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CAPÍTULO 3 CONTRASTANDO DOIS DISCURSOS SOBRE IRACEMA

3.3 FRANKLIN TÁVORA E SUAS CARTAS A CINCINATO

João Franklin da Silveira Távora nasceu em Baturité, Ceará, em 13 de janeiro 1843. Ainda criança, deixou sua terra natal seguindo para Pernambuco. Em Recife, estudou na faculdade de Direito, onde se formou em 1863. Ainda cursando a faculdade, publicou A Trindade Maldita (1861) e Os índios do Jaguaribe (1862). Advogou por algum tempo até ingressar na carreira política como deputado provincial, ocupando alguns cargos na administração em Pernambuco. Mais tarde, nos anos de 1870, iniciaria uma campanha em prol do regionalismo e da literatura do Norte (BOSI, 1970, p. 161).

Távora iniciou no jornal fazendo pequenas colaborações para a imprensa de Pernambuco, inclusive para o Jornal do Recife – Sciencias – Lettras – Artes. Ele receberia, mais tarde, o convite do proprietário, editor e principal redator desse jornal, o senhor José de Vasconcellos, para trabalhar como revisor de provas no ano de 1866. Távora aceitou o convite, pois sua banca de advocacia não apresentava bons frutos. Ali, teve oportunidade de mostrar suas aptidões como escritor por seu admirável conhecimento da língua portuguesa e da literatura. Foi esse jornal, também, o responsável pela sua entrada na vida política pelo Partido Progressista (AGUIAR, 2005, p. 142-148).

Franklin Távora, ao assumir cargos parlamentares, era constantemente atacado pelos seus adversários políticos do Partido Conservador, que não economizavam críticas nos jornais que circulavam em Recife. Segundo Aguiar (2005, p. 149-150), a ascensão do bacharel em Direito de apenas 25 anos ao cargo de deputado da assembleia provincial não foi bem aceita pelos Conservadores, que atacavam o deputado dizendo ser uma “vergonha” para Pernambuco.

Como nosso propósito com as análises é mostrar que as críticas de Távora tinham razões políticas e não linguístico-literárias, é importante mencionar sua entrada na política, sua conturbada relação com a oposição e uma provável rixa com os Conservadores, partido do conselheiro José de Alencar. Buscamos, também, com essas informações, entender quais condições de produção foram favoráveis às críticas de Távora e encontramos raízes políticas que alegam as pesadas palavras usadas para julgar a obra de seu conterrâneo.

Apresentamos, agora, as críticas ao romance escritas em forma de cartas, cujo destinatário era o escritor, jornalista e advogado português radicado no Brasil, José de Feliciano de Castilho Barreto e Noronha (1810-1879) que, na época das cartas, travava uma campanha acirrada contra José de Alencar, em virtude de seus depoimentos contra a Lei do Ventre Livre, que, para o deputado conservador, era incompleta, pois os filhos dos escravos não seriam realmente livres vivendo no cativeiro com seus pais.

Os debates políticos entre José Feliciano de Castilho e José de Alencar, em tempo concomitante ao surgimento das críticas de Távora endereçadas a Castilho, reforçam nossa hipótese de que o verdadeiro objetivo das críticas não era julgar o estilo do romancista desenvolvido na obra Iracema, mas se aproveitar do momento de conturbação política por que passava a Câmara dos Deputados para entrar em debate com o escritor e atrair a atenção do imperador, humilhando seu inimigo político, como fizeram outros políticos dessa época, conforme atesta Aguiar (2005):

José Feliciano de Castilho aliara-se aos inimigos políticos de José de Alencar, já antes da culminância da polêmica literária a que aderira Távora segundo os mais comprovados pronunciamentos, para obter certas vantagens ou felicidades, já que tais políticos, em geral, procuravam agradar o imperador, que não tolerava Alencar. E essa malquerença vinha desde os dias em que Alencar, de maneira acerba, quando mais jovem, tratara com Gonçalves de Magalhães polêmicas sobre A Confederação dos Tamoios. (AGUIAR, 2005, p. 238).

Os artigos escritos por Franklin Távora, que formam o corpus de nossa análise, foram publicados na revista semanal Questões do Dia, em que o escritor faz críticas a dois romances de Alencar, O Gaúcho (1870) e Iracema (1865). Por

isso, foram escritas em duas séries, sendo a primeira delas as que se referem ao romance regionalista, publicadas entre 14 de setembro e 12 de outubro de 1871, e a segunda série, dedicada ao romance indianista, publicadas entre 13 de dezembro de 1871 e 22 de fevereiro de 1872. As cartas foram reunidas em um livro Cartas a Cincinato: estudos críticos por Semprônio (1872). Nelas, Távora se identificava sob o pseudônimo de Semprônio e tinha como destinatário Cincinato, pseudônimo de José de Feliciano de Castilho.

O tempo entre a primeira série de críticas e a segunda o sujeito argumenta, em Epistola à parte, texto que introduz as críticas, ser devido a ele estar repousando e cuidando da saúde “Acabo de chegar do Arrebalde, onde a minha deteriorada saude me deteve cêrca de quatro mezes. Tranquillisa-te, porém; estou disposto e preparado para a esgrima” (TÁVORA, 1872, p. 128). Assim, após escrever uma série de cartas cujo tom irônico, mal-intencionado, sarcástico e repleto de termos que reforçavam seu objetivo em humilhar José de Alencar, o sujeito tranquiliza seu destinatário afirmando já estar disposto para a “esgrima”, isto é, para a luta.

Na mesma epístola, o sujeito se justifica dos ataques lembrando ao leitor que há menos de duas décadas, quando José de Alencar era um jovem ainda desconhecido, fizera o mesmo com o poeta Gonçalves de Magalhães em suas

Cartas a Confederação dos Tamoios.

Quando J. de Alencar, simples neophyto nas lettras, escrevia desabridas cartas contra um Brazileiro, em todos os sentidos illustre e respeitavel, verdadeira gloria do Brazil, o conselheiro Gonçalves de Magalhães [...]. Pois bem: não faço mais do que seguir o edificante exemplo de J. de Alencar. Fico com o escalpello sobre Iracêma. (TÁVORA, 1872, p. 134-135).

O excerto citado deixa explícito que a crítica feita à Iracema traz consigo a mesma memória discursiva encontrada na crítica de Machado de Assis que analisamos no tópico anterior, ou seja, a polêmica sobre a nacionalidade literária que José de Alencar travou com D. Pedro II ao argumentar que o épico de Gonçalves de Magalhães não representava a verdadeira poesia nacional. Porém, a ideologia representada nessa memória discursiva é oposta à encontrada no texto

machadiano, ou seja, é favorável ao texto épico e sua escrita rebuscada do estilo clássico que parecia agradar o imperador.

O texto nos mostra que a intenção era fazer o mesmo que Alencar fizera com Magalhães, porém Alencar argumentava, como visto no capítulo anterior, sobre a forma clássica que Magalhães escrevia seus poemas e a frieza com que descrevia seus índios, questão observada inclusive por outros escritores românticos, como o português Alexandre Herculano e o brasileiro Francisco de Varnhagen. Para aquele momento de nossa história cultural, ser contrário às formas clássicas da literatura em que a língua portuguesa seguia o rigor das gramáticas significava buscar um caminho que levasse a uma identidade linguístico-cultural e à ruptura do domínio português.

O que evidencia a hipótese de haver no texto elementos implícitos que demonstrem a oposição política é o fato de que, mesmo estando explícita a afirmação sobre Franklin Távora fazer o mesmo que um dia Alencar fizera com Magalhães, é que em nenhuma das Cartas à Confederação dos Tamoios se encontra algum tipo de ofensa ao seu autor, ao contrário das Cartas a Cincinato, em que diversas vezes o sujeito deixa de lado a crítica linguístico-literária para assumir o tom desmoralizante ao escritor de Iracema, como neste trecho da primeira carta da segunda série, publicada em 13 de dezembro de 1871, em que se refere às descrições de ambiente, primeiro em O Gaúcho e, em seguida, em

Iracema:

A impressão, que experimentei, ao entrar no pampa, segundo os desenhos desvairados de Senio, foi a de quem penetrasse n’um cemiterio [...]. As extensissimas paragens que rios bordam e florestas delimitam, figuram leitos de um hospital immenso, sombrio e merencorio [...]. Ora, entre o hospital e o cemiterio só há um passo. (TÁVORA, 1872, p. 141).

Percebemos no excerto citado o exagero sarcástico do sujeito ao tratar as descrições sobre os pampas e o Ceará. Nessa época, Franklin Távora já tinha seu reconhecimento como escritor, mesmo que inferior a José de Alencar, considerado o patriarca da literatura brasileira. Além do objetivo de ferir emocionalmente o escritor de Iracema, as críticas procuram persuadir seus leitores a verem com

desprezo o escritor e sua obra. Dessa forma, o tom agressivo das missivas nos leva a crer que a verdade sobre essas ofensas tenha sido a conturbada vida de deputado e os depoimentos polêmicos de Alencar. E continua o sujeito agora mencionando os vocábulos usados por Alencar:

É o chefe da litteratura brazileira, um genio talvez, porque crea a torto e a direito, seja o que fôr, não importa o que; crea visões; crea disformidades; crea uma linguagem nova; crea vocabulos já creados, velhos, enaltecidos! [...] E o Brazil tem um patriarcha e uma litteratura! O que o Brazil infelizmente tem é um baixo imperio das lettras. Isto sim. Admira-se, exalta-se a imaginação de J. de Alencar. Admiravel é, não ha duvida; agora exaltavel, isso que não. (TÁVORA, 1872, p. 145-147).

Nesse fragmento, percebe-se, nas palavras do sujeito, uma forte crítica ao escritor José de Alencar e ao seu estilo, principalmente nas repetições do verbo criar, quando o sujeito procura fazer o leitor refletir sobre a capacidade criativa de Alencar, buscando colocar em dúvida as alcunhas conquistadas pelo romancista até então, como “chefe”, “gênio” e “patriarca” da literatura brasileira. O sujeito parece se zangar por saber que as outras pessoas exaltavam a figura de José de Alencar, fato corriqueiro noticiado nos jornais que percorriam o império, desde os mais lidos, como o Diário do Rio de Janeiro ou o Jornal do Comércio, até os menos conhecidos. Nessa época, era comum encontrar nas páginas dos jornais citados algum leitor de romances elogiando os trabalhos do escritor José de Alencar.

As alcunhas citadas que foram dadas a Alencar por seus admiradores e os elogios que ele recebia na imprensa ganharam um tom sarcástico pelo sujeito no texto. Parece óbvio que o autor procura entrar na questão da língua portuguesa do Brasil ao dizer “cria uma linguagem nova; cria vocábulos já criados, velhos, enaltecidos”, porém não atribui a Alencar a criação dos vocábulos utilizados por ele em sua obra por já existirem.

Ainda nessa epístola, há um questionamento sobre o conhecimento de Alencar sobre a língua dos indígenas demonstrando estar indignado pelo escritor de Iracema ter dito ser necessário o conhecimento da língua nativa como critério para a nacionalidade da literatura, porém sem nunca ter vivido entre os nativos: “Ora, como ha de conhecer essa lingua quem não penetrou nas tribus, quem não

se achou em contacto com o povo, quem a não estudou nos tempos primevos (...)?” (TAVORA, 1872, p. 152). Os “tempos primevos” a que o sujeito se refere, decerto foram durante a colonização brasileira, quando os jesuítas aprendiam e ensinavam, em suas escolas, a língua nativa aos colonos portugueses que chegavam para habitar o Brasil.

Essa frase citada no parágrafo anterior reforça a memória discursiva da polêmica, sendo que José de Alencar escreveu em uma de suas cartas que Gonçalves Dias também fizera como Gonçalves de Magalhães em relação aos seus índios falarem a linguagem rebuscada dos clássicos. Ao afirmar que José de Alencar não vivera entre os índios para saber corretamente sua língua, lembrou Gonçalves Dias que era filho de uma índia e também escrevera um dicionário de tupi.

Ainda sobre esse tema, o sujeito questiona mais uma fala de Alencar dita nas produções sobre A Confederação dos Tamoios, em que o romancista havia se referido às obras indianistas anteriores a ele, por nenhuma ter realizado a poesia nacional. “Pois bem: elle acha que de quantas producções se publicaram sobre o thema indigena, nenhuma realisava a poesia nacional” (p. 155). Nesse trecho, o sujeito julga o senso crítico de Alencar, por não ter encontrado em nenhuma das obras já realizadas, até a publicação de Iracema, uma que fosse realmente nacional e continua seu tom de ironia ao indianista: “ah! justamente por não havel-o encontrado em parte nenhuma foi que elle adoptou e nos offereceu como o verdadeiro padrão essa poesia pedantesca e diffusa que se esparrama nas paginas de sua Iracêma” (p. 155).

Sobre conhecer ou não a língua dos nativos, o sujeito relata que Alencar conhecia os indígenas de “seu gabinete improvisador”, ironizando o deputado. Opinião contrária ao sujeito que encontramos no artigo de Machado de Assis, escrito para a semana literária do Diário, em que elogia o conhecimento de Alencar sobre a língua dos nativos. Sabemos que Machado era grande amigo de Alencar e o conhecia muito bem, mas esse tema sempre deixou dúvidas nos críticos e leitores das obras de Alencar até os nossos dias.

Mas o que chamou nossa atenção nesses artigos e, por isso, recorremos à AD para lermos o texto além das palavras, foi a declaração que o sujeito faz ao final da terceira epístola, antes do desfecho e de se despedir do destinatário. Ele diz que

andou sem “fôlego”, pois esteve cuidando de seus interesses e também achava que as primeiras cartas tivessem se extraviado devido ao tempo, meses até que fossem publicadas, o que o fez perder a inspiração do momento. Afirma que, durante este tempo, já havia se esquecido de Sênio em razão de outros acontecidos ocorridos durante este período, entre eles, e cita o real motivo das perseguições a Alencar. Observemos:

Eis que vem a questão do elemento servil, o parecer da commissão da camara dos deputados, os discursos parlamentares de J. de Alencar, as tuas magnificas cartas a Fabricio, e finalmente as “Questões do Dia”. Ora, durante todo esse tempo, estivesse eu cuidando dos meus interesses [...] a inspiração do momento foi-se. Veiu depois a doença. (TÁVORA, 1872, p. 154-155).

Por um momento, o sujeito parece deixar de lado seu exame sobre a obra, o escritor e o estilo por ele escolhido para lembrar um acontecimento político e social que era discutido na câmara dos deputados em relação ao elemento servil e ao discurso proferido pelo deputado conservador José de Alencar. O fato político e social a que nos referimos foi a Lei do Ventre Livre.

Nos trechos a seguir, levantamos algumas marcas explícitas que conferem legitimidade à nossa afirmação de que o sujeito das Cartas a Cincinato tinha uma motivação político-ideológica e, para isso, se apoiou na opinião do grupo elegido por D. Pedro II que escreviam à maneira clássica, com uma linguagem rebuscada e bem diferente do que Alencar propunha para nossas letras. Comentamos esses trechos, mostrando primeiramente a defesa dos clássicos e, em seguida, sua ironia diante do uso dos vocábulos de origem na língua geral. Observemos que os argumentos apresentados nos fragmentos, escolhidos na carta de 23/12/1871, são semelhantes aos de D. Pedro II e seus amigos quando defendiam os épicos indianistas:

O sr. Pinheiro Chagas já tem dito antes que “Gonçalves Dias e Magalhães sulcaram o famoso lago d’uma poesia estranha ás regras e aos hábitos europeus [...]. Tem dito egualmente que “desde o Caramurú de Santa Rita Durão, os poetas brasileiros teem entrevisto a mina riquíssima [...] mas até agora nenhum se empregou bastante n’essa inspiração selvática”. E conclue dizendo

que “a Iracema está destinada a lançar no Brazil as bases d’uma litteratura verdadeiramente nacional”. (TÁVORA, 1872, p. 179-180).

Nesse trecho da carta, o sujeito traz à tona a opinião de Pinheiro Chagas, que dizia em seu artigo publicado em Lisboa que comparava o indianismo de José de Alencar ao de Cooper quanto à estética de suas obras serem mais representativas da realidade americana do que Caramuru (1781), escrito por frei José de Santa Rita Durão (1722-1784) e I-Juca Pirama (1851), de Gonçalves Dias (1823-1864), ou A Confederação dos Tamoios (1856), de Gonçalves de Magalhães (1811-1882), porque esses poemas foram escritos inspirados no estilo clássico europeu, que demonstrava preocupação quanto à métrica e à linguagem, sendo assim, não poderiam representar a brasilidade e os índios que viviam em liberdade. O trecho a seguir defende Gonçalves Dias saindo da esfera do texto para mencionar que Pinheiro Chagas não conhece os escritores brasileiros nem o Brasil para tecer uma opinião sobre eles:

Se o escriptor portuguez conhecesse melhor as coisas de nossa terra; se soubesse que ao passo que Gonçalves Dias percorria o Brazil do sul ao norte, penetrando nas entranhas das tribus do Ceará, do Maranhão, do Pará, do Amazonas, atravessando rios caudalosos, margens invias, estudando costumes e dialectos varios, colhendo mil noticias e tradições, José de Alencar escrevia folhetins impregnados de essencias de salões, frequentava os passatempos da côrte, sonhava louras visões de luvas de pellica e de crinoline na rua do Ouvidor ou no Carceller. (TÁVORA, 1872, p. 181-182).

Defende Gonçalves Dias, ao lembrar suas missões pelo Brasil, quando participou da Comissão Científica de Exploração, ocasião em que viajou por quase todo o país. Gonçalves Dias, que também era filho de índia guajajara, escreveu em 1858 um dicionário da língua tupi. Assim, no texto, Gonçalves Dias é exaltado como essencial àquele que se propunha a escrever sobre o Brasil e seus primitivos. Esses valores contradiziam aos de José de Alencar no que criticava o autor de

Iracema, dizendo que sua obra foi escrita em seu gabinete e Alencar nunca havia

presenciado a realidade dos indígenas. Após defender Gonçalves Dias, mais adiante em sua crítica, o sujeito adverte o português e menciona os outros

escritores que escreveram na vertente indianista, mas com o uso de padrões da literatura clássica:

Fique sabendo o Sr. P. Chagas que no Brazil não se conhece outro padrão de litteratura indiana com fóros para interpretar fielmente o caracter local, senão aquelle que o paiz deve ao prestimoso genio do Dias [...]. Logo, meu amigo, a aggressão não se circumscreveu a Gonçalves Dias e a Gonçalves de Magalhães: Porto Alegre, Basilio da Gama, Fr. Santa Rita e todos quantos (passados e modernos) tinham escripto sobre o thema indigena, a todos esses se dirigem os projectis d’aquella máchina de arremêsso, forjada pela mais descommunal philáucia litteraria de que haja noticia entre nós. (TÁVORA, 1872, p. 183-188).

Sobre a nova maneira de se escrever que Alencar apresentara aos brasileiros, o texto de 23/12/1871 julga a nova linguagem usada por Alencar inferior à usada nos épicos e por isso não deveria ser considerada molde para uma poesia nacional:

Nem era de esperar o contrario, porque a poesia brazileira estava já então verdadeiramente inaugurada no paiz. Nem é outra senão a que nos deixaram esplendidamente ensaiada Basilio da Gama e Santa Rita Durão, e que deve ao portentoso pincel de Gonçalves Dias os contornos acordes, os toques magistraes, as linhas correctas, as côres feiticeiras e primorosas com que se decora, n’uma palavra as solidas e inabalaveis bases em que hoje a vemos definitivamente firmada. O que J. de Alencar nos deu na sua Iracêma foi uma poesia de sua invenção, como de sua invenção nos tem querido dar uma língua, uma natureza humana e uma natureza inanimada ao avêsso. A poesia de Um povo não se inventa a mero arbítrio, e dizemos que o typo da Iracema é de pura ficção do autor, porque elle não se apoia na lettra ou espirito da historia, nem nos modelos e estudos dos mestres. (TÁVORA, 1872, p. 183).

Nessa passagem, é possível perceber a crítica à linguagem utilizada em

Iracema e mais uma vez a inferiorizando diante das epopeias ao comparar os

estilos: “os contornos acordes, os toques magistrais, as linhas corretas, as cores feiticeiras e primorosas com que se decora [...] Iracema foi uma poesia de sua invenção, como de sua invenção nos tem querido dar uma língua”.

Na verdade, Alencar não nos deu uma língua, como o sujeito julga ter sido. O que aconteceu realmente é que Alencar observou na fala cotidiana das pessoas a presença de novos vocábulos que poderiam diferenciar o léxico da língua portuguesa usada no Brasil de sua vertente portuguesa. Assim, em Iracema, Alencar não apresenta uma língua inventada, mas procura inserir vocábulos já existentes no cotidiano falado do brasileiro.

Como escritor e homem culto que era, Távora sabia disso, mas sua intenção não foi criticar o livro e o estilo de José de Alencar que se mostrava na época como representante da brasilidade e identidade nacional, mas o político conservador que fazia oposição ao imperador e à família dele, representantes da monarquia. Távora esperava com isso poder se aproximar de D. Pedro II e fazer parte do grupo de