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2.5 MODELOS DE SITUAÇÃO

2.5.4 Modelos de situação e simulação mental

Para Bergen e Wheeler (2005), simulação mental é a criação de experiências mentais de percepções e de ações na ausência de sua manifestação externa. Isso significa dizer que quando as experiências perceptuais, motoras, sociais e estímulos afetivos não estão contextualmente presentes, a vivência delas é recriada através de ativação de estruturas neurais responsáveis por revivê-las. Dessa forma, o significado das construções linguísticas depende de termos tido experiências no mundo real, onde recriamos essas experiências em resposta a essa entrada linguística e as usamos para produzir saída linguística significativa por meio do processamento da simulação mental.

Pensando a compreensão como um processo pelo qual fazemos uso de nossas experiências para compreender e relacionar as situações e os eventos que nos circundam, certificamos que, para a realização de tal processo, utilizamo-nos de construções mentais criadas a partir de experiências sensório-motoras as quais, relacionadas às situações e aos eventos descritos, são denominadas de simulação mental. Assim, dizemos que simulação mental é um processamento em que, por meio de experiências prévias na memória, como as experiências de percepção (visual e auditiva), de controle motor e de deslocamento (ou seja, as experiências sensório-motoras e as experiências afetivas), simulamos ações e situações criando imagem na ausência de sua manifestação externa.

De acordo com Bergen e Wheeler (2005), o uso da linguagem envolve integralmente processos perceptuais e motores, uma vez que a produção de língua requer o controle manual, facial e de outros efetores22. Dessa forma, o processamento da linguagem começa com a revelação visual, auditiva e de outros sinais perceptivos e resulta na ativação das estruturas neurais sobrepostas com aqueles sinais que seriam usados para realmente perceber ou executar o conteúdo descrito.

Para Duque (2012), as experiências de simulação são sentidas qualitativamente como percepções reais: as cores, por exemplo, são simuladas da mesma maneira como as cores diretamente percebidas e as ações são simuladas da mesma forma como são sentidas quando executadas. Nesse sentido, é correto afirmar que a simulação mental faz uso das mesmas partes do cérebro dedicadas à interação direta com o mundo, de forma que quando ouvimos ou lemos sentenças, simulamos mentalmente a visão da cena e a realização que está sendo descrita. Consideremos o exemplo a seguir, retirado do corpus da nossa pesquisa:

(15) “quando meu pai saiu do quarto eu fui direto pro telefone ligar para meus colegas...”

Algumas pesquisas têm evidenciado que, para compreendermos sentenças como (15), simulamos ações, como sair e ir. Nessa sentença, simulamos os ambientes e a orientação das pessoas mencionadas: o pai que estava dentro do quarto; a outra pessoa que se direciona para pegar o telefone. Simulamos os objetos, como o telefone e até a ação de realizar a ligação.

22 Os efetores, construídos por músculos e glândulas, são órgãos que recebem estímulos do Sistema Nervoso

A compreensão de sentenças como essa ocorre pelas simulações motoras e perceptuais acionadas pelas palavras, que combinadas adequadamente possibilitam o mapeamento e a configuração de quais experiências devemos simular mentalmente. Dessa forma, nas construções linguísticas, cada palavra assume uma posição como argumento e ganha significação. Para isso, a gramática nos guia quanto ao modo de organizar essas experiências na simulação mental, uma vez que ela coloca as palavras ordenadas nas sentenças de forma específica. Visto assim, simulamos de diferentes formas. Veja os exemplos a seguir:

(16) “O δiuzzi entregou o posto de capitão do time ao professor” (17) “O posto de capitão do time entregou o δiuzzi ao professor”

Após a leitura das duas construções, nos exemplos acima, notamos que, apesar de serem construídas com as mesmas palavras, no entanto, simulamos de forma diferente, não pela diferença das palavras em si, mas pela ordem como os termos foram organizados gramaticalmente. Para compreender o exemplo (16), simulamos as ações, no caso entregar e a orientação do objeto mencionado, o termo capitão do time. Com entregar, podemos acionar percepções internas de ações motoras como estender o braço para a frente ou para o lado para passar algo; o termo capitão do time aciona experiências como a de que o capitão é um jogador experiente e identificado por uma faixa colocada no braço por cima do uniforme. O que não acontece com (17), uma vez que não conseguimos simular uma função materializando-se e entregando o Liuzzi ao professor. Considerando essas informações, simulamos a ação em (16) e podemos afirmar que a gramática desempenha o papel de mapear as contribuições que as palavras individuais trazem para a simulação mental.

Assim, dizemos que a noção de que a compreensão da linguagem torna-se significativa pela utilização de percepção e de ação implica na execução da simulação mental de uma cena descrita, na qual o entendedor ativa representações sensório-motoras correspondentes ao que os participantes da cena podem fazer.

Pensando no aparato teórico que a Linguística Cognitiva nos oferece, bem como em todo o desenvolvimento das teorias para a compreensão da narrativa, é importante enfatizar que, neste trabalho, muitos foram os ganhos em discorrer sobre as estruturas cognitivas e associá-las aos conhecimentos que são ativados durante o processamento de uma narrativa para poder chegar ao momento da compreensão de situações que passam despercebidas, mas que se integram para construir um significado.

Considerando que este trabalho está focado em narrativas, no capítulo seguinte, discursamos em torno de explorações teóricas acerca de estudos narrativos.