso significa dizer que, para uma festa infantil, uma festa de casamento ou para um quarto de bebê, ou um quarto de um adolescente, esperamos certas particularidades, que dizemos slots, ou seja, espaços vazios nos quais, geralmente, podemos acionar atributos, conceitos ou informações para preencher as situações para cada cenário. Além disso, podemos também fazer upgrade, atualização de cenas feitas na memória à medida em que os slots são preenchidos.

Para Minsky (1974), podemos pensar num frame como uma rede de nós e relações em que há níveis superiores e níveis mais baixos. Os "níveis superiores" de um frame são fixos e representam as coisas que sempre são verdadeiras sobre a suposta situação. Já os níveis mais baixos têm muitos terminais - slots, que devem ser preenchidos por instâncias específicas ou dados. De acordo com Duque e Costa (2012b, p.110),

Um frame é compreendido como um conjunto de slots que descrevem os atributos (facets) dos “objetos” em diferentes contextos (views). Sempre que um frame é processado, um conjunto de slots é automaticamente preenchido com valores- padrão (default) para aquela situação, embora esses valores possam se alterar ao longo do processamento discursivo. Os frames devem ser pensados, portanto, como estruturas dinâmicas, tendo em vista que são continuamente confrontados com as experiências e revistos. De qualquer modo, a fala, o gesto ou o movimento não fariam sentido na ausência de qualquer frame.

Conforme citação dos autores, reiteramos de maneira mais detalhada o que apresentamos anteriormente. Para termos o conhecimento do que é um frame, é fundamental que saibamos que é ele que nos oferece as informações necessárias para que representemos mentalmente uma situação ou ambiente já estereotipados, isto é, informações já preconcebidas e fixadas pela frequência de uso ou aceitação cultural. A esse espaço de preenchimento chamamos de slots. Por isso, dizemos que o preenchimento desses slots é feito com propriedade ou qualidades específicas de cada situação, os valores-padrão que, como fora explicitado antes, podem ser atualizados durante o processo de compreensão, caracterizando a dinamicidade dos frames.

Se alguém lhe pedisse para pegar um par de sapatos, por exemplo, certamente você não se dirigiria para o armário da cozinha, porque os slots do frame para o armário de cozinha não preencheriam os do lugar onde devem estar os sapatos. Isso porque, considerando os nossos

modelos cognitivos, podemos encontrar no armário da cozinha alimentos, material de limpeza ou louça, e o que menos poderíamos encontrar seriam os sapatos.

De forma geral, vimos que o frame não acontece isolado, mas há representações continuamente combinadas com as informações existentes de um conjunto de elementos (relacionados com cada experiência sensório-motora) e uma estrutura (que contém as propriedades e as relações que os elementos mantêm entre si).

Duque e Costa (2012a) classificam os frames em quatro tipos e postulam que, atuando junto aos frames, encontram-se os esquemas imagéticos, que constituem o modo como a memória de um indivíduo se organiza em termos de experiências corpóreas. Esses esquemas são organizados em termos de tipos ideais, estruturas mais fundamentais da percepção, da manipulação de objetos e movimento dos corpos. Parece-nos interessante que ilustremos a situação. Consideremos que alguém em uma conversa com colega tenha dito “... no segundo dia eu fui parar no hospital (...) e tive que tomar soro...”.

Na situação mencionada, temos previamente uma compreensão do frame que constitui o evento. As relações que envolvem “hospital” são entendidas por meio de esquemas de base – imagéticos – conjuntamente com slots, que seriam preenchidos por elementos específicos como médico, enfermeira, pacientes etc. que compõem o determinado frame, a partir do cenário em questão, pela formulação de modelos de frames. A partir da situação descrita anteriormente, eis uma ilustração interessante de como podemos constituir os frames.

Figura 9: Ilustração do frame hospital Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Vemos que a palavra “hospital” ativa um conjunto combinatório de slots que correspondem ao frame. Verifiquemos, a seguir, os tipos de frames com os quais podemos adequar às situações do cotidiano, baseados em Duque e Costa (2012a):

a) Cenário: os elementos que compõem um cenário formam um conjunto a partir do qual é possível reconhecer um determinado lugar como sendo um quarto, uma igreja ou uma sala de aula, por exemplo. Recuperando o exemplo “... no segundo dia eu fui parar no hospital (...) e tive que tomar soro...”, ativamos conhecimento sobre a estrutura e elementos que compõem o cenário hospital, como quarto de enfermaria, apartamento, UTI, sala de emergência, médicos, enfermeiros(as), pacientes etc. Juntamente ao cenário imaginado, processamos alguns esquemas como ORIGEM-CAMINHO- META, que tem como base a experiência corpórea de deslocamento espacial, visualizado pelo percurso feito até o hospital; o esquema CONTÊINER, que possibilita a visão interna do cenário, as partes que constituem o todo, (quarto de enfermaria, apartamento, UTI, sala de emergência), e o esquema LIGAÇÃO quando compreendemos os papéis específicos desempenhados pelos profissionais da área médica (médicos, enfermeiros(as), pacientes).

b) Roteiro (script): o roteiro se organiza em torno de um estado inicial, uma sequência de eventos e um estado final. Por exemplo, no cenário hospital acontecem cenas formadas por roteiros incorporados a partir da normalização de diversas experiências semelhantes que ficam armazenadas em pacotes de organização de memória. Reportando-nos ao exemplo anterior, percebemos que a sequencialidade de cenas realizadas durante os procedimentos do atendimento médico (“tomar soro”) é acionada com base em cenário, roteiros e cenas previstas para esse tipo de atendimento. A esse roteiro relacionamos o esquema ORIGEM-CAMINHO-META, dada a sequência das cenas.

c) Conjunto de traços: as categorias7 estabilizadas dentro de uma cultura são frames, tendo

em vista que os elementos que compõem uma determinada categoria são reconhecidos em função de alguns traços recorrentes. Podemos dizer que as categorias médicos, enfermeiros, pacientes, por serem prototípicos ao frame hospital encontram-se mais ao

7 Tratamos categoria como sendo o resultado de um processo de categoriza, ou seja, a atividade cognitiva que nos

permite ordenar o mundo ao nosso redor, reconhecendo-o, diferenciando-o e classificando-o a partir de traços de proximidade.

centro, enquanto categorias como atendente e assistência social encontram-se mais afastados, portanto, são periféricos. Nessa perspectiva temos o esquema CENTRO/PERIFERIA. Por se tratar de categorias, encontramos também no frame conjunto de traços o esquema CONTÊINER.

d) Taxonomia: a hierarquização de categorias constitui o frame taxonomia8. Essas categorias possuem conjuntos de elementos que têm traços recorrentes e possuem diferentes graus de importância. Dessa forma, visto que a taxonomia classifica hierarquicamente categorias distintas, particularmente, são evocados os esquemas ESCALA e PARTE/TODO. No frame hospital, temos como exemplo taxonômico as categorias médicos>enfermeiros >técnico de enfermagem que se organizam em níveis hierárquicos superiores e inferiores, respectivamente. Nesse aspecto, temos o esquema imagético ESCALA, visto que as categorias se organizam em níveis. Podemos inferir também que essas categorias (partes) fazem parte de um todo (área médica), portanto, temos o esquema PARTE/TODO.

Conforme o exposto nesta seção, corroboramos o posicionamento Duque e Costa (2012a) quando postulam que frames e esquemas imagéticos constituem o modo como a memória de um indivíduo se organiza, respectivamente, em termos de experiências socioculturais e corpóreas no processo de compreensão.

Falamos no trabalho da clássica dicotomia entre corpo e mente, seguida de teorias que adotam a concepção de que os conhecimentos são adquiridos por meio de experiências corpóreas. Até aqui, discorremos acerca de alguns aspectos de abordagem corporificada, cabendo-nos, também, o empenho de apresentar e descrever estudos que analisam a construção de sentido, a compreensão de narrativas a partir de processamento mental. É o que fazemos na seção a seguir.