• Nenhum resultado encontrado

Relação entre motivação e autonomia na aprendizagem de L2

3. Possibilidades de gerenciamento da aprendizagem

3.4. Gerenciamento da própria motivação

3.4.1. Relação entre motivação e autonomia na aprendizagem de L2

Aprendizes que aceitam a responsabilidade por sua aprendizagem são mais propensos a alcançar metas; e se eles alcançam suas metas de aprendizagem, eles são mais propensos a manter uma atitude positiva com relação à aprendizagem no futuro. (LITTLE, 1995, p. 176)40

Norton & Toohey (2001), ao discorrerem sobre a caracterização das teorias

cognitivistas a respeito do „bom aprendiz de L2‟41

, pontuam que, pouco antes da volta da virada do século XX, as pesquisas em Linguística Aplicada sobre aquisição de segunda língua foram deixando de focar a aprendizagem apenas em termos de processamento de insumo e de produção linguística, para investigá-la considerando também o contexto sócio-histórico e cultural em que o indivíduo se insere e de que forma ele o faz, ou seja, como ele se posiciona frente às limitações que esse contexto lhe impõe, uma vez que isso se reflete, direta ou indiretamente, na aprendizagem de L2.

Sem subestimar o aspecto cognitivo envolvido nos processos de ensino e aprendizagem de L2, a teoria sociocultural parte do princípio de que a aprendizagem e a linguagem são instâncias eminentemente sociais e contextuais, graças às contribuições de Vygostsky e Bakhtin, em especial (LANTOLF & PAVLENKO, 1995; LANTOLF, 2000). Em decorrência disso, na aprendizagem de L2, passa a se valorizarem as circunstâncias em que os estudantes podem, através de sua interação em práticas comuns à determinada comunidade que usa a L2 como língua franca, com a ajuda de indivíduos linguisticamente mais competentes, construir social e historicamente um conhecimento local (LAVE & WENGER, 1991; DURANTI & GOODWIN, 1992).

40

Tradução minha para: Learners who accept responsibility for their learning are more likely to achieve

targets; and if they achieve their learning targets, they are more likely to maintain a positive attitude to learning in the future. (no original)

Norton & Toohey (2001) acreditam que um foco no contexto precisa compreender não apenas as práticas sociais comuns de determinados grupos em que se inserem os estudantes de L2, mas também é importante que se levem em consideração as questões relacionadas à sua identidade, bem como ao seu agenciamento42 (KRAMSCH, 1993).

Por um lado, frente às demandas dos estudantes para aprender uma L2, Norton

Pierce (1995) propõe o termo „investimento‟ para explicar as questões relativas ao

agenciamento ou à motivação com que eles se envolvem no processo e, principalmente, nele persistem. No cerne de tal proposição, o construto das „comunidades imaginadas‟, referindo-se às comunidades às quais as pessoas podem se afiliar através da imaginação. Em contextos onde a língua alvo não é falada na comunidade em que os estudantes se encontram, tal contribuição ganha relevância considerável, pois retoma e amplia o

conceito de Lave & Wenger (1991): „comunidades de prática‟, proporcionando mais

possibilidades pedagógico-metodológicas.

Por outro lado, Humphreys & Spratt (2008) em um estudo longitudinal43, revelam que a motivação para se aprender uma L2 varia em função dos objetivos dos estudantes, de questões afetivas, da atitude que desenvolvem para com a aprendizagem e de aspectos de sua personalidade. No entanto, os autores (op. cit.) são contundentes ao afirmarem que, em sua investigação, esses fatores modificaram-se ao longo do estudo, por razões diversas. Tal conclusão reforça a perspectiva processual e contextual do construto da motivação adotada por Ushioda (1996-2009), Dörnyei (1998-2009), Csizér

42

Agenciamento tomado aqui na perspectiva que a teoria sociocultural dá ao termo.

43

Trata-se de um estudo realizado em 2003 envolvendo 526 estudantes universitários, em três instituições acadêmicas diferentes de Hong Kong. O estudo buscou levantar as orientações motivacionais desses estudantes em aprender o Inglês, estudado compulsoriamente enquanto L2 além de pelo menos mais uma outra L2. A meu ver, há muitos resultados curiosos, que merecem investigação qualitativa, visto que o estudo é de natureza quantitativa. No entanto, independente da abordagem investigativa, o que me parece irrefutável, em meio aos resultados desse estudo, é a influência do contexto nas questões motivacionais, que o estudo registrou.

& Dörnyei (2005), Conttia (2007) e os demais pesquisadores em Linguística Aplicada adeptos à teoria sociocultural.

Dörnyei (2005) afirma que os estudos sobre motivação podem ser classificados de acordo com as três fases pelas quais passou a história da pesquisa na área: o período sociopsicológico, de 1959 a 1990, profundamente marcado pelas contribuições de Gardner, o período cognitivo, durante os anos 90, e o período processual, marcado pelas pesquisas do século XXI, iniciadas com as contribuições de Ushioda (1996) e Dörnyei & Ottó (1998).

Essas pesquisas partem do princípio de que a motivação é dinâmica (Ushioda, 1996), que precisa ser investigada sob a perspectiva processual, situada e, acima de tudo, em constante mutação. A autora (2003) explicita que as pesquisas sobre motivação precisam ir além da perspectiva psicológica para passar a considerar a interação entre o indivíduo e o contexto sociocultural como uma unidade de análise.

Dörnyei & Ottó (1998) propuseram um modelo processual no qual a motivação para a aprendizagem de L2 pode ser controlada pelos estudantes. Segundo Dörnyei (2001), a inovação de seu modelo em relação à versão de 1998, está em adotar uma abordagem orientada ao processo44, levando em consideração o fato de que a motivação oscila em função do tempo45.

Esse modelo processual compreende três momentos distintos: (1) a fase pré- acional, caracterizada por escolhas e planejamento46, quando os estudantes devem estabelecer objetivos de curto e médio prazo, capazes de lhes assegurar o alcance de um objetivo maior, geralmente de natureza abstrata, que também deve ser estabelecido

44

Tradução minha para: a process-oriented approach (no original)

45

Segundo Dörnyei (2000), um modelo motivacional que pudesse ser aplicado à aprendizagem formal de L2 precisava ser criado e tal modelo deveria girar em torno de um eixo temporal.

46

nesse momento; (2) a fase acional, quando submetas são geradas e implantadas, na busca do alcance dos objetivos pré-estabelecidos. Nessa fase, mecanismos de controle e de proteção da motivação precisam ser acionados até que o objetivo principal seja alcançado47; (3) a fase pós-acional, marcada pela autoavaliação do processo, através do reconhecimento das conquistas num primeiro momento e, a seguir, do levantamento dos aspectos que ficaram a desejar, sob o ponto de vista do estudante, obviamente, com imediato estabelecimento de novas metas, ou seja, futuras ações que visam retroalimentar o processo e proteger a motivação, através do alcance satisfatório dos objetivos de aprendizagem dos estudantes48.

Dörnyei (2001) descreve com riqueza de detalhes cada fase do modelo, dando uma contribuição significativa no sentido de elucidar possibilidades de adoção de uma postura mediadora do desenvolvimento de autonomia pelos estudantes, por parte do professor, enquanto parceiro facilitador dos processos que envolvem o ensino e a aprendizagem de uma L2.

Assim como Thanasoulas (2002), acredito que a teorização de Dörnyei & Ottó (1998) e Dörnyei (2005, 2009), uma vez instrumentalizada, pode se transformar em mais uma maneira de empoderar os estudantes, além do conhecimento acerca das estratégias de aprendizagem e dos estilos de aprendizagem, na promoção do desenvolvimento de autonomia, por viabilizar formas de se exercer um maior controle, um gerenciamento mais completo da própria aprendizagem.

47

Fase motivacional a qual Dörnyei (2001) subintitula de executive motivation.

48