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Narratividade e estruturas cognitivas: o encontro entre a linguagem, a cognição e a experiência sociocultural

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Academic year: 2017

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ZÉLIA XAVIER DOS SANTOS PEGADO

NARRATIVIDADE E ESTRUTURAS COGNITIVAS: o encontro entre a linguagem, a cognição e a experiência sociocultural

Trabalho apresentado ao programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de doutora.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Marcos Antonio Costa

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ZÉLIA XAVIER DOS SANTOS PEGADO

NARRATIVIDADE E ESTRUTURAS COGNITIVAS: o encontro entre a linguagem, a cognição e a experiência sociocultural

Trabalho apresentado ao programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de doutora.

Aprovado em: ___/ ___/ ___

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Marcos Antonio Costa – Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________ Profa. Dra. Ana Flávia Magela Lopes Gerhardt Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

________________________________________ Prof. Dr. Paulo Henrique Duque

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Yamashita Santos

Universidade Potiguar – UnP

________________________________________ Profa. Dra. Ada Lima Ferreira de Sousa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________ Prof. Dra. Carmen Brunelli de Moura

Universidade Potiguar – UnP SUPLENTE EXTERNO

______________________________________________ Prof. Dr. José Romerito da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN SUPLENTE INTERNO

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AGRADECIMENTOS

Ao criador, pela dádiva da vida, por ser presença constante e fortalecedora nos momentos de minha vida.

Ao Professor Dr. Marcos Antonio Costa, mestre e amigo, que, com sabedoria, seriedade profissional, me levou a construir novos saberes.

Ao Professor Dr. Paulo Henrique Duque, pelas valiosas observações e contribuições feitas durante a elaboração e desenvolvimento deste trabalho.

À Professora Dra. Ana Flávia Magela Lopes Gerhardt, por prontamente aceitar compartilhar seus conhecimentos por ocasião do exame de qualificação e colaborar na minha defesa de doutorado.

A Gabriel e a Elizabete (Bete), funcionários do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem - PPgEL, pela atenção, atendimento e orientações dadas durante os trâmites acadêmicos.

Ao meu esposo Neto Pegado, pelo apoio, paciência, compreensão (das irritações e pela ausência), cooperando absolutamente na efetivação deste trabalho.

À minha mãe, pelas orações, conselhos e palavras animadoras.

Às minhas irmãs, meus irmãos e meus sobrinhos, que sempre me encorajaram e acreditaram em mim.

Ao Grupo Cognição e Práticas Discursivas, pelas discussões e comentários sobre as primeiras versões da pesquisa.

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Nada, pois, é mais proveitoso a uma alma do que uma amizade fiel e doce. Quão bom é encontrar corações preparados para guardar todo o segredo. Tu temes menos a consciência deles que a tua própria. A conversa deles alivia a solidão. As sentenças deles se tornam conselhos. O seu gracejo dissipa a tristeza, a própria presença deleita!

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RESUMO

Este trabalho insere-se no âmbito da Linguística Cognitiva, teoria que surgiu em oposição à abordagem modular gerativista a qual postula que a linguagem não é autônoma, faz parte da cognição humana manifesta de processamento mental, de experiência socioculturais e corpóreas. Nosso objetivo é descrever e analisar os mecanismos cognitivos de compreensão que atuam na organização formal, ou seja, informações fornecidas pelas construções linguísticas, e na organização significativa da narrativa, a construção de sentido a partir da ativação de estruturas cognitivas. Para estudo e verificação desse fenômeno, subsidiamo-nos no referencial teórico de Rapaport et al (1994) com o tratamento do centro dêitico, Zwann (1999) e Zwaan e Radvansky (1998) com modelo de situação; Minsky (1974) com o conceito de frame, Johnson (1987) e Duque e Costa (2012) com esquemas imagéticos. Com esse propósito, enfocamos a perspectiva dêitica (ONDE, QUANDO, QUEM), as estruturas cognitivas sociais e corporais (frames e esquemas imagéticos) e os modelos de situação construídos pelo compreendedor a partir dessas estruturas cognitivas. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, pautada na introspecção. O corpus selecionado é uma amostragem de doze textos escritos por alunos do 8º ano, que consiste em narrativa ficcional, a produção de páginas de diário. As análises são conduzidas por estruturas cognitivas destacadas em Blocos Construcionais (BCs), as quais norteiam a discussão acerca de como construímos o entendimento e a criação dos significados nas narrativas. O resultado depreendido aponta que os eventos narrativos são representados mentalmente pelo compreendedor que concebe um centro dêitico e guiado por esse centro dêitico tem acesso à compreensão e à construção de sentido da narrativa pelos domínios cognitivos estabelecidos pelas experiências corpóreas e socioculturais.

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ABSTRACT

This work is within the framework of Cognitive Linguistics, which, as opposed to generative modular approach posits that language is not autonomous but part of human cognition manifest mental processing, socio-cultural and bodily experiences. Our goal is to describe and analyze cognitive mechanisms of understanding who work in the formal and meaningful organization of the narrative. In order to study and verification of this phenomenon, this project was based in the theoretical framework of Rapaport et al (1994) with the treatment of deictic center, Zwaan (1999) and Zwaan and Radvansky (1998) with situation models, Minsky (1974) with the concept frame, Johnson (1987) and Duke and Costa (2012) with pictorial schemes. To this end, we focused on the deictic perspective (WHERE, WHEN, WHO), social cognitive structures (frames) and body (pictorial diagrams) and the situation of models built by compreendedor from these cognitive structures. Methodologically, it is a qualitative research (BAUER and GASKELL, 2002), of interpretive base (MOITA LOPES, 1994), based on introspection (Talmy, 2005). The corpus selected is a sample of twelve texts written by 8th grade students, whose production consists of fictional narrative, the production of diary pages. The analyses were conducted by cognitive structures known as constructional blocks (BCs)(SANTOS, 2011), which guid the discussion about how we build understanding and creation of meanings in narratives. The result shows that the narrative events are mentally represented by the understander that conceives a deictic center and that, guided by it, has access to understanding and construction of meaning in narrative by means of cognitive domains established by bodily and socio-cultural experiences.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1:MODELAGEM DAS ÁREAS DA LINGUAGEM -METÁFORA DO BOLO ... 20

FIGURA 2:ESQUEMA CONTÊINER ... 23

FIGURA 3:ESQUEMA ORIGEM-CAMINHO-META ... 25

FIGURA 4-ESQUEMA PARTE/TODO ... 26

FIGURA 5: ESQUEMA CENTRO/PERIFERIA ... 27

FIGURA 6:ESQUEMA ESCALA ... 28

FIGURA 7:ESQUEMA LIGAÇÃO ... 29

FIGURA 8: ESQUEMAS COMBINADOS (ADAPTADA DE BERGEN;CHANG;2003, P.3) ... 30

FIGURA 9:ILUSTRAÇÃO DO FRAME HOSPITAL ... 34

FIGURA 10:TEXTO-BASE PARA PRODUÇÃO DAS PÁGINAS DE DIÁRIO ... 84

Quadro 1: Representatividade de situações criadoras de frames 32 QUADRO 2: QUADRO SINÓPTICO DO MODELO NATURAL DE NARRATIVAS ORAIS ... 70

QUADRO 3: QUADRO COMPARATIVO DE CONCEPÇÕES DE NARRATIVIDADE ... 74

QUADRO 4: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A1P1 ... 89

QUADRO 5: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A1P2 ... 92

QUADRO 6: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A1P3 ... 95

QUADRO 7: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A1P4 ... 97

QUADRO 8: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A2P1 ... 99

QUADRO 9: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A2P2 ... 102

QUADRO 10: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A2P3 ... 104

QUADRO 11: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A2P4 ... 107

QUADRO 12: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A3P1 ... 109

QUADRO 13: QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A3P2 ... 111

QUADRO 14:QUADRO SINÓPTICO DA ANÁLISE DA NARRATIVA A3P3 ... 114

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 15

2.1 CONHECIMENTO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS DO TEMA ABORDADO ... 15

2.2 OS ESTUDOS COGNITIVISTAS E A LINGUÍSTICA COGNITIVA ... 17

2.3 EXPERIÊNCIAS CORPÓREAS NOS ESTUDOS COGNITIVOS ... 21

2.3.1 Esquemas Imagéticos ... 22

2.3.2 Frames... 31

2.4 O CENTRO DÊITICO ... 36

2.4.1 A construção dos eventos narrativos e os Centros Dêiticos ... 38

2.4.2 Papel do Centro Dêitico na compreensão de narrativas ... 46

2.5 MODELOS DE SITUAÇÃO ... 52

2.5.2 O processo de construção do modelo de situação ... 54

2.5.3 Dimensões Situacionais ... 56

2.5.4 Modelos de situação e simulação mental ... 60

3 NARRATIVA: UMA EXPERIÊNCIA HUMANA E UNIVERSAL ... 64

3.1 DISCUSSÕES CONCEITUAIS EM TORNO DA NARRATIVA ... 65

3.2 NARRATIVIDADE: UM BREVE DIÁLOGO DE CONCEPÇÕES ... 73

3.3 NARRATIVIDADE E COGNIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL ... 75

4 METODOLOGIA ... 79

4.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ... 80

4.2 DESCRIÇÕES DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A PESQUISA ... 82

4.2.1 Os informantes da pesquisa ... 82

4.2.2 Elaboração de atividades para constituição do corpus... 83

4.3 CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO E SELEÇÃO DE AMOSTRAGEM DA PESQUISA... 85

4.4 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE ... 86

5 ANÁLISES DAS NARRATIVAS ... 88

6 CONCLUSÃO ... 118

REFERÊNCIAS ... 122

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1 INTRODUÇÃO

“Mas só se compreende, só se conhece o que se pode em alguma medida reinventar.”

Bergson

No decorrer de nossas vidas, sempre ouvimos histórias, narrações de eventos ou de situações cotidianas da vida. Esses fatos foram e são revelados por meio de narrativas, que passaram a ser vistas como um dos meios pelos quais expressamos, explicamos e compreendemos o mundo no tempo e no espaço. De acordo com esse entendimento, consideramos as narrativas como um recurso utilizado para facilitar a compreensão humana acerca dos aspectos físicos e sociais de tudo que nos rodeia. No entanto, para que ocorra esse processo, é necessário que nos sirvamos de guias e estruturas cognitivas que, integradas às várias informações recebidas, auxiliam na compreensão e possibilitam a construção de representações mentais em situações narradas.

As narrativas estão tão imbricadas a nossa capacidade humana que sequer notamos que as usamos num processo interpretativo da vida cotidiana, compreendendo e criando o mundo – quando mesclamos informações, imaginamos realidades e construímos significados – utilizando-nos de processos mentais e princípios básicos de nossa experiência corpórea para organizar a história.

A famosa máxima de Sócrates “Conhece-te a ti mesmo” vem conscientizar-nos de que

o homem só conhece o mundo e o meio em que vive quando conhece a si mesmo. E na busca para compreender e explicar como significamos o mundo, recorremos a algumas perspectivas e percursos de estudo acerca da narrativa.

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cognitivas humanas a partir de experiências corpóreas, culturais e sociais ordenadas num fluxo espaciotemporal, conforme descrição posterior.

Do interesse em analisar a apreensão humana nas narrativas, surgiu-nos a ideia de pesquisar os processos cognitivos que subjazem à compreensão de textos narrativos, visto que a significação humana acerca do mundo e das situações que nos rodeiam materializa-se por intermédio de tais textos.

Saber e explicar de forma mais rigorosa como se dá esse fenômeno foram inquietações que nos instigaram a explorar as produções científicas que, posteriormente, ajudaram-nos a delinear as ideias sobre esse tema. Então, propomo-nos a analisar a organização formal, ou seja, as informações fornecidas pelas construções linguísticas que se organizam sistematicamente na superfície da narrativa e a organização significativa da narrativa. Nesse aspecto, examinamos como construímos o sentido nas narrativas a partir da ativação de estruturas cognitivas.

Diante do exposto, esclarecemos que, de forma análoga, concebemos o entendimento entre forma e sentido que conhecemos da metáfora do iceberg1.

Como se vê, a forma como se constitui o processo de compreensão na construção da narrativa instiga questionamentos que buscam explicar melhor como ocorre a representação mental do compreendedor. Nesse contexto, expomos, a seguir, as peguntas que conduziram a pesquisa:

a) Como se caracteriza o processamento mental subjacente à compreensão dos eventos2 narrados?

b) Como as estruturas cognitivas se integram e como se configuram nos diferentes cenários descritos nos eventos narrados?

Além das inquietações acima citadas, este trabalho de doutorado surge de uma reavaliação de trabalho anteriormente desenvolvido, a saber, dissertação de mestrado na área de Linguística, no programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal-RN, intitulada Referenciação anafórica: um estudo de produções textuais no Ensino Fundamental. Esse renascimento ocorreu da observação do tratamento apresentado à referenciação anafórica, quando percebemos que o trabalho analisara

1

Segundo Fauconnier (2002), a linguagem é apenas a ponta de um iceberg cognitivo, e quando nos envolvemos em qualquer atividade de linguagem, traçamos inconscientemente recursos cognitivos. Visto assim, dissemos que, para construção de sentido, fazemos inferência, ativamos processos e estratégias cognitivas e interacionais.

2 Para evento, não estamos considerando apenas a cena em si, mas todo envolvimento com os acontecimentos,

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o processo de produção textual para construir o sentido no texto e que as estruturas cognitivas não foram consideradas nessa análise. Essa constatação revelava, portanto, uma lacuna na qual poderíamos investigar as estruturas cognitivas e explicar como as experiências corporificadas armazenadas na memória se inter-relacionam para a construção de sentido. Na omissão desse tratamento dado ao trabalho anterior, eclodiu a ideia de utilizar o corpus que fora analisado na dissertação de mestrado: narrativas em páginas de diário.

Esse corpus contém relatos pessoais produzidos em sala de aula, por alunos do 8º ano, que, mesmo estando permeados com elementos constitutivos das realidades ficcionais, estão cheios de vivências experienciais dos produtores dos textos, que contam momentos imaginários de suas vidas advindas de estruturas de conhecimentos socioculturais.

Assim, consideramos pertinente desenvolver uma análise desses fenômenos a fim de compreender como as experiências pessoais são levadas para o campo imaginário e, ao mesmo tempo, por meio dessas análises, explicar como são construídos os significados das construções linguísticas a partir das experiências vivenciadas. Nesse aspecto, justificamos a validade deste trabalho, acreditando que ele pode contribuir para que haja compreensão acerca de como as estruturas cognitivas se integram e se configuram pela representação mental dos diferentes cenários construídos nos eventos para o processo de compreensão no texto narrativo.

Para responder às questões elencadas anteriormente, analisamos alguns textos selecionados do corpus escolhido, tendo como

Objetivo Geral:

a) Descrever e analisar os mecanismos cognitivos de compreensão que atuam na organização formal e significativa da narrativa.

Objetivos Específicos:

a) Descrever os processos de compreensão do leitor aos eventos narrativos por meio da organização dos centros dêiticos.

b) Explicar a ativação/acionamento de esquemas imagéticos e frames como atividades cognitivas emergentes, respectivamente, de experiências sensório-motoras e socioculturaissubjacentes à construção de sentido da narrativa.

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Para que pudéssemos contemplar as inquietações despontadas, conduzir e realizar a investigação, fizemos um levantamento dos fundamentos teóricos de pesquisas já produzidas e publicadas e traçamos o percurso norteador para esta pesquisa. Ao verificarmos estudos como Deictic Centers and the Cognitive Structure of Narrative Comprehension (RAPAPORT et al, 1994); Situation models in language comprehension and memory (ZWAAN E RADVANSKY, 1998); constatamos que os trabalhos analisados se aproximavam do que pretendíamos investigar e foram essas proximidades que trouxemos para nossa pesquisa. Expomos algumas áreas de estudos como a narrativa, mas inteiramos que o nosso interesse se situa na Linguística Cognitiva.

Esta pesquisa enfoca a perspectiva dêitica (ONDE, QUANDO, QUEM), as estruturas cognitivas sociais e corporais (frames e esquemas imagéticos), os modelos de situação e a simulação mental construídos pelo compreendedor a partir das estruturas cognitivas, que, de acordo com a perspectiva teórica da Linguística Cognitiva, sustentam que os processos cognitivos se entrecruzam pelas interações do corpo com o mundo, de forma que a compreensão é, imprescindivelmente, acompanhada de processos de ordem cognitiva e construída a partir de representações das vivências corpóreas experienciadas em sociedade, e que servem de base aos processos conceituais (JOHNSON, 1987).

As teorias abordadas permitem responder algumas questões sobre os caminhos que queremos trilhar, fornecem base para que entendamos como o acionamento das estruturas cognitivas está relacionado às nossas experiências sensório-motoras, permitindo-nos concluir que a construção de sentido está relacionada à nossa capacidade de mobilizar redes de conhecimentos previamente adquiridos. Após essa trilha, optamos por organizar a tese em cinco capítulos.

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Minsky (1974), com o conceito de frame como sendo uma estrutura de dados para representar uma situação estereotipada; Rapaport et al (1994), com o tratamento do centro dêitico como um modelo mental que contribui para se compreender a narrativa; destacamos ainda Zwaan (1999) e Zwaan e Radvansky (1998), acerca do processo de construção dos modelos de situação e a recuperação da informação situacional e, finalmente, Bergen e Wheeler (2005), que postulam que simulação mental é a criação de experiências mentais de percepções e de ações, mesmo na ausência de sua manifestação externa.

No segundo capítulo, considerando que o trabalho está focado em narrativas, discursamos em torno de explorações teóricas acerca de estudos narrativos, delimitando-o a abordagens que favorecem a compreensão da estrutura narrativa e dos domínios narrativos por meio da cognição humana. Em tal descrição, perfilamos conceitos postulados por cinco autores: Barthes (1977; 2011), para quem a narrativa constitui um todo resultante da integração de múltiplas partes; Labov e Waletzky (1967), que argumentam que a narrativa é uma prática discursiva social do cotidiano na qual se recapitulam as experiências; Hutto (2008), para quem as narrativas são estruturadas a partir de experiências, por meio do fenômeno da psicologia popular; e, por fim, Turner (1997), cuja concepção aponta que a narrativa é uma capacidade essencialmente humana de estabelecer operações mentais básicas.

No terceiro capítulo, evidenciamos a proposta metodológica para a realização do trabalho. Com vistas à consecução do que fora proposto para pesquisa, levamos em consideração os objetivos desejados e demarcamos o caminho a seguir, do início até a fase final de todo o processo de investigação. E assim, acerca da pesquisa, relatamos sua natureza; descrevemos os elementos e procedimentos que a compõem; explicitamos os critérios de organização e seleção de amostragem e os procedimentos de análise.

Na sequência, no quarto capítulo, descrevemos o processo de análise das narrativas selecionadas, observando os critérios considerados. Desse ponto em diante, começamos a análise das narrativas que compõem o corpus.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

"Compreender é o reflexo de criar." (Auguste de Villiers)

Neste capítulo, discorremos acerca das teorias que proporcionaram a construção e a estruturação deste estudo. Cada tópico abordado nasce da inter-relação e da configuração integrada entre as teorias assumidas na pesquisa, o que possibilita a sua sustentação e constituição. As ideias dos tópicos foram organizadas e descritas em subitens, nos quais versamos a respeito de cada uma delas.

A seguir, fazemos uma breve síntese de duas pesquisas publicadas em nível internacional, sob a perspectiva teórica da Linguística Cognitiva, que dialogam com o tema em estudo.

2.1 CONHECIMENTO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS ACERCA DO TEMA ABORDADO

Apresentando as produções, destacamos o artigo Deictic Centers and the Cognitive Structure of Narrative Comprehension, de Rapaport et al (1994). O artigo constitui-se de um recorte de um programa interdisciplinar utilizado para discutir alguns fundamentos teóricos para desenvolver uma pesquisa cognitivo-científica. Envolveu filósofos, linguistas, cientistas da computação, psicólogos, neurocientistas e teóricos literários. Nele os autores adotam a noção de centro dêitico como um modelo mental utilizado pelo compreendedor para o entendimento de espaço, de tempo e de pessoa na narrativa, e também discutem a compreensão da narrativa por meio da ativação de construções e de atualizações linguísticas em uma estrutura de dados, contendo informações de centro dêitico. A partir daí, apresenta um estudo dos mecanismos, estruturas e processos cognitivos envolvidos na compreensão do texto.

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dêitico da narrativa para o "aqui" e "agora" do leitor, e do QUEM que, na perspectiva do leitor, identifica e introduz um novo ator.

Além de apresentarem resultados de experimentos com leitores, aproveitam também a inteligência artificial para apresentar a teoria dos centros dêiticos em modelos computacionais e compartilham uma discussão sobre a implementação computacional, que utiliza o sistema de processamento semântico em rede - SNePS (semantic-network processing system): um sistema de representação de conhecimento e raciocínio intencional e proposicional. Nesse projeto, os modelos do sistema da mente do agente cognitivo – "Cassie" (Cognitive Agent of the SNePS System, an Intelligent Entity) – têm crenças sobre vários objetos para modelar a compreensão de um texto narrativo. Cassie precisa ser capaz de representar e raciocinar sobre coisas tais como as relações espaciais e temporais entre objetos e eventos, além de identificar o QUEM e as relações entre as crenças dos personagens e do mundo da história.

Os autores tratam também do funcionamento geral do centro dêitico no processo de compreensão com dispositivos gramaticais, visto que o conhecimento linguístico exige que o compreendedor mobilize estratégias de ordem linguística e de ordem cognitivo-discursiva que contribuam para a estabilidade e o movimento do centro dêitico sob a forma de estruturas morfológicas e sintáticas.

Outro artigo é Situation models in language comprehension and memory publicado por Zwaan e Radvansky (1994). Ele fornece ao leitor uma visão dos estudos significativos que foram feitos acerca da compreensão científica sobre os modelos de situação na compreensão da linguagem e na recuperação de informações na memória. Concebendo modelo de situação como a representação mental de estados, objetos, coisas e de informações, as propostas dos autores configuram a construção da representação mental de determinada situação descrita não somente do texto em si, mas das representações situacionais em conjunto baseadas no texto, os modelos de situação. Nessa perspectiva, em vez de tratar a linguagem como informações para analisar sintática e semanticamente e depois guardar essas informações na memória, a linguagem passa a ser vista como um conjunto de instruções no processamento de como a construção de uma representação mental de uma situação é descrita, foco dos autores centrado numa visão integrada.

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processo de construção do modelo de situação; a atualização e a recuperação de modelos integrados; e as dimensões situacionais.

No que tange aos artigos delineados e a este trabalho, percebemos que entre eles há fenômenos linguísticos que se aproximam, os mecanismos cognitivos, que é do nosso interesse de investigação. Como precisávamos ancorar nosso trabalho em alguma teoria, aportamos nessas, acrescidas de outras, por exemplo, a Sociologia e a Psicologia, também importantes na pesquisa. Assim, procuramos traçar um panorama geral da relação entre as teorias, as quais nos deram o suporte necessário para nossas investigações.

A seguir, destacamos os estudos da Linguística que precederam a Linguística Cognitiva.

2.2 OS ESTUDOS COGNITIVISTAS E A LINGUÍSTICA COGNITIVA

Para muitos, o interesse do homem em entender o funcionamento da mente humana inicia-se no período da filosofia clássica nos estudos centrados em questões epistemológicas, isto é, no exame de como se dá o conhecimento, a apreensão do mundo e as ações enigmáticas – que circundam linguagem, mundo, realidade, percepção e cognição – nas transformações que ocorrem no universo subjetivo por meio da representação mental e o processamento do pensamento.

Com o passar das décadas, várias linhas de investigação afluíram ampliando o novo campo de pesquisa denominado de ciências cognitivas. Essa expansão deu-se por meio da filosofia, da psicologia, da linguística, da neurociência, da ciência da computação e da inteligência artificial – em particular, na área das redes neurais. Dessa forma, quando se trata de cognitivismo, percebemos o caráter interdisciplinar do estudo da mente e constatamos que há um esforço científico em investigar e responder às questões epistemológicas, como constatamos no percurso dos estudos da Linguística Cognitiva.

Retomando os aspectos históricos, e antes de definir a Linguística Cognitiva, vamos considerar algumas das questões fundamentais que a epistemologia versa sobre a origem e as contribuições de estudos que a caracterizam.

Iniciando por um período mais moderno da filosofia, no séc. XVII, podemos dizer que os estudos cognitivistas tiveram contribuições do filósofo René Descartes, que defendia a separação evidente entre o corpo e a mente, o que chamamos de dualismo cartesiano do pensamento.

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diferente desta. O corpo era materializado e tido por autômato, comparável às máquinas. Nessa perspectiva, o filósofo concebeu ainda que havia, de sobremaneira, a existência de algo pensante, “o sujeito do pensamento”, e um eixo central em torno do qual um conhecimento surgiria a todo questionamento, “a mente”, sendo esta última superior, constituindo elemento distintivo do ser humano. Descartes defendia que éramos substâncias cuja essência ou natureza consistia em pensar e para tal, “[...] Esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é

inteiramente distinta do corpo” (DESCARTES, 1983, PARTE IV). Essa concepção foi tão bem

argumentada que deu início a uma tradição epistemológica de que o corpo era percebido como matéria irracional e vazia e a mente como a autora da atividade racional – pensamento.

Admitindo que os conhecimentos são adquiridos por meio de experiências vividas, surge o behaviorismo como modelo de estudo da psicologia, definindo o comportamento pelas unidades analíticas de estímulos e respostas, fundamentado nas descobertas de Ivan Pavlov, John Watson e Burrhus Frederic Skinner. O enfoque do estudo é dado na mera resposta ao estímulo ou a forma como as consequências modelam ou mantêm um comportamento.

Como os estudos no behaviorismo se mostraram insatisfatórios, surge então, a partir da década de 1950, uma nova ciência da mente, a cibernética – e as ciências cognitivas, como sua posterior substituta. A cibernética teve como um dos precursores Alan Turing, com estudos desenvolvidos na lógica e na matemática. Turing marcou o próprio nome na história da computação quando tornou possível o processamento de símbolos, ligando a abstração de sistemas cognitivos e a realidade concreta dos números. Além disso, criou um teste, usado até hoje para descobrir o nível de inteligência de um programa de inteligência artificial, para identificar a proximidade que a máquina tem em poder imitar o cérebro humano.

Com essa inovação tecnológica, iniciavam-se os estudos que estabeleciam ligação entre cérebro e computador. A mente era entendida como manipuladora de representações simbólicas. Com essa revelação eclodia a ideia de a cognição humana ser semelhante ao computador, o que originou a metáfora MENTE É COMPUTADOR3. E assim se reforçou o conceito de linguagem como representaçãode uma realidade pronta e imutável.

Mais tarde, Noam Chomsky (1957), com o livro Syntatic Structures, expõe suas ideias a respeito da nova Linguística, baseada em regras formais e sintáticas, próximas às formalizações matemáticas. O autor sustenta em suas teorias linguísticas a concepção inatista – quando defende a ideia de que há uma estrutura linguística do pensamento universal, localizado no

3 A escrita da metáfora conceptual em caixa alta está em consonância com convenção adotada por Lakoff e

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cérebro, a partir da qual se constitui a competência do falante, argumentando que a produção linguística se dava por meio de características inatas, tendo a língua como um conjunto de regras organizadas em nossa mente, livre de qualquer experiência externa.

Segundo εartelota e Palomares (2008, p.178), “a teoria chomskiana está no princípio da

modularidade da mente, segundo a qual a mente é composta de módulos ou partes. Cada um desses módulos responde pela estrutura e desenvolvimento de uma forma de conhecimento”. Baseado nesse princípio, Chomsky considera a autonomia da sintaxe. No entanto, adeptos da semântica gerativista começaram a discordar e levantar críticas em relação à autonomia da sintaxe, alegando que a semântica tem poder gerativo (ORLANDI, 2009). Como dissidentes do gerativismo, destacamos James McCawley, Paul Postal, Háj Ross, George Lakoff e Charles Fillmore, que defendiam que a sintaxe não é autônoma.

Tendo como alguns dos principais pesquisadores dessa nova corrente George Lakoff, Ronald Langacker, Leonard Talmy, Charles Fillmore e Gilles Fauconnier, concebemos que as divergências teóricas concernentes aos estudos semânticos proporcionaram que esses linguistas iniciassem estudos acerca da língua, fugindo da postulação gerativista de que o módulo cognitivo da linguagem é independente de outros. Então, a forma modular adotada para explicar as áreas da mente, por exemplo, o módulo de sintaxe, envolvido com a combinação de palavras dentro de sentenças; o módulo fonológico, envolvido com a representação superficial dos sons dentro de padrões permitidos pelas regras de uma dada língua e pela linguagem humana em geral, passou a ser vista como uma questão de ordem metodológica.

Considerando o que foi mostrado, ressaltamos que, de acordo com Bergen, Evans e Zinken (2007, p. 4),

linguística cognitiva sempre dá uma abordagem “vertical”, em vez de uma

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possíveis que estão simplesmente indisponíveis a partir de uma perspectiva horizontal modular.4 (Tradução nossa)

Nessa visão, a Linguística Cognitiva se opõe à abordagem modular, não admitindo que módulos ou subsistemas da língua sejam organizados distintamente, e fomenta a necessidade de que se investiguem os vários aspectos do conhecimento linguístico que emergem de um conjunto de habilidades cognitivas humanas básicas, na fonologia, na sintaxe, na semântica e na pragmática. Para exemplificar essa abordagem, consideremos a metáfora do bolo (BERGEN, EVANS e ZINKEN, 2007).

Na imagem, vemos que a montagem do bolo se dá em camadas de massas de diferentes sabores, alternando-se na forma horizontal. No entanto, a forma de melhor apreciá-lo é cortando-o e degustando-o na forma vertical, quando sentiremos a mistura de sabores. Justificamos essa exemplificação quando a confrontamos com algumas vertentes linguísticas que consideram que a língua é estruturada em áreas da linguagem organizadas numa modelagem horizontal, isto é, em camadas sobrepostas em que cada uma é estudada e analisada interna e isoladamente – adotando o formalismo inspirado na ciência da computação, na matemática e na lógica. A Linguística Cognitiva atua numa modelagem de camadas de forma vertical, envolvendo a fonologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática. Essas camadas são alinhadas verticalmente de forma que se integram, evidenciando que a língua é constituída num

4“cognitive linguistic approaches often take a ‘vertical’, rather than a ‘horizontal’ approach to the study of

language. Language can be seen as composed of a set of distinct layers of organization – the sound structure, the set of words composed by these sounds, the syntactic structures these words are constitutive of, and so on. If we array these layers one on top of the next as they unroll over time (like layers of a cake), then modular approaches are horizontal, in the sense that they take one layer and study it internally – just as a horizontal slice of cake. Vertical approaches get a richer view of language by taking a vertical slice of language, which includes phonology, morphology, syntax, and of course a healthy dollop of semantics on top. A vertical slice of language is necessarily more complex in some ways than a horizontal one – it is more varied and textured – but at the same time it affords possible explanations that are simply unavailable from a horizontal, modular perspective.”

Pragmática Fonologia Sintaxe Semântica

(21)

conjunto de camadas organizadas distintas e inter-relacionadas (BERGEN, EVANS e ZINKEN, 2007).

Nessa perspectiva, a Linguística Cognitiva considera que a língua não é simplesmente um instrumento de representação do mundo, mas constitui um processo nas relações de interação dinâmica resultante de um produto histórico, social e cultural entre a linguagem e os sentidos que emergem dessa interação.

Com essa concepção, percebemos os diferentes domínios da linguagem pelos quais os sujeitos compreendem o mundo a partir de práticas discursivas situadas, ou seja, em contextos de interação linguística. Assim, as experiências corpóreas, anteriormente omitidas nos estudos cognitivos clássicos, emergem com a cognição corporificada. Corroborando essa concepção, descrevemos essas experiências no subitem a seguir.

2.3 EXPERIÊNCIAS CORPÓREAS NOS ESTUDOS COGNITIVOS

Em termos de ciência da cognição, é possível observar que esta tem sido amplamente discutida e analisada em trabalhos alinhados à perspectiva teórica da Linguística Cognitiva e que estes sustentam que os processos cognitivos se entrecruzam em interações do corpo com o mundo a partir das experiências sensório-motoras interconectadas às estruturas neurais do cérebro, de forma que é impossível conceber o corpo sem o contraponto do mundo onde ele está contido e com o qual interage (JOHNSON, 1987). Nessa perspectiva, a Linguística Cognitiva tem considerado o corpo como parte importante para entender a relação entre a mente e a cognição.

Dessa forma, o conhecimento é, imprescindivelmente, acompanhado de processos de ordem cognitiva, pelos quais as estruturas de conhecimentos são representações das vivências corpóreas afetivas experienciadas em sociedade e que servem de base aos processos conceituais (ibidem).

Para enveredar nessa seara, os teóricos cognitivistas têm sido motivados a investigar questões básicas da ciência cognitiva, como, por exemplo: o corpo tem papel importante na cognição? O sistema motor está envolvido na compreensão da linguagem? Que relações podem existir entre os sistemas conceptuais e nossa estrutura sensório-motora? Esses estudos sugerem modelos para a cognição corporificada.

(22)

em linguagem e como a linguagem do cotidiano está repleta de metáforas, das quais nem sempre nos damos conta; com Lakoff (1987), quando esclarece que as categorias que usamos para pensar e falar não são simplesmente símbolos abstratos representando as coisas do mundo, mas são categorias incorporadas de nossas experiências físicas e sociais; e na versão ampliada por Johnson, The body in the mind (1987), a qual destaca o papel do corpo, além de abordar a origem e a identificação de esquemas de imagem, os quais fornecem a base para estruturar pensamento em níveis mais abstratos. Assim, a Linguística Cognitiva busca estabelecer uma uniformidade acerca de que o pensamento se origina na experiência corporal.

Johnson (1987) apresenta uma nova compreensão na qual explora as maneiras pelas quais o sentido, a compreensão e a racionalidade surgem e são condicionados pelos padrões dessa experiência. O autor desenvolve uma proposta em que a imaginação liga estruturas cognitivas sociais e corporais, ou seja, a integração corpo e mente a partir de domínios experienciais.

Fazem parte dessa concepção adotada na Linguística Cognitiva estruturas como os esquemas imagéticos e frames, descritas a seguir.

2.3.1 Esquemas Imagéticos

Segundo Johnson (1987), o esquema imagético é uma estrutura recorrente das nossas experiências sensório-motoras com as quais construímos padrões dinâmicos de compreensão para as noções de orientação corporal através do espaço, da manipulação de objetos, nas interações perceptivas de forma e de equilíbrio etc.

Para o autor, um esquema possui um nível básico de especificidade e não se refere a nenhuma instância de uso em particular e, tampouco, apenas à capacidade linguística. Entre as estruturas mentais, ele destacou uma variedade particular, originada de nossa experiência sensório-motora cotidiana, que denominou de esquemas imagéticos. Entre alguns exemplos de esquemas imagéticos descritos pelo autor, destacamos alguns dos recorrentes nas narrativas:

CONTÊINER, PARTE/TODO, ORIGEM/CAMINHO/META, ESCALA,

CENTRO/PERIFERIA, LIGAÇÃO5. Examinemos a caracterização de cada um desses esquemas e como eles podem estar relacionados às nossas experiências e compreensão de sentido.

5Usamos a convenção da escrita dos nomes dos esquemas em caixa alta em consonância com Lakoff e Jonhson

(23)

a) Esquema imagético CONTÊINER

Em nossas experiências de mundo, quando nos referimos a contêiner, imaginamos algo como sendo um objeto ou lugar que serve para guardar ou acondicionar coisas.

Em termos de compreensão e apreensão das situações cotidianas pela corporalidade, associamos esse conhecimento ao nosso corpo e o concebemos e experimentamos como se fosse contêiner. Os tecidos e a pele são os limites dos nossos órgãos, por exemplo. Concebemo-lo também como conteúdo dentro de uma sala ou em qualquer outro espaço. Nesses casos os ambientes seriam contêineres e o nosso corpo o conteúdo.

Para que concebamos e compreendamos enunciados, construindo significados a partir do esquema imagético CONTÊINER, mentalizamos que há um espaço interior demarcado por um limite ou fronteira e outra parte exterior. É o que podemos constatar em construções como as destacadas nos fragmentos a seguir, para o esquema CONTÊINER6.

(1) “Querido Diário,

Hoje foi um dia muito difícil para mim. Recebi uma noticia muito inesperada. Quando terminou a aula hoje de manhã, eu e meu irmão entramos no carro (1a) para ir para casa. Meus pais já estavam sentados no banco da frente com

expressões aparentemente serias.”

Em (1a), o termo “no carro” permite a compreensão de um ONDE que possibilita o acionamento do esquema imagéticoCONTÊINER. Para essa afirmação, imaginemos as laterais do carro como sendo o limite entre o interior e o exterior e os passageiros como conteúdo. No exemplo, consideramos as laterais como o limite, a fronteira, e o QUEM e os pais, que estão no interior do carro, como conteúdo. Como foi dito, ilustramos o esquema CONTÊINER com a figura abaixo:

Figura 2: Esquema CONTÊINER Fonte: Duque e Costa (2012, p. 78)

Na figura 2, a linha pontilhada é usada para indicar o limite entre o interior e o exterior. Parece óbvio, mas o intento é mostrar que a noção de contêiner advém exatamente dessa

6 As exemplificações tratadas neste trabalho são recortes de textos coletados para a constituição do corpus utilizado

(24)

percepção, que nos faz entender que se trata de um recipiente no qual podemos colocar ou retirar algo dentro. É por essa limitação das fronteiras, separando as partes internas e externas e a visão de algo dentro do recipiente, que constituímos o esquema CONTÊINER.

b) Esquema imagético ORIGEM/CAMINHO/META

Não diferente do que falamos anteriormente acerca da corporalidade, esse esquema imagético também é arquitetado a partir de experiências corporais. Em virtude do acionamento de palavras e/ou expressões que nos façam experimentar situações de locomoção em direção a um percurso e fim aparente, podemos dizer que há um deslocamento do corpo em que um trajetor claramente definido deixa um marco espacialmente delimitado em direção a outro.

Não há nenhuma dúvida de que chegamos a essa conclusão ao pressupor que temos um ponto de partida, uma trajetória, ou seja, uma direção projetada a partir do ponto de partida e um ponto de chegada. Para dar conta com mais clareza do que tratamos, vejamos, a seguir, algumas situações com as quais possamos compreender a significação das construções.

(2) “Querido Diário,

estou me sentindo horrível pois eu e minha irmã recebemos a péssima noticia de que iremos se mudar para o Brasil (2a) Justo agora que eu

estou começando” auge”aqui na Itália (2b), pois eu estou começando a amenizar a ausência do diálogoaqui em casa. (2c)”

Conforme o texto (2), sabendo-se previamente que o QUEM da narrativa residia na Itália, construímos o evento narrativo no qual a construção (2a), “iremos se mudar para o Brasil”, na expressão locativa “para o Brasil” identificamos um ONDE, sugerindo um deslocamento de um lugar para outro. Essa compreensão é possível por meio da construção em

(2b) “eu estou começando ‘auge’ aqui na Itália”, visto que ocompreendedor entende que o

aqui” corresponde ao local no qual se encontra o QUEM, na Itália.

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Figura 3: Esquema ORIGEM-CAMINHO-META Fonte: Duque e Costa (2012, p. 82)

Na representação da figura 3, podemos perceber que há um percurso indicado pela linha tracejada de A a B, seu fim aparente indicado pela ponta da seta. Temos A que representa o ponto inicial, a ORIGEM, a linha tracejada aponta o percurso, o CAMINHO, a ser seguido pelo trajetor, por fim o ponto B que indica o fim do percurso, a META. É a partir dessa concepção de imagem que podemos dizer que há um deslocamento do corpo.

c) Esquema imagético PARTE/TODO

Quando falamos em quebra-cabeça, conseguimos imaginar um jogo no qual várias peças se integram para formar um todo. A nossa compreensão de mundo também se expande de forma que nos favorecemos de nossas experiências e reconhecemos que o nosso corpo é formado por vários membros e que estes constituem formas elementares para formação do todo.

Conforme essa percepção, experimentamos o nosso corpo como um TODO constituído por suas PARTES (cabeça, tronco, braços, pernas etc.). Essa experiência é expandida de forma que percebemos a estrutura PARTE/TODOem diversos seres e objetos existentes no ambiente em que vivemos, como podemos observar no fragmento a seguir:

(3) “[...] O diretor é um homem velho, mas parece ser gente boa. Ele nos mostrou a sala de informática, a cantina, o ginásio (3a) e finalmente ele quis me mostrar a minha nova classe. Chegando na porta eu fiquei com as mãos (3b) geladas.”

No fragmento acima, na perspectiva do QUEM narrador, encontramos situações que trazem o esquema imagético PARTE/TODO. Na construção (3a), quando concebemos que “a

sala de informática, a cantina, o ginásio” fazem parte de uma estrutura escolar, e em (3b) quando

temos “mãos” como parte do corpo.

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Figura 4 - Esquema PARTE/TODO Fonte: Duque e Costa (2012, p. 79)

Na figura 4, temos a noção da PARTE e do TODO, isto é, podemos ver que Esta configuração constitui um papel importante para a definição do esquema.

d) Esquema imagético CENTRO/PERIFERIA

Conforme vimos mostrando, mais uma vez tratamos da corporalidade para mostrar como o nosso o corpo se torna objeto da forma como construímos o sentido da linguagem.

Algumas vezes falamos ou até ouvimos alguém falar de outrem que vive na periferia. No panorama descrito, facilmente inferimos que se trata de alguém que mora afastado ou nas proximidades dos grandes centros urbanos, com os quais a periferia assume uma relação de dependência. Na visão de organização urbana, a cidade é formada pelo centro (local de mais movimento) e pelos bairros (localização mais afastada), que em alguns casos podemos chamar de periferia. Considerando a forma como esse esquema se estrutura, experimentamos nosso corpo como se tivesse centro e periferia. Temos o centro que é o tronco e a periferia como sendo as partes mais afastadas desse centro, como os dedos, os cabelos e os pés.

Na perspectiva linguística, no que diz respeito à constituição dos sentidos sobre a corporalidade, estendemos essa compreensão através das experiências que moldam as situações, ou seja, da maneira como colocamos as coisas no centro ou em destaque. Assim, o efeito de afastamento pode ser configurado em situações como a descrita no exemplo abaixo:

(4) “εinhas(4a) primeiras semana no Brasil, no começo foi complicado, (...), mas depois de algumas semanas eu conheci dois amigos que são Bruno e João(4b). Eles foram as pessoas que me ajudaram pra eu se adaptar ao ensino

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No exemplo acima, a partir do centro dêitico, temos uma situação de esquema CENTRO/PERIFERIA quando consideramos o QUEM narrador (4a) como centro, por ter os eventos focados nele, ou seja, os fatos a serem descritos discorrem em torno dele. Os dois amigos, Bruno e João (4b), são considerados como periferia, pois apenas constituem o evento descrito. A figura a seguir esclarece o esquema CENTRO/PERIFERIA.

Figura 5:Esquema CENTRO/PERIFERIA Fonte: Duque e Costa (2012, p.81)

A apresentação do esquema na figura da estrela mostra o “meio” da ilustração como o CENTRO e cada extremidade da estrela a PERIFERIA. Lembramos que as extremidades estão afastadas, mas mantêm vínculo com o centro.

e) Esquema imagético ESCALA

Para conceituar esse esquema, imaginemos o ato de encher um recipiente com determinada substância, como água, por exemplo. À medida que o fazemos, percebemos que o volume aumenta. Em experiência como essa, no que diz respeito à corporalidade, constatamos que à medida que adicionamos mais substância em um recipiente, essa ação aumenta o nível do volume ou se retiramos mais substância, essa substância diminui o nível do volume. Essa mediação realizada para quantificar as relações de grandezas quantitativas ou qualitativas é feita por escala.

Assim, norteados por regras de proporcionalidade, podemos estabelecer relação entre as dimensões de um desenho e o objeto representado, bem como reduzir a uma folha de papel objetos ou lugares. É nesse ponto em que a imaginação e o conhecimento se entrecruzam a ponto de se atingir a redução das grandes coisas e o aumento das coisas pequenas.

(28)

também apresenta uma característica cumulativa. Como estamos tratando de experiências corporais, vejamos uma das maneiras de conceber o esquema ESCALA em narrativas.

(5) “Meu amigo, você não imagina com fiquei na hora, de um lado meu irmão gritando dizendo que não queria ir, do outro minha e meu pai tentando explicar. Não sabia o que fazer minha cabeça estava inchendo (5a) de tanta coisa que ele falavam”.

Em (5a), constatamos que o fato de o QUEM dizer que a cabeça está “inchendo” caracteriza muita conversa, ou seja, um acúmulo de informações. E como exemplificamos anteriormente, que uma das situações em que concebemos o esquema ESCALA é quando enchemos um recipiente com determinada substância, a expressão mostra-nos isso. No exemplo acima, imaginemos a cabeça com um recipiente e a conversa como sendo o conteúdo. Assim,

ao dizer que a cabeça “estava” enchendo, conseguimos perceber que há um acréscimo de

volume no recipiente, sendo esse volume constituído pelas informações, pela conversa. A figura abaixo ilustra o esquema ESCALA.

Figura 6:Esquema ESCALA Fonte: Duque e Costa (2012, p.82)

A figura do esquema ESCALA mostra-nos a relação proporcional e dimensional entre um arco e outro, e a partir dessa noção cumulativa podemos construir orientações para representações de objetos, situações de intensidades, de graus e de direcionalidade.

f) Esquema imagético LIGAÇÃO

(29)

ocorre quando uma entidade se liga a outra(s) por associação, por relacionamento ou por atributo.

Em nossas experiências corpóreas, concebemos o esquema LIGAÇÃO a partir da primeira experiência física, do cordão umbilical, visto que a cicatriz deixada pelo corte do cordão marca significativamente a separação com mãe, além da experiência de elos na infância. Com isso, construímos a capacidade perceptiva de interação entre duas entidades que se ligam. Para exemplificar o que foi exposto, segue um exemplo.

(6) “Sei que minha mãe (6a) é brasileira, e me contou sobre o Brasil, eu

pensava em ir ao Brasil mas para passar as férias e não para morar”.

Em (6a) temos um exemplo de LIGAÇÃO quando ligamos as duas entidades mãe > filha e a elas atribuímos uma inter-relação que estabelece um elo familiar conectando-as. A figura a seguir delineia o esquema de LIGAÇÃO.

Figura 7: Esquema LIGAÇÃO Fonte: Duque e Costa (2012, p.80)

Na figura do esquema LIGAÇÃO, vemos a Entidade A sendo ligada por meio de linhas pontilhadas à Entidade B, estabelecendo o elo entre as entidades. Significa que o esquema é constituído a partir da ligação entre os dois pontos. Esse liame pode ser constituído como sendo ligações afetivas, associativas etc.

Citamos alguns dos esquemas isoladamente, mas cabe também mencionar que os esquemas imagéticos não operam de forma isolada. Em composições proposicionais pode-se

apresentar mais de um esquema. Como podemos verificar em “Quando acabei de almoçar subi

(30)

O exemplo revela um QUEM que se locomove para o quarto. Temos, então, dois esquemas: ORIGEM/CAMINHO/META, quando traçamos o percurso feito pelo QUEM, e esquema CONTÊINER, sendo o QUEM entendido como o conteúdo, pois está dentro do quarto, que é, como dito anteriormente, o CONTÊINER.

Percebemos ainda no exemplo que o QUEM narrador pode ser compreendido como trajetor, isto é, ele muda de uma localização dentro do espaço. A meta, ou ponto de referência, é o objetivo final. Essas noções nos são possíveis a partir de experiências espaciais que nos permitem dar conta dessa trajetória. Na configuração do esquema imagético, destacamos ainda uma série de pontos contíguos que ligam a origem com a meta, o caminho.

Na cena organizada, temos então um QUEM saindo da sala (origem/CONTÊINER) encerrando seu percurso (caminho) no interior do quarto (meta/CONTÊINER). Esse é um modelo de compreensão do movimento de um percurso que parte de um recipiente para outro.

Como acabamos de ler, existem os chamados esquemas combinados, nos quais podemos identificar mais de um esquema imagético, conforme possibilidades de criação a partir das construções linguísticas. Utilizamos a figura a seguir a título de representação para a associação entre esquemas.

Figura 8: Esquemas Combinados (adaptada de BERGEN; CHANG; 2003, p.3)

Fonte: Duque e Costa (2012, p.83)

(31)

De acordo com o que expomos, podemos concluir que esquemas imagéticos são representações criadas a partir de nossas experiências corpóreas e que estas, associadas e comparadas com outras experiências, podem ser formatadas e adaptadas para a compreensão e representações de várias outras situações.

Paralelos aos esquemas imagéticos, existem ainda os sistemas de estrutura cognitiva decorrentes da experiência social, os frames, que serão tratados na seção seguinte.

2.3.2 Frames

Como já mencionado em seções anteriores, vimos que as estruturas de modelos cognitivos são construídas a partir de conhecimentos adquiridos por meio da interação social e das experiências corporificadas, desempenhando importante papel no processo de compreensão humana, visto que a construção dos modelos consiste, sobretudo, do uso que fazemos das informações armazenadas. Como parte dos modelos cognitivos, é necessário que apresentemos também o frame.

No estudo de frames, destacamos um dos prenunciadores, Marvin Minsky, na década de 1970. Para Minsky (1974), um frame é uma estrutura de dados para representar uma situação estereotipada, tal como estar em determinado tipo de ambiente.

Como outros sistemas de estrutura cognitiva, os frames são uma tentativa de representar de forma estruturada o conhecimento armazenado na memória sobre o mundo. Para tanto, anexado a cada frame,um conjunto de informações é apresentado (MINSKY, 1974):

a) algumas são como utilizar o frame, saber o que compõe determinada situação;

b) outras são sobre o que se acredita ser possível perceber ou acontecer em determinada cena, como, por exemplo, alguém se dirigir para um carrinho de sorvete e

c) algumas são sobre a captura das propriedades de conhecimentos compartilhados acerca de pessoas, eventos e ações.

Como seria representar essa situação estereotipada? Em algumas situações presumidas, vamos visualizar como seriam essas representações mentais, ilustradas com os seguintes

exemplos: “Ir a uma festa de aniversário de criança”, “Ir a uma festa de aniversário de

(32)

Quadro 1: Representatividade de situações criadoras de frames Fonte: Elaborado pela autora

Exemplos

Informações que compõem o frame Informações de

como utilizar o frame

Informações sobre o que se acredita ser possível perceber ou

acontecer em

determinada cena.

Informações sobre a

captura das

propriedades de conhecimentos compartilhados sobre pessoas, eventos e ações.

a) Ir a uma festa de aniversário de criança

Balões, presentes, decoração de festa, brigadeiro, docinhos, refrigerante, bolo, lancheirinhas

Hora dos parabéns (apagar a vela) Fotos (registros da festa)

Ambiente festivo,

decorado, com

crianças correndo, pessoas sentadas conversando, música

b) Ir a uma festa de aniversário de casamento (bodas)

Dependendo do horário e o tipo de recepção (almoço, jantar, brunch), presentes, doces, salgados

Hora dos parabéns (apagar a vela) Fotos (registros da festa), presença da família (filhos, netos, genros, noras)

Ambiente festivo, decorado, encontro de família e de amigos, música pessoas sentadas conversando

c) Entrar em um quarto de um adolescente surfista

Prancha de surf, pinturas ou imagens decorativas

(surfistas, ondas, coqueiro, areia praia – cenário praiano)

Conversa entre amigos surfistas, com prancha debaixo do braço. Surfista cai quando está pegando onda (surfistas, prancha, ondas).

Objetos temáticos de surf decorativos e/ou

espalhados no

quarto.

d) Entrar em um quarto de um bebê

Berço, cadeira de balanço, brinquedos, mobiles, bichinhos de pelúcia

Bebê chorando (mãe trocando fraldas ou amamentando)

Bebê fazendo coco, xixi (mãe trocando

fralda) bebê

chorando com fome (mãe amamentando)

(33)

um quarto de adolescente e um quarto de bebê. A esses conhecimentos farão com que selecionemos antecipadamente os frames“festa” e “quarto”, ou seja, os objetos, as informações e propriedades que configuram cada ambiente. Isso significa dizer que, para uma festa infantil, uma festa de casamento ou para um quarto de bebê, ou um quarto de um adolescente, esperamos certas particularidades, que dizemos slots, ou seja, espaços vazios nos quais, geralmente, podemos acionar atributos, conceitos ou informações para preencher as situações para cada cenário. Além disso, podemos também fazer upgrade, atualização de cenas feitas na memória à medida em que os slots são preenchidos.

Para Minsky (1974), podemos pensar num frame como uma rede de nós e relações em que há níveis superiores e níveis mais baixos. Os "níveis superiores" de um frame são fixos e representam as coisas que sempre são verdadeiras sobre a suposta situação. Já os níveis mais baixos têm muitos terminais - slots, que devem ser preenchidos por instâncias específicas ou dados. De acordo com Duque e Costa (2012b, p.110),

Um frame é compreendido como um conjunto de slots que descrevem os atributos (facets) dos “objetos” em diferentes contextos (views). Sempre que um frame é processado, um conjunto de slots é automaticamente preenchido com valores- padrão (default) para aquela situação, embora esses valores possam se alterar ao longo do processamento discursivo. Os frames devem ser pensados, portanto, como estruturas dinâmicas, tendo em vista que são continuamente confrontados com as experiências e revistos. De qualquer modo, a fala, o gesto ou o movimento não fariam sentido na ausência de qualquer frame.

Conforme citação dos autores, reiteramos de maneira mais detalhada o que apresentamos anteriormente. Para termos o conhecimento do que é um frame, é fundamental que saibamos que é ele que nos oferece as informações necessárias para que representemos mentalmente uma situação ou ambiente já estereotipados, isto é, informações já preconcebidas e fixadas pela frequência de uso ou aceitação cultural. A esse espaço de preenchimento chamamos de slots. Por isso, dizemos que o preenchimento desses slots é feito com propriedade ou qualidades específicas de cada situação, os valores-padrão que, como fora explicitado antes, podem ser atualizados durante o processo de compreensão, caracterizando a dinamicidade dos frames.

(34)

modelos cognitivos, podemos encontrar no armário da cozinha alimentos, material de limpeza ou louça, e o que menos poderíamos encontrar seriam os sapatos.

De forma geral, vimos que o frame não acontece isolado, mas há representações continuamente combinadas com as informações existentes de um conjunto de elementos (relacionados com cada experiência sensório-motora) e uma estrutura (que contém as propriedades e as relações que os elementos mantêm entre si).

Duque e Costa (2012a) classificam os frames em quatro tipos e postulam que, atuando junto aos frames, encontram-se os esquemas imagéticos, que constituem o modo como a memória de um indivíduo se organiza em termos de experiências corpóreas. Esses esquemas são organizados em termos de tipos ideais, estruturas mais fundamentais da percepção, da manipulação de objetos e movimento dos corpos. Parece-nos interessante que ilustremos a situação. Consideremos que alguém em uma conversa com colega tenha dito “... no segundo dia eu fui parar no hospital (...) e tive que tomar soro...”.

Na situação mencionada, temos previamente uma compreensão do frame que constitui

o evento. As relações que envolvem “hospital” são entendidas por meio de esquemas de base –

imagéticos – conjuntamente com slots, que seriam preenchidos por elementos específicos como médico, enfermeira, pacientes etc. que compõem o determinado frame, a partir do cenário em questão, pela formulação de modelos de frames. A partir da situação descrita anteriormente, eis uma ilustração interessante de como podemos constituir os frames.

Figura 9: Ilustração do frame hospital Fonte: Elaboração da autora, 2014.

(35)

Vemos que a palavra “hospital” ativa um conjunto combinatório de slots que correspondem ao frame. Verifiquemos, a seguir, os tipos de frames com os quais podemos adequar às situações do cotidiano, baseados em Duque e Costa (2012a):

a) Cenário: os elementos que compõem um cenário formam um conjunto a partir do qual é possível reconhecer um determinado lugar como sendo um quarto, uma igreja ou uma

sala de aula, por exemplo. Recuperando o exemplo “... no segundo dia eu fui parar no

hospital (...) e tive que tomar soro...”, ativamos conhecimento sobre a estrutura e elementos que compõem o cenário hospital, como quarto de enfermaria, apartamento, UTI, sala de emergência, médicos, enfermeiros(as), pacientes etc. Juntamente ao cenário imaginado, processamos alguns esquemas como ORIGEM-CAMINHO-META, que tem como base a experiência corpórea de deslocamento espacial, visualizado pelo percurso feito até o hospital; o esquema CONTÊINER, que possibilita a visão interna do cenário, as partes que constituem o todo, (quarto de enfermaria, apartamento, UTI, sala de emergência), e o esquema LIGAÇÃO quando compreendemos os papéis específicos desempenhados pelos profissionais da área médica (médicos, enfermeiros(as), pacientes).

b) Roteiro (script): o roteiro se organiza em torno de um estado inicial, uma sequência de eventos e um estado final. Por exemplo, no cenário hospital acontecem cenas formadas por roteiros incorporados a partir da normalização de diversas experiências semelhantes que ficam armazenadas em pacotes de organização de memória. Reportando-nos ao exemplo anterior, percebemos que a sequencialidade de cenas realizadas durante os procedimentos do atendimento médico (“tomar soro”) é acionada com base em cenário, roteiros e cenas previstas para esse tipo de atendimento. A esse roteiro relacionamos o esquema ORIGEM-CAMINHO-META, dada a sequência das cenas.

c) Conjunto de traços: as categorias7 estabilizadas dentro de uma cultura são frames, tendo em vista que os elementos que compõem uma determinada categoria são reconhecidos em função de alguns traços recorrentes. Podemos dizer que as categorias médicos, enfermeiros, pacientes, por serem prototípicos ao frame hospital encontram-se mais ao

7 Tratamos categoria como sendo o resultado de um processo de categoriza, ou seja, a atividade cognitiva que nos

(36)

centro, enquanto categorias como atendente e assistência social encontram-se mais afastados, portanto, são periféricos. Nessa perspectiva temos o esquema CENTRO/PERIFERIA. Por se tratar de categorias, encontramos também no frame

conjunto de traçoso esquema CONTÊINER.

d) Taxonomia: a hierarquização de categorias constitui o frame taxonomia8. Essas categorias possuem conjuntos de elementos que têm traços recorrentes e possuem diferentes graus de importância. Dessa forma, visto que a taxonomia classifica hierarquicamente categorias distintas, particularmente, são evocados os esquemas ESCALA e PARTE/TODO. No frame hospital, temos como exemplo taxonômico as categorias médicos>enfermeiros >técnico de enfermagem que se organizam em níveis hierárquicos superiores e inferiores, respectivamente. Nesse aspecto, temos o esquema imagético ESCALA, visto que as categorias se organizam em níveis. Podemos inferir também que essas categorias (partes) fazem parte de um todo (área médica), portanto, temos o esquema PARTE/TODO.

Conforme o exposto nesta seção, corroboramos o posicionamento Duque e Costa (2012a) quando postulam que frames e esquemas imagéticos constituem o modo como a memória de um indivíduo se organiza, respectivamente, em termos de experiências socioculturais e corpóreas no processo de compreensão.

Falamos no trabalho da clássica dicotomia entre corpo e mente, seguida de teorias que adotam a concepção de que os conhecimentos são adquiridos por meio de experiências corpóreas. Até aqui, discorremos acerca de alguns aspectos de abordagem corporificada, cabendo-nos, também, o empenho de apresentar e descrever estudos que analisam a construção de sentido, a compreensão de narrativas a partir de processamento mental. É o que fazemos na seção a seguir.

2.4 O CENTRO DÊITICO

Sob o prisma da Linguística Cognitiva, principiamos discorrendo acerca dos Centros Dêiticos, focando sua importância para a compreensão de narrativa e, posteriormente, nas

8De acordo com Dubois et al (2001, p.580), taxonomia é uma classificação de elementos, de séries de elementos

(37)

análises, na identificação das estruturas cognitivas e processos cognitivos subjacentes ao evento narrativo.

A forma mais incipiente de introduzir o papel do Centro Dêitico na narrativa é esclarecer a associação conceitual de dêixis e Centro Dêitico, visto que a compreensão de dêixis tem avançado e agregado conceitos como o de Centro Dêitico, que é o processo mental pelo qual modulamos situações de fala que estão ancoradas à identidade de um personagem, ouvinte ou falante, numa situação espaço-temporal.

O ponto comum entre essas duas situações de associação conceitual é que ambas são elementos referenciais que servem para dar coordenadas espaço-temporais, sociais e discursivas a entidades (personagens) num contexto.

A despeito dos conceitos, a dêixis é compreendida como uma situação referencial realizada num ato enunciativo no qual um enunciado é produzido e definido pela sua relação com o locutor. Dessa forma, de acordo com εarmaridou (2002, p.65), “dêixis é um termo que deriva da palavra grega ίξiç (que significa 'apontar'), diz respeito ao uso de certas expressões linguísticas para localizar entidades espaço-temporais, sociais e discursivas num contexto”9, tradução nossa. Rapaport et al (1994) dizem que termos dêiticos apontam e remetem a determinados elementos que indicam localização e identificação pessoal (eu, tu/você), espacial (aqui, ali) e temporal (gora, ontem) de objetos, pessoas, eventos e atividades construídas a partir da posição do corpo do locutor, que servem como um guia no processo de compreensão da leitura.

No entanto, em estudos mais recentes, linguistas começaram a investigar o papel da dêixis no processo de compreensão da narrativa, buscando apreender os processos cognitivos utilizados a partir das mudanças dêiticas nas situações espaço-temporal e de fala, concebidas a partir de um Centro Dêitico. Assim, autores como Almeida (1995); Rapaport et al, (1994); Rapaport, Shapiro (1995); e Segal, Bruder e Daniels (1984) postulam que, além dos pronomes pessoais e demonstrativos, dos recursos que se relacionam com declarações de espaço e tempo, também estão inclusos como termos dêiticos os verbos “vir”, “ir”, “trazer” “buscar”, “deixar” que, quando usados em diálogos face a face, seus significados dependem do contexto espaço-temporal coordenado no ato da enunciação. Essas coordenadas originam o que chamamos de Centro Dêitico, que consiste na origem de lugar (“vir” e “ir”), de tempo (“agora” e “depois”), e de pessoa (“eu” e “você”). Para essas coordenadas foram atribuídos termos que determinam

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Figura 2: Esquema CONTÊINER     Fonte: Duque e Costa (2012, p. 78)
Figura 3: Esquema ORIGEM-CAMINHO-META   Fonte: Duque e Costa (2012, p. 82)
Figura 4 - Esquema PARTE/TODO   Fonte: Duque e Costa (2012, p. 79)
Figura 5:Esquema CENTRO/PERIFERIA  Fonte: Duque e Costa (2012, p.81)
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Referências

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