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4. Experiências de aprendizagem de L2

4.1. Framework de experiências de aprendizagem de Miccoli

Para investigar as experiências relacionadas ao contexto da sala de aula, este trabalho parte do framework teórico proposto por Miccoli (1997), em sua versão mais atual, datada de 2009, segundo o qual as experiências podem ser classificadas em diretas ou indiretas e individuais e/ou coletivas.

Segundo a pesquisadora (2004), as experiências diretas de aprendizagem são aquelas que têm sua origem dentro da sala de aula, ou seja, elas acontecem como conseqüência de se ser um estudante. São derivadas da interação entre a oportunidade de aprendizagem que cada tarefa proporciona aos estudantes e as percepções que cada estudante tem de cada tarefa. Elas se subdividem em três categorias: experiências cognitivas, afetivas e sociais.

As experiências indiretas de aprendizagem, por sua vez, são aquelas que não se originam na sala de aula, mas que se constituem em experiências associadas, de alguma maneira, ao processo de aprendizagem vivenciado por cada estudante. São assuntos ou experiências que influenciam sua percepção ou explicam seu comportamento em sala de aula. São subdivididas em quatro categorias: as contextuais, pessoais, conceptuais e futuras. A Figura 02 traz um esquema simplificado e didático que ilustra a natureza das experiências formais de ensino e aprendizagem de L2, em função das categorias de experiências que lhe são constitutivas.

FIGURA 02 – Natureza das experiências formais de ensino e aprendizagem de L2 FONTE: MICCOLI (2009, p. 15)

Cada uma das sete categorias de experiências diretas e indiretas é desmembrada nos vários tipos de experiência de sala de aula de L2 que compõem, por sua vez, o

Framework Miccoli de experiências de aprendizagem formal de L2.

Originalmente, esse framework representou, em seu trabalho, o produto do levantamento e da organização de todos os tipos de experiências que a pesquisadora encontrou no contexto da sala de aula por ela investigada. Ele materializa a intenção da pesquisadora de organizar, em um único instrumento, as experiências que encontrou nos dados por ela coletados, considerando o seu caráter (individual ou coletivo), a sua natureza (cognitiva, social, afetiva, contextual, pessoal, conceptual ou futura) e a forma como elas acontecem no contexto de uma sala de aula de L2 (diretamente, em função da dinâmica das aulas em si, ou indiretamente, em função de sua inter-relação com experiências diretas), conforme ilustrado pelo Quadro 03.

Por acreditar no potencial desse instrumento de evidenciar o movimento de experiências ou aspectos de experiências de aprendizagem de L2 de estudantes, decidi adotá-lo para fazer a análise da experiência de pesquisa vivenciada pela informante

deste estudo. Dessa forma, ele funcionou como framework, possibilitando a representação do contexto e da ecologia das experiências analisadas. Por isso, defendo que ele seja considerado mais do que mera taxonomia.

QUADRO 03 – Framework original de Experiências de Aprendizagem Formal de L2

EXPERIÊNCIAS DIRETAS EXPERIÊNCIAS INDIRETAS

Experiências Cognitivas Experiências Contextuais Cog 1. Experiências nas atividades em sala de aula Con 1. Experiências institucionais Cog 2. Identificação de objetivos, dificuldades e

dúvidas Con 2. Experiências extrainstitucionais

Cog 3. Experiências de participação e de desempenho Con 3. Experiências relativas à

língua estrangeira

Cog 4. Experiências de aprendizagem Con 4. Experiências decorrentes da

pesquisa

Cog 5. Avaliação do ensino e/ou da aprendizagem Con 5. Experiência do tempo Cog 6. Experiências paralelas às atividades de sala de

aula Experiências Pessoais

Cog 7. Estratégias de aprendizagem Pes 1. Experiências pornível sócio- econômico

Experiências Sociais Pes 2. Experiências anteriores Soc 1. Interação e relações interpessoais Pes 3. Experiências na vida

pessoal

Soc 2. Tensão nas relações interpessoais

Pes 4. Experiências no trabalho Soc 3. Experiências como estudante

Soc 4. Experiências do professor Experiências Conceptuais Soc 5. Experiências em grupos ou em dinâmicas de

grupo

Cre 1. Ensino de Inglês Soc 6. Experiências em turma Cre 2. Aprendizagem de Inglês Soc 7. Estratégias sociais Cre 3. Aprendizagem pessoal

Cre 4 Papel do estudante

Experiências Afetivas Experiências Futuras

Afe 1. Experiências de sentimentos Fut 1.Vontades e desejos

Afe 2. Motivação, interesse e esforço Fut 2. Necessidades Afe 3. Atitudes pessoais

Afe 4. Atitudes do professor Afe 5. Estratégias afetivas

Didaticamente, as experiências diretas foram organizadas em categorias, definidas em função de sua natureza, e dispostas do lado esquerdo do quadro. Também

organizadas por categorias que denunciam sua natureza, à direita do quadro, foram dispostas as experiências ou os aspectos de experiências que emergiram dos dados da pesquisadora, em função de existirem em inter-relação com as experiências diretas.

Tais experiências, indiretas, podem coexistir eternamente com as experiências diretas com as quais estão relacionadas, evidenciando o fato de que muitas experiências são uma combinação de duas ou mais experiências e uma somatória de vários aspectos de experiências de tipos variados. Ou então elas: (1) surgem em decorrência das experiências diretas às quais se relacionam, (2) desencadeiam o seu surgimento ou (3) passam a coexistir com as diretas a partir do momento em que é estabelecida uma inter- relação de qualquer natureza entre elas.

Apesar de parecer simples e coeso, o framework, na verdade, abarca todo o caráter complexo dos processos de ensino e aprendizagem de L2, extensamente ressaltado por Miccoli (1997-2009), sempre que a pesquisadora se pronuncia a respeito do contexto formal de aprendizagem de L2. Tal complexidade está no fato de que as categorias e suas unidades constituintes existem em constante interação e mudança, já que apenas nomeiam processos humanos historicamente situados em contextos muito fluidos, porque co-construídos pelos estudantes em interação, e muitas vezes até irrecuperáveis, visto que precisam ser remontados aos relatados dos informantes. Relatos esses parciais, frutos de sua percepção emocionada da realidade em que transitam.

As experiências diretas e as indiretas não existem enquanto experiências isoladas umas das outras, como se encontram aparentemente apresentadas pelo framework. O instrumento é apenas uma representação didática, uma antevisão do universo em eterna co-construção que constitui a dinâmica de qualquer sala de aula de L2 do Brasil. Por si só, o instrumento já revela os princípios da interação e da continuidade de Dewey

(1933), o que depõe a favor de sua força representacional e de seu valor potencial como instrumento de análise de experiências de aprendizagem de L2.

Considerando que a intervenção feita pela pesquisadora refere-se à mediação do gerenciamento da motivação dos informantes com vistas ao desenvolvimento de uma aprendizagem de L2 mais autônoma, o caráter complexo das experiências a serem analisadas parece-me necessariamente maior, visto que elas irão se constituir através dos elementos constituintes de outros dois construtos inerentes à motivação: a identidade e a autonomia. Construtos esses também abstratos, contextuais, situados e em eterno movimento.

Tomando emprestadas as palavras de Coterall (2004: 6), “se nosso objetivo é facilitar o desenvolvimento de autonomia pelos estudantes, precisamos começar

investigando por completo o contexto em que sua aprendizagem ocorre.”87

Nesse sentido, o desafio que se impõe ao levantarmos essas considerações é o de tentarmos mostrar o framework em movimento, ou seja, compreendermos e podermos revelar a forma como as experiências narradas pelos informantes se inter-relacionam na aprendizagem formal de L2 que ora empreendem.

Este capítulo de Revisão da Literatura apresentou o conceito de autonomia adotado, discutiu o papel da reflexão e da motivação na aprendizagem autônoma e apresentou as possibilidades conhecidas de gerenciamento da aprendizagem de L2 para sustentar a iniciativa deste estudo em operacionalizar o modelo motivacional de Dörnyei e Ottó (1998), atualizado por Dörnyei (2001). A partir de agora, passo a apresentar a Metodologia que se fez necessária para viabilizar a empreitada.

87

Tradução minha para: If we wish to support our learners in developing their learning independence, we

METODOLOGIA

1. Formato metodológico da pesquisa: do contexto e da informante

Esta pesquisa é de natureza qualitativa principalmente em função do caráter complexo, subjetivo e individual do fenômeno a ser investigado – o desenvolvimento de autonomia por uma estudante. Por isso, para o seu desenvolvimento, foi usado o formato do estudo de caso, conforme prescreve Nunan (1992).

Em função do paradigma teórico traçado por Larsen-Freeman & Long (1991, p. 12), acerca da metodologia de pesquisa qualitativa para a aquisição de L2, esta pesquisa apresenta as seguintes características desse tipo de intervenção metodológica investigativa: preservação do ponto de vista do informante, observação não controlada, natureza subjetiva, perspectiva êmica, orientação exploratória e descritiva, porém dedutiva no que se refere à discussão dos resultados, caráter processual e holístico, valorização do caráter dinâmico da realidade.

Pelo fato de a pesquisa se inscrever dentro da perspectiva da teoria sociocultural, pode-se dizer ainda que ela tem caráter contextual, ecológico e social (LANTOLF, 2000). O caráter contextual evidencia-se através da realização da coleta e da análise dos dados, ao se ter o cuidado de se considerarem os fenômenos em função do contexto situado em que acontecem. O caráter ecológico faz-se perceber ao longo de toda a pesquisa, uma vez que a realidade é entendida por mim como holística e indivisível, ou seja, não há como se investigar um fenômeno como o desenvolvimento de autonomia considerando apenas um aspecto ou outro de sua integridade. A realidade é fluida, está em constante mutação e tudo está conectado a tudo. Isso significa que os vários aspectos que compõem determinado fenômeno e o contexto em que esse fenômeno se dá não são

entidades estanques e, por isso, determinam-se uns aos outros continuamente. Qualquer fenômeno tomado sob uma perspectiva parcial não é revelador dos processos constituintes de sua própria existência e definição.

Segundo Ushioda (2003, 2006), dentre tantos outros, as questões que envolvem o ensino e a aprendizagem de L2 devem ser investigados com o foco no processo. O foco da coleta dos dados e de sua análise está no caráter processual das experiências vivenciadas pela informante ao longo da pesquisa. Da mesma forma, ao tecer as conclusões do estudo, a tentativa empreendida pela informante para desenvolver sua autonomia através do gerenciamento de sua motivação é o elemento contemplado, em detrimento do nível de desenvolvimento de autonomia efetivamente alcançado por ela, ao final da coleta dos dados.

Em grande parte da coleta dos dados foi utilizada a metodologia narrativa, para preservação do ponto de vista da informante (BENSON, 2005; ARAGÃO, 2007; PAVLENKO, 2007; BARCELOS, 2008), o que assegura maior credibilidade ao estudo (CLANDININ & CONNELLY, 2000).1

O caráter social da pesquisa é manifesto pelo fato de que não apenas o fenômeno investigado, mas também a própria pesquisa serem entendidos como processos de natureza social, construídos na interação – seja entre a participante da pesquisa e a pesquisadora, seja entre ela e si mesma, seja entre ela e os recursos que aloca e que mediam a experiência de pesquisa vivenciada.

A informante da pesquisa foi uma estudante de 43 anos, do nível básico/intermediário do curso de Inglês oferecido em caráter de extensão (CENEX), pela Faculdade de Letras (FALE) da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, à

1

Para revisão completa sobre a metodologia da pesquisa narrativa e sua utilização na atualidade, favor ver PAIVA (2008).

época. Ao optar por realizar a pesquisa nesse universo, considerei a possibilidade de os estudantes ali terem motivos para aprender a L2 mais pronunciados do que os estudantes dos cursos regulares da instituição, por exemplo, pelo fato de não existir qualquer obrigação acadêmica para se fazer um curso de extensão, ou seja, eles não estavam ali cumprindo um componente curricular.

2. Cuidados para assegurar a credibilidade, a transferibilidade e a confiabilidade deste