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A LÍNGUA PORTUGUESA: DA FORMAÇÃO AOS NOSSOS DIAS E SUA SITUAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO DURANTE O SÉCULO

CAPÍTULO 4 JOSÉ DE ALENCAR, A LÍNGUA PORTUGUESA E A ATUALIDADE

4.1 A LÍNGUA PORTUGUESA: DA FORMAÇÃO AOS NOSSOS DIAS E SUA SITUAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO DURANTE O SÉCULO

De acordo com Castilho e Elias (2017, p. 437-438), as origens de nossa língua remontam a um passado linguístico habitado em terras bem distantes do Brasil. Por volta de 4.000 a.C., o indo-europeu, que podemos considerar ser uma “língua avó” do português, era falado pelo povo que migrou do norte do mar Negro em direção às planícies do Danúbio. É a maior família de línguas do mundo: estima- se que seja falada por 1.700.000.000 de indivíduos. De seu ramo itálico surgiu o latim, entre 700 a.C. e 600 d.C. que, falado inicialmente apenas na península itálica, seria levado à península ibérica entre 218 a.C. e 18 a.C. vindo a ser implantado apenas no ano 400 d.C. Mas foi apenas entre os séculos XI e XII que o latim vulgar, isto é, o latim falado pelos soldados romanos, começou a se transformar no romance ibérico e a história registrou os primeiros documentos escritos na nova língua.

Sobre a derivação do latim em línguas românicas, Ilari e Basso (2017, p. 17) explicam que,

depois das conquistas militares, o Império Romano passou por alguns séculos de estabilidade, durante os quais o latim vulgar foi

falado na maioria dos territórios conquistados [...]. Posteriormente, alguns dos falares locais derivados do latim vulgar ganharam prestígio e transformaram-se nas línguas românicas que conhecemos hoje: o romeno, o italiano, o sardo, o reto-românico (falado na Suíça e em algumas regiões do norte da Itália), o occitano, o francês, o catalão, o espanhol, o galego e o português.

Sendo assim, o latim vulgar falado pelos militares romanos, com a convivência de séculos de domínio, foi se transformando nas línguas faladas hoje nos países que, no passado, faziam parte dos territórios conquistados pelos romanos. Os autores citados no excerto anterior (p. 18-20) ainda mencionam o papel da Reconquista na formação de nossa língua, por volta do ano 1000 e resultaram na formação dos reinos de Portugal, Castela e Aragão (estes dois últimos que formariam o reino da Espanha).

Mais tarde, em meados do século XV e início do XVI, ocorria o período das

Grandes Navegações ou a Era dos Descobrimentos, em que inicialmente, os

navegantes portugueses, seguidos pelos espanhóis e, mais tarde, outros navegantes europeus, buscavam encontrar rotas para o comércio de especiarias e outras riquezas exploradas na Índia. Foi nesse período que Portugal impôs seu domínio sob outras nações na África, Ásia, Oceania e na América e a consequente inserção do uso da língua portuguesa nesses territórios e, assim, a sua expansão pelo mundo.

Sobre a formação do PB, Castilho e Elias (2017, p. 438) explicam que se desenvolveu com a contribuição de várias línguas faladas por diferentes povos que se estabeleceram em solo brasileiro, como os primeiros portugueses que falavam uma língua anterior ao advento da língua clássica, os escravos africanos, os imigrantes europeus que vieram com o fim da escravidão, a fim de substituírem a mão de obra escrava e os indígenas que aqui já estavam.

Sobre a língua trazida pelos viajantes portugueses, Elia esclarece que:

A língua que as naus lusitanas nos trouxeram com o descobrimento era o português do século XVI, ainda próximo do séc. XV, mas já na sua fase final. O texto mais antigo e inaugural de nossa literatura, o seu prefácio, podemos dizer, é a famosa Carta do escrivão Caminha. Sem dúvida obediente à norma culta, como convinha a um “cidadão do Porto”, não seria esta a pauta da linguagem

praticada pela marinhagem nem pelos poucos de degredados (na verdade, de vários níveis culturais). (ELIA, 2003, p. 46).

Sendo assim, entendemos que a língua portuguesa falada pelos navegantes e degredados era uma língua muito mais próxima do arcaico que do português moderno e havia vários níveis sociolinguísticos entre aqueles navegantes. Outro fator que Elia (2003, p. 46) nos esclarece pouco adiante é que o texto que conhecemos como inaugural da fase moderna da língua foi Os Lusíadas de Camões, escrito em 1572, portanto, a carta de Caminha foi escrita quando a norma culta atravessava por um momento de transição entre o português arcaico e o português moderno. O autor nos dá alguns exemplos de palavras escritas na forma arcaica da língua portuguesa:

Não faltam, contudo, formas ditas arcaicas, de que daremos exemplos: moor (mor), asy (assim), nom (não), leixarey (deixarei), milhor (melhor), pera (para), inorancia (ignorância), afremosentar (aformosear). (ELIA, 2003, p. 47).

Refletindo sobre a opinião de Elia (2003), podemos concluir que a língua portuguesa falada no Brasil pelos primeiros navegantes portugueses do século XVI foi o arcaico, pois, mesmo Caminha, supomos, que tinha um nível sociolinguístico maior que os demais viajantes devido à sua função de escrivão-mor na esquadra de Cabral, escrevia utilizando traços do português arcaico.

Para Ilari e Basso (2017, p. 24-25), o português arcaico é uma língua que está entre o latim vulgar e o português moderno. Os autores assim o definem exemplificando com as mudanças que algumas palavras sofreram ao longo do tempo, desde o latim até os nossos dias, como a palavra padeiro, que advém da latina panatarium > panadeiro > pãadeiro > paadeiro > padeiro. Suas equivalentes em italiano e espanhol, duas línguas neolatinas como o português, são respectivamente, panettiere e panadero.

Dessa forma, entendemos que o português que entrou em terras brasileiras ainda era uma passagem entre o português arcaico e o português moderno, ou seja, havia na língua dos colonos traços dessas duas características linguísticas e foi durante o período de colonização que a língua trazida pelos viajantes se deparou

com as línguas faladas pelos nativos. Nesse primeiro momento da colonização, os portugueses se esforçaram em aprender a língua dos indígenas, a fim de se comunicarem com eles para que lhes ensinassem o caminho até as riquezas.

Decorreu daí um grande fator que contribuiu para haver no Brasil uma língua portuguesa dissonante da de Portugal: o bilinguismo luso-tupi que existiu nos três séculos de colonização lusitana em nosso país até a reforma pombalina, que se deu em 1759 e instituiu a língua portuguesa como oficial na colônia. Com a reforma, os jesuítas foram expulsos do país e suas escolas que ensinavam a língua geral foram suprimidas. Aos poucos, a língua dos indígenas foi deixando de ser falada, mas ela deixou grande marca no PB, como vimos anteriormente. Essas marcas podem ser percebidas ainda hoje em dia na fala dos brasileiros, principalmente no interior de alguns Estados, como o de São Paulo, por exemplo, em que alguns interioranos costumam dizer canaviá (canavial), carnavá (carnaval), arraiá (arraial) como explica Sílvio Elia (2003, p. 56):

Fenômeno comum na fala popular brasileira (e não só popular) é o da queda de l e r finais: carnavá, arraiá, papé, chorá, muié, fervê, amô. O fenômeno é mais comum com o –r [...]. Não custa lembrar que a referência à palavra “imediata” caracteriza como final a consoante interior. Daí atribuir-se à influência indígena no português do Brasil a queda de consoantes finais.

Quanto às influências das línguas indígenas no PB e sua manifestação no linguajar paulista do interiorano, Freitas (1976, p. 22-23) também explica que a inexistência da consoante l e do grupo lh na língua tupi é que adveio um dos nossos vícios linguísticos, a troca da consoante l pela consoante r e o grupo lh pelo ditongo, como em: pórvora (pólvora) e parma (palma); muié (mulher) e fio (filho).

Dessa maneira, José de Alencar não errou ao propor a inclusão de vocábulos indígenas na atividade literária dos brasileiros como meio de diferenciar seus textos dos portugueses, pois isso já era um fato marcante no cotidiano de muitos. O tupi “tingiu” o léxico da língua portuguesa falada no Brasil, dando a ela novas características que foram capazes de diferenciá-la do léxico padrão, falado em Portugal.

Além do “tupinismo”, em outras obras, Alencar também foi censurado pelo uso dos “galicismos” que teve forte influência em nossa língua. As ideias francesas entraram no Brasil e influenciaram os escritores da escola romântica, como visto no capítulo 2 desta tese. Ao lado dos ideais franceses vieram também novas palavras para o nosso léxico, o que, para os puristas portugueses e brasileiros, tratava-se de um sério problema para o idioma de Portugal. Por isso, trataram de coibir esse influxo, como atesta Cunha (1976, p. 32-33):

Sem se aperceberem de que o ingresso de galicismos em fins do século XVIII e princípios do século XIX era o natural efeito de irradiação dos fulgores da cultura francesa – da Ilustração, da Enciclopédia, da Revolução, do Romantismo – os puristas portugueses e, atrás deles, os brasileiros julgaram poder impedir tal invasão submetendo espíritos a uma atmosfera de pânico. Na entrada de galicismos viam uma nova ofensiva de bárbaros (barbarismo passou a ser mesmo o sinônimo mais usado de galicismo), e já pronunciavam a anarquia, a decomposição e a morte do idioma.

Não faltam exemplos de galicismos na obra de José de Alencar, como nesta oração retirada do romance Cinco Minutos (1856): “Quando tu te voltas ao som da minha voz, eu tinha entrado no toilette” (ALENCAR, 1991, p. 29); neste trecho de A

Viuvinha (1857): “Dizem que há um momento em que toda mulher é bela, em que

um reflexo ilumina o seu rosto e dá-lhe esse brilho que fascina; os franceses chamam a isto... lá beauté du dible” (ALENCAR, 1991, p. 59), ou ainda, nesta frase da obra Lucíola (1862): “Que maçada! Esqueci o meu pince-nez, disse Rochinha” (ALENCAR, 1997, p. 42).

A própria Iracema (1865), que estamos vendo com maior profundidade, representante do indianismo, traz traços dessa influência, como na frase seguinte: “Seu lábio gaseou em canto” (ALENCAR, 1865, p. 126), em que percebemos o uso do verbo gazear, do francês. Essa e outras palavras fizeram com que o autor recebesse duras críticas pelo seu uso, sendo que ele respondia aos seus críticos sempre com a certeza de que as palavras por eles criticadas não eram exatamente galicismo, mas o latim, mesma origem dessas duas línguas, português e francês, como no exemplo do vocábulo abandonar, que gerou críticas e José de Alencar explicou o seguinte:

Abandonar, que muitos consideram galicismo, nem é como tal apontado por Fr. Francisco de S. Luís, nem provém de origem francesa. Deriva-se do latim bárbaro bannum exílio, donde formou- se a banno-donare, que deu origem ao italiano abbandonaare (ALENCAR apud PINTO, 1976, p. 81).

Além do arcaísmo, do tupinismo e do galicismo, outra influência marcante que esteve presente nas bases da formação do PB foram as línguas faladas pelos africanos, que, trazidos ao Brasil entre os anos de 1538 a 1855, vieram para servirem de escravos, no número de aproximadamente 18 milhões de negros. Eles se dividiam em dois grupos linguístico-culturais, os de cultura banta que vieram se fixar nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco e Alagoas; e os de cultura sudanesa, que se situaram no Estado da Bahia. Estima-se em 300 o número de palavras africanas que colaboraram com a formação do português brasileiro. São exemplos delas, bagunça, caçula, xingar, Iemanjá, entre outras (CASTILHO; ELIAS, 2017, p. 444-445).

Ainda há no Brasil comunidades em que os falares africanos sobrevivem, trata-se de comunidades formadas por descendentes de escravos africanos que por muito tempo ficaram isoladas, como é o caso da população do Cafundó, um bairro rural no município de Pirapora, interior de São Paulo, e foi descoberta no ano de 1978. Além do Cafundó, foram descobertas comunidades nessas mesmas condições em Tabatinga e Arturos, no Estado de Minas Gerais, e outras no Estado de Mato Grosso e na Bahia (ILARI; BASSO, 2017, p. 88).

Outras línguas, ainda, vieram contribuir para a formação de um português próprio do brasileiro, trazidas pelos imigrantes que começaram a chegar ao Brasil ainda no final do século XIX, por volta de 1870, e, principalmente, após 1888 com a abolição da escravatura e nas primeiras décadas do século XX. Em relação a esse aspecto, concorreram para o desenvolvimento de um PB, espanhóis, italianos, alemães, japoneses, árabes e muitos outros que trouxeram em “suas bagagens” a cultura linguística de seus países de origem, deixando cada qual sua marca enriquecedora no léxico do PB.

No início, os brasileiros nascidos desses imigrantes eram alfabetizados pelos pais em suas próprias línguas, mas isso mudou quando muitos deles

passaram a se ocupar de atividades nas cidades e sua participação em sindicatos e a influência de movimentos operários europeus, como o anarquismo e o socialismo, fizeram com que o governo criasse uma série de leis que restringisse o uso das línguas estrangeiras no Brasil, uma delas foi a proibição de alfabetizar em outra língua que não fosse o português. A língua dos imigrantes europeus e asiáticos influenciou com abundância o vocabulário do PB, porém, essas influências foram quase nulas na sintaxe e na morfologia, uma vez que, ao chegarem aqui, o PB já era uma língua gramatizada (ILARI; BASSO, 2017, p. 81- 82).

Como vimos, povos de diversas nacionalidades que aqui vieram se instalar contribuíram para a formação linguística no Brasil, sendo que cada uma dessas contribuições foi responsável pelas diferenças lexicais entre o PB e o PE. Sobre as características que diferenciam as duas línguas provenientes da influência estrangeira, observemos a opinião do censurado autor de Iracema:

Em Portugal o estrangeiro perdido no meio de uma população condensada, pouca influência exerce sobre os costumes do povo: no Brasil, ao contrário, o estrangeiro é um veículo de novas ideias e um elemento da civilização nacional. Os operários da transformação de nossas línguas são esses representantes de tantas raças, desde a saxônia até a africana, que fazem neste solo exuberante amálgama do sangue, das tradições e da língua. (ALENCAR apud PINTO, 1978, p. 76).

Como vimos, a miscigenação linguística, característica própria de nossa língua, que nos ensinam alguns críticos, linguistas e historiógrafos, já era observada e defendida por José de Alencar no século XIX.

Mesmo sendo evidentes as diferenças entre o PB e o PE com peculiaridades gramaticais, tanto no uso do vocabulário quanto na sintaxe e na fonética, que foram construídas ao longo da história desses dois países, o Brasil é responsável por uma grande difusão da língua portuguesa no mundo, pelo número de brasileiros que residem fora do país, como no Canadá, Estados Unidos, Japão e os países ligados ao Mercosul.

Sobre a atual difusão do português no mundo devido à emigração de brasileiros, o que acontece também com os portugueses, Ilari & Basso (2017, p. 42-43) mencionam que,

em certo momento, na década de 1970, viviam na região parisiense mais de um milhão de portugueses – uma população superior à que tinha então na cidade de Lisboa. Do Brasil, têm emigrado nas últimas décadas muitos jovens e trabalhadores, dirigindo-se aos quatro cantos do mundo. Algumas conexões utilizadas por essa emigração brasileira são bem conhecidas, como aquela que levou muitos mineiros de Governador Valadares aos estados americanos da Flórida e de Nova Jersey, e muitos jovens à Inglaterra e aos Estados Unidos. Um caso à parte é o dos decasséguis, os descendentes brasileiros de imigrantes japoneses que vão ao Japão trabalhar como “trabalhadores transferidos”.

Os autores ainda relatam que, em certos lugares, onde há grande concentração de imigrantes, sua cultura linguística é preservada, como em Toronto (Canadá), onde circula um jornal escrito em língua portuguesa, o Sol Português, mantido pelas comunidades portuguesa e brasileira.

Nas últimas décadas, o PB passa por uma nova influência, desta vez devido ao imperialismo norte-americano e seu forte predomínio cultural na América Latina. São exemplos da influência de origem norte-americana no português brasileiro: o verbo deletar, que usamos principalmente na linguagem da informática, veio do inglês delete e significa excluir. Esse verbo sofreu alterações quanto à desinência verbal no ato do aportuguesamento, por seguir o processo prototípico natural: verbos recebem as desinências verbais atendendo à flexão da língua portuguesa e necessariamente vinculando à primeira conjugação, já as palavras fast food e

delivery, entre outras, entraram para o vocabulário do PB fazendo parte do dia a

dia das pessoas, mas sem sofrerem alterações, uma vez que substantivos tendem a manter-se.

Assim, entendemos que o multilinguismo presente na história do Brasil desde a chegada dos primeiros portugueses é um forte responsável pelas diferenciações entre o PE e o PB e essas diferenças foram os motivos de indagação por parte de muitos intelectuais que atuaram em áreas relativas à língua portuguesa desde o século XIX, como vimos em José de Alencar, que julgava necessária a

utilização dessas peculiaridades próprias da língua falada na literatura brasileira como forma de se “proclamar a independência” linguístico-cultural com Portugal.

4.2 A INSERÇÃO DE NOVOS VOCÁBULOS PROPOSTOS POR JOSÉ DE