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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Marcelo dos Santos Carneiro

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Academic year: 2021

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Marcelo dos Santos Carneiro

Polêmicas em torno da língua nacional: uma questão linguística ou política?

Doutorado em Língua Portuguesa

São Paulo 2020

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Marcelo dos Santos Carneiro

Polêmicas em torno da língua nacional: uma questão linguística ou política?

Doutorado em Língua Portuguesa

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos.

São Paulo 2020

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BANCA EXAMINADORA _________________________ _________________________ _________________________ _________________________ _________________________

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“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”. “This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) Finance Code 001”.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me proporcionado condições para que eu pudesse chegar até aqui.

À Virgem e Santa, Nossa Senhora de Aparecida, que cobriu com seu manto celeste e sagrado o caminho percorrido pelos ônibus que utilizei em minhas viagens de Bauru a São Paulo e, também, durante a volta.

Aos meus pais, pela minha existência, educação e atenção que me prestaram durante minha vida.

À Viviane, minha companheira e esposa, que sempre me apoiou nos meus projetos e decisões. Agradeço pelo incentivo para a realização deste trabalho.

Ao meu filho, Nícolas, que, com sua graça de bebê, foi um grande incentivo para minha caminhada.

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos, pela orientação, estímulo e motivação durante o trabalho. Agradeço também pelas correções e sugestões com os textos e trabalhos realizados durante todo o doutorado.

Aos professores Dr. Luiz Antonio Ferreira, Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira e Dr.ª Dieli Vesaro Palma, pelas aulas, orientações e, acima de tudo, o carinho e a atenção prestados a toda a turma.

Agradeço também à Prof.ª Dr.ª Jeni Silva Turazza (in memoriam) por ter me recebido na PUC, em minha primeira visita à Universidade. Na ocasião, havia dentro de mim apenas o sonho de cursar o doutorado nesta instituição, sonho que em algumas horas de orientação se transformou em projeto de realidade.

Aos demais professores do Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa, que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho.

À Prof.ª Dr.ª Regina Brito, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela participação em meu exame de qualificação e da banca examinadora em minha defesa. Agradeço pelas orientações e sugestões dadas que abriram o caminho para a finalização deste trabalho.

À Prof.ª Dr.ª Nancy dos Santos Casagrande, pela gentileza de aceitar participar da banca examinadora.

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Ao Prof. Dr. Altamir Botoso, que tive a honra de tê-lo como orientador em meu mestrado e, hoje, fico feliz com sua participação na banca examinadora em meu doutorado, acompanhando mais um passo de minha vida acadêmica.

À Lourdes, pela atenção e informações prestadas referente ao programa. Aos amigos, que souberam somar e dividir conhecimento durante as aulas e pelas conversas descontraídas na hora do café.

À Capes, pela bolsa que me ajudou com as despesas referentes ao curso. À Prefeitura Municipal de Bauru, pelo dia de dispensa para que eu pudesse frequentar as aulas e as orientações no doutorado.

Agradeço, também, à PUC, pela oportunidade de cursar o Doutorado, esse degrau tão importante na minha carreira de professor. Universidade tão humana e justa em seus princípios e que tive o privilégio de poder conhecê-la em minha vida e poder fazer parte desta família.

Agradeço, enfim, a todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta tese.

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Ruas da Cidade

Guiacurus Caetés Goitacazes Tupinambás Aimorés

Todos no chão

Guajajaras Tamoios Tapuias Todos Timbiras Tupis

Todos no chão A parede das ruas

Não devolveu Os abismos que se rolou Horizonte perdido no meio da selva

Cresceu o arraial

Passa bonde passa boiada Passa trator, avião

Ruas e reis

Guajajaras Tamoios Tapuias Tupinambás Aimorés

Todos no chão

A cidade plantou no coração Tantos nomes de quem morreu Horizonte perdido no meio da selva

Cresceu o arraial

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RESUMO

CARNEIRO, Marcelo dos Santos. Polêmicas em Torno da Língua Nacional: Uma Questão Linguística ou Política? Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

A presente tese, fruto de pesquisas realizadas no PEPG em Língua Portuguesa da PUC-SP, tem como tema as alterações que José de Alencar propôs para a produção do texto literário brasileiro no século XIX na busca de uma identidade brasileira. Este século foi palco de divergências político-ideológicas em torno da nacionalização da língua utilizada no país. Uma identidade linguística e cultural para o nosso povo era reclamada a todo o momento por um grupo de intelectuais que via, na língua portuguesa do Brasil, peculiaridades que a diferenciava da língua portuguesa de Portugal. José de Alencar foi um deles que, em Iracema (1865), introduziu vocábulos próprios da língua tupi para o léxico literário do português do Brasil e propôs aos demais escritores brasileiros que assim o fizessem para a nacionalização de nossa literatura. Sua atitude fez levantar a ira de outro grupo de intelectuais formados por portugueses e brasileiros conservadores em relação à língua portuguesa, o que fez com que seu romance se tornasse uma das obras mais criticadas de nossa história. O objetivo geral desta tese é examinar os discursos sobre a ruptura cultural-linguístico-literária que houve entre Brasil e Portugal no século XIX, de um ponto de vista historiográfico, por meio da polêmica entre os escritores devido à posição político-ideológica de José de Alencar presentes em Iracema e às características linguísticas no campo do léxico. Nossos objetivos específicos são: contextualizar o período em que os textos que compõem as críticas de Machado de Assis e Franklin Távora foram escritos; apresentar as inovações que José de Alencar propôs para a literatura brasileira no campo do léxico, mostradas na obra Iracema (1865); analisar, sob a ótica da AD, os textos que provocaram a polêmica entre Machado de Assis e Franklin Távora em torno de uma literatura nacional iniciada por José de Alencar ao escrever o romance Iracema (1865) e verificar de que maneira o pensamento inovador de José de Alencar mostrado na obra Iracema (1865) reverbera no século XXI, em Ilari e Basso (2017), em Castilho e Elia (2017) e em Houaiss (2009). Nossa hipótese é que Machado de Assis e Franklin Távora, ao escreverem suas críticas, tiveram motivos políticos e ideológicos, além de linguístico-literários. Para comprovarmos essa hipótese, tomamos como referencial teórico-metodológico: a Historiografia da Linguística que trata em investigar as mudanças praticadas na língua durante determinada época, com base em Koerner (2014), Pierre Swiggers (2009; 2010; 2013), Altman (2012), Batista (2013) e Bastos (2004); a questão da língua nacional no século XIX que visa a uma busca pela ruptura linguística do Brasil com Portugal, segundo Elia (2003), Pinto (1978) e Melo (1972), e a Análise de Discurso, que nos fornece os conceitos sobre sujeito, condições de produção, formação discursiva, formação ideológica, ideologia e as relações de poder com base em Michel Pêcheux (2014) e Eni Orlandi (2010; 2015). Com esse estudo, concluímos que José de Alencar, com sua obra, introduziu palavras que constam definitivamente no vocabulário nacional.

Palavras-chave: Historiografia Linguística; Análise de Discurso; Português Brasileiro; José de Alencar; Iracema.

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ABSTRACT

CARNEIRO, Marcelo dos Santos. Controversies around National Languages: Is it a Linguistic or a Policy question? Doctoral Thesis. Pontifical Catholic University of São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2019.

This thesis, results from researches accomplished in the PEPG in Portuguese Languages of PUC-SP, and it has as a theme the changes, which José de Alencar proposes to the production of the Brazilian literary text in the XIX century, in the search of a Brazilian identity. The XIX century was scenes of ideological and policy divergences around the nationalization of the language used in the country. A group of intellectual of Portuguese and Brazilian conservators claimed all the time for a linguistic and a cultural identity for our people, who realized in the Portuguese language of Brazil some peculiarities that were different from the Portuguese language of Portugal. In Iracema work (1865), José de Alencar was one of the writers who introduced own words from the Tupi Language to the literary lexicon from the Portuguese of Brazil and proposed the others Brazilian writers that they did the same as him, in order to the nationalization of our literature. His attitude increased the anger of another group of Portuguese and Brazilian conservators related to the Portuguese Language, thus his novel became one of the works more criticized of our history. The general aim of this thesis is to examine the discourses about the literary linguistics cultural rupture, which happened between Brazil and Portugal in the XIX century, from a historiographic point of view, through the controversy between the writers due to the ideological policy position of José de Alencar in Iracema work, and the linguistics features in the lexicon area. Our specific aims of this thesis are: contextualizing the time when the texts of the criticism of Machado de Assis and Franklin Távora were written; showing the innovations that José de Alencar proposed to the Brazilian Literature in the lexicon area in the work of Iracema (1865); analyzing through the optics of the Discourse Analysis (DA), the polemic texts between Machado de Assis and Franklin Távora around the national literature, which started with José de Alencar in Iracema work (1865); and verifying how the innovative thinking of José de Alencar showed in Iracema work, reverberate until the XXI century, in the work of Ilari and Basso (2017), in Castilho and Elia (2017) and in Houaiss (2009). Our hypothesis is that, when Machado de Assis and Franklin Távora wrote their reviews, they had ideological and policy reasons, beyond literary linguistic ones. To prove this hypothesis, we have as a theoretical and methodologicalreference, the Historiography of Linguistics, which investigates the changes that are practiced in the language during a certain period in some works, as in Koerner (2014), Pierre Swiggers (2009; 2010; 2013), Altman (2012), Batista (2013) and Bastos (2004); the question of the national language in the XIX century, which has as a point of view the search for the linguistics rupture of Brazil with Portugal, according to Elia (2003), Pinto (1978) and Melo (1972), and the Discourse Analysis, which provides the concepts about the subject, production conditions, discursive formation, ideological formation, ideology, and the power relations contained in the works of Michael Pêcheux (2014) e Eni Orlandi (2010;2015). Thus, we can conclude that José de Alencar introduced words that appeared in the national vocabulary in his work.

Keywords: Linguistics Historiography; Discourse Analysis; Brazilian Portuguese; José de Alencar; Iacema.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Flora brasileira. ... 139

Quadro 2 – Fauna brasileira... 140

Quadro 3 – O indígena brasileiro. ... 142

Quadro 4 – Utensílios e instrumentos musicais. ... 144

Quadro 5 – Bebida e comida... 145

Quadro 6 – Costumes. ... 146

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11 CAPÍTULO 1 ENTRE O DISCURSO E A HISTÓRIA: DUAS TEORIAS SE CRUZANDO ... 20 1.1 A HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA E OS PASSOS PARA UM TRABALHO HISTORIOGRÁFICO ... 23 1.2. A ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA FRANCESA – O SENTIDO ENTRE INTERLOCUTORES ... 39 CAPÍTULO 2 O BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E A BUSCA PELA EMANCIPAÇÃO LINGUÍSTICO-CULTURAL EM IRACEMA ... 52 2.1 D. PEDRO II E A ATMOSFERA NACIONALISTA NO BRASIL... 54 2.2 JOSÉ DE ALENCAR E A BUSCA POR UM MODO DE ESCREVER BRASILEIRO ... 73

CAPÍTULO 3 CONTRASTANDO DOIS DISCURSOS SOBRE IRACEMA

... 87 3.1 UM NOVO LÉXICO E UMA DEFINIÇÃO PARA AS DIFERENÇAS LINGUÍSTICAS ENTRE DOIS PAÍSES, BRASIL E PORTUGAL ... 90 3.2 MACHADO DE ASSIS E O DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO ... 95 3.3 FRANKLIN TÁVORA E SUAS CARTAS A CINCINATO ... 105 CAPÍTULO 4 JOSÉ DE ALENCAR, A LÍNGUA PORTUGUESA E A ATUALIDADE ... 122 4.1 A LÍNGUA PORTUGUESA: DA FORMAÇÃO AOS NOSSOS DIAS E SUA SITUAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO DURANTE O SÉCULO XXI ... 124 4.2 A INSERÇÃO DE NOVOS VOCÁBULOS PROPOSTOS POR JOSÉ DE ALENCAR EM IRACEMA E ENCONTRADAS NAS OBRAS DE HOJE ... 132 CONCLUSÃO ... 151 REFERÊNCIAS ... 157

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INTRODUÇÃO

A presente tese tem como tema as posições político-ideológicas de José de Alencar (1827-1877) em relação ao seu pensamento ultranacionalista e seus ideais de incorporar ao léxico da língua portuguesa novos vocábulos, oriundos da língua tupi, a fim de diferenciar a literatura brasileira da literatura portuguesa. Ele foi um político conservador, mas, no campo das Letras, foi um liberal ao sugerir aos outros escritores, no posfácio de sua obra Iracema (1865), um caminho para o problema da nacionalização da língua, fazendo com que recebesse inúmeras críticas. A reflexão sobre a organização discursiva de forças contrárias em relação aos movimentos políticos e ideológicos do século XIX estão presentes nas críticas do escritor Franklin Távora (1842-1888) e de Machado de Assis (1839-1908) sobre o romance Iracema José de Alencar ser ou não um exemplo a ser seguido pelos escritores para o problema da nacionalização da literatura brasileira.

Os textos desses escritores formam o corpus deste trabalho, sendo que a crítica de Machado de Assis foi publicada na seção Semana Litteraria, do Diário do Rio de Janeiro, em duas partes, a primeira em 9 de janeiro de 1866, na página 2, e a segunda parte, no dia 23 de janeiro do mesmo ano, nas páginas 2 e 3, e a crítica de Franklin Távora foi publicada na revista semanal Questões do Dia: observações

políticas e literárias em forma de cartas, entre 13 de dezembro de 1871 e 22 de

fevereiro de 1872.

Os textos analisados, apesar de abordarem o mesmo assunto, fazem-no de maneira diferente, sendo um deles favorável às características presentes no texto de Alencar e o outro desfavorável a essas características. A tese se enquadra na linha de pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa do Programa de Estudos Pós-graduados da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Por meio da leitura desses textos, recuperamos para nossos dias uma discussão, que se deu em meados século XIX, de grande relevância para a construção da nossa identidade cultural e linguístico-literária, uma vez que o assunto se enquadra na questão da nacionalidade linguística, denominada pelos historiógrafos como questões da língua brasileira ou do português brasileiro

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fazendo parte dessa época, sendo que hoje talvez possa ser encarado como um dos momentos mais importantes da história da língua portuguesa no Brasil, por sua característica ideológica de ruptura cultural com o português europeu.

O texto escrito por Machado de Assis, como mencionamos, mostra-se favorável ao romance de José de Alencar, cujo intuito foi o de renovar a língua utilizada na literatura brasileira, enquanto o texto de Franklin Távora avalia de forma negativa e depreciativa o mesmo romance, por sua linguagem exacerbada ao descrever a fauna, a flora e o nativo brasileiro.

Este estudo se justifica por sua relevância entre outros estudos do assunto, tendo em vista a importância que a polêmica gerada por José de Alencar no âmbito da língua e da literatura nacional tem para as letras brasileiras de sua época, bem como para os atuais pesquisadores que se dedicam a essa temática. José de Alencar teve em seu “engenho” uma maneira própria de escrever que o diferenciava dos demais escritores de seu tempo; no âmbito político, era um conservador que se opunha ao imperador e aos escritores que faziam parte de seu mecenato.

Seu ideal em inserir palavras da língua tupi em textos escritos em língua portuguesa era o de encontrar uma literatura que representasse o caráter mestiço do povo brasileiro. Esse ideal de transgressão ao sistema literário da época é fruto de sua consciência política e nacionalista e, mesmo fazendo parte do Partido Conservador, foi um liberal nas letras, como dissemos.

O romancista José de Alencar, político ultranacionalista de seu tempo, propunha em seus livros o uso de uma língua portuguesa nacional, de modalidade brasileira, ou seja, algo que se aproximasse do português falado pelos brasileiros, utilizando vocábulos oriundos da língua dos nossos nativos. Os resultados dessas discussões proporcionam reflexões sobre a identidade nas letras brasileiras.

Para realizarmos nosso trabalho, levantamos a hipótese seguinte: as razões que levaram os autores dos textos selecionados a escreverem suas críticas ao romance Iracema (1865) de José de Alencar podem ter tido razões político-ideológicas e não somente linguístico-literárias. Em uma primeira leitura, observamos que há uma crítica ao modo de escrever de Alencar proposto em sua obra indianista, porém, ao nos aprofundarmos na leitura, podemos encontrar

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marcas textuais que nos fazem considerar um “tom” político-ideológico de seus autores e suas posições frente aos acontecimentos políticos da época. Por essa razão, as categorias escolhidas para a análise do discurso são as condições de produção desses textos, o sujeito e sua posição, por meio das formações discursivas e ideológicas.

Assim procuramos responder às seguintes perguntas:

1. como fatores histórico-sociais contribuíram para a formação nacionalista dos escritores e intelectuais da época em que os textos que formam o corpus deste trabalho foram escritos? Qual era o centro das ideias discutidas por esses intelectuais?

2. como José de Alencar deu início ao debate entre intelectuais brasileiros sobre os rumos que deveria seguir a língua portuguesa utilizada no Brasil?

3. quais as condições de produção em que foram escritos os textos em que encontramos as críticas de Machado de Assis e Franklin Távora?

4. qual a posição e a forma do sujeito encontrados nos textos e quais as formações discursivas e ideológicas desses sujeitos?

5. quais as características linguísticas encontradas na obra Iracema de José de Alencar em torno do léxico que são encontradas em livros modernos que tratam do assunto?

O objetivo geral desta tese é examinar os discursos sobre a ruptura cultural-linguístico-literária que houve entre Brasil e Portugal no século XIX, de um ponto de vista historiográfico, por meio da polêmica entre os escritores devido à posição político-ideológica de José de Alencar presentes no texto e às características linguísticas no campo do léxico, propostas pelo escritor e encontradas em seu livro

Iracema (1865).

Nossos objetivos específicos são:

1. contextualizar o período, segunda metade do século XIX, em que os textos que compõem as críticas de Machado de Assis e Franklin Távora foram escritos;

2. apresentar as inovações que José de Alencar propôs para a literatura brasileira no campo do léxico, mostradas na obra Iracema (1865);

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3. analisar os textos que provocaram a polêmica entre Machado de Assis e Franklin Távora em torno de uma literatura nacional iniciada por José de Alencar ao escrever o romance Iracema (1865), sob a ótica da Análise do Discurso (AD) no que tange às condições de produção, sujeitos e suas formações discursivas e ideológicas.

4. verificar de que maneira o pensamento inovador de José de Alencar mostrado na obra Iracema (1865) reverbera no século XXI, em Ilari e Basso (2017), em Castilho e Elia (2017) e em Houaiss (2009).

A escolha dos textos a serem analisados se dá por eles terem sido escritos por dois grandes romancistas de nossas letras, Machado de Assis e Franklin Távora, escritores engajados nos movimentos literários de seu tempo. Ambos opinaram e criticaram o estilo de José de Alencar visto no romance Iracema, em relação a ser ou não um representante da brasilidade e da literatura nacional por suas inovações.

A obra Iracema sofreu inúmeras críticas desde sua primeira publicação, porém, delimitamos em um período de cinco anos entre as críticas, sendo um texto de 1866 e outro de 1871 para confrontarmos e fazermos nossas análises. A crítica de Machado de Assis foi escrita no ano seguinte à publicação da primeira edição, momento em que a obra estava sendo apreciada por seus primeiros leitores, e a crítica de Franklin Távora, cinco anos após a crítica de Machado, ano seguinte à segunda edição do romance. Apesar da distância temporal entre os textos, podemos considerar que ambos se inserem em um período de fortes críticas ao escritor de Iracema e sua obra, o que nos possibilita confrontá-las.

No século XIX, debates sobre língua, literatura e cultura em geral eram corriqueiros entre escritores, gramáticos, filólogos, políticos e outros intelectuais, pois foi um momento em que o país passava pelo ápice de seus ideais nacionalistas, pela busca incessante por uma ruptura entre Brasil e Portugal e a construção de uma identidade nacional própria, fruto da recente proclamação da independência do Brasil. A autonomia que os brasileiros conseguiram na política e lhes faltava no campo linguístico-cultural teve seu início em meados do século XIX. José de Alencar, além de buscar nos nativos inspiração para seus romances nacionalistas, também se esforçou em criar um estilo brasileiro de escrever,

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tentando incorporar à língua erudita peculiaridades do falar brasileiro, acrescentando novos vocábulos de origem na língua tupi, o que nem sempre foi aceito e entendido pelos demais escritores que já se viam reconhecidos em meados do século XIX. José de Alencar foi criticado em seu tempo e seus romances foram considerados como “defeituosos e incorretos” (COUTINHO, 2004a, p. 265). Os pontos mais criticados de seus textos se referem aos usos dos galicismos e dos brasileirismos.

Quanto à abordagem do nosso trabalho é qualitativa, de natureza teórico-analítica, articulando estudos relativos à Historiografia Linguística (HL) e à Análise do Discurso (AD), pois buscamos neles embasamentos teóricos necessários à construção desta tese, que pretende mostrar, por meio da análise contrastiva de dois textos do século XIX, a intenção político-ideológica dos autores ao criticarem o romance de José de Alencar.

Estamos empenhados em analisar o discurso empregado nesses artigos e sua produção de sentido, em uma época de pleno fervor e debates linguísticos e culturais entre os intelectuais no país. Assim, tomamos como base fundamentos da HL, pois mostraremos nesta tese como se deram o conhecimento e o saber linguístico construído pelos intelectuais envolvidos com a busca da transformação e da afirmação de nossa cultura em detrimento da cultura colonialista imposta por Portugal durante os séculos que antecederam esse período. Entramos em contato com a história focando nela o conhecimento linguístico cultural, uma vez que:

Todo conhecimento é uma realidade histórica, sendo que seu modo de existência real não é a atemporalidade ideal da ordem lógica do desfraldamento do verdadeiro, mas a temporalidade ramificada da constituição cotidiana do saber. Porque é limitado, o ato de saber possui, por definição, uma espessura temporal, um horizonte de retrospecção, assim como um horizonte de projeção. O saber (as instâncias que o fazem trabalhar) não destrói seu passado como se crê erroneamente com frequência; ele o organiza, o escolhe, o esquece, o imagina ou o idealiza, do mesmo modo que antecipa seu futuro sonhando-o enquanto o constrói. Sem memória e sem projeto, simplesmente não há saber. (AUROUX, 2009, p. 12).

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Relacionamos, então, a linguagem à sua exterioridade, o homem à sua história, na busca de encontrarmos os sentidos dos textos analisados. Para isso, foi necessário “mergulhar” em fatos históricos vivenciados por esses escritores que atuaram ativamente na construção de uma identidade nacional e, que julgamos relevantes para reconhecermos as condições de produção destes textos e seus respectivos sentidos. “Podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias de enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio histórico, ideológico” (ORLANDI, 2015, p. 28-29).

Nesse sentido, podemos dizer que este trabalho busca traçar o espírito de época, para encontrarmos nele o entendimento de como se deu a produção linguístico-literária no país e a posição político-ideológica desses autores em relação à identidade nacional. Essa reflexão diz respeito ao meio em que viveram esses escritores, ou seja, informações sobre a sociedade, a filosofia, a cultura, a política, e os pensamentos científico e linguístico. Dessa forma, dizemos que a tese tem como embasamento teórico os conceitos e ensinamentos da HL, porém em uma interface com a AD.

Para isso, dividimos a tese em quatro capítulos, sendo que, no primeiro, tratamos da fundamentação teórica que norteou o caminho para as análises. Foi feita uma explanação sobre os termos e metodologias relacionadas à HL e à AD, por serem essas duas disciplinas constituintes da base teórica para análise dos textos escolhidos. A HL tem como objeto de estudo o desenvolvimento linguístico em seu contexto social, cultural e histórico, enquanto a AD estuda a linguagem e sua produção de sentidos, levando em conta o homem e suas relações com a sociedade em que vive.

Sobre a Historiografia Linguística, assunto tratado no primeiro tópico do capítulo, utilizamos Koerner (2014), que traça passo a passo os princípios que devem ser seguidos por um historiador ao fazer análises de textos escritos em outros períodos e Swiggers (2009; 2010; 2013), que define a historiografia linguística como um empreendimento interdisciplinar, com sua organização interna, e com os padrões metodológicos e epistemológicos a serem atingidos. Temos ainda, como apoio, Altman (2012), Batista (2013) e Bastos (2004), que sintetizam

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as bases metodológicas para a construção de um trabalho de acordo com os princípios da historiografia linguística.

No segundo tópico deste capítulo, foram mostrados alguns conceitos teóricos importantes provenientes da AD de linha francesa, tais como, a própria definição de AD, as condições de produção, formação discursiva e ideológica, a posição do sujeito, o conceito de ideologia e as relações de poder existentes na hierarquia, bem como a relação língua-discurso-ideologia. Para isso, apoiamo-nos em Pêcheux (2014), Foucault (2012), Althusser (2003) e Orlandi (2010; 2015), que traduziu muitas das obras de Pêcheux, apresentando o seu pensamento e introduzindo a AD no Brasil na década de 1970.

Para ambas as disciplinas, antes de conceituá-las, traçamos um breve panorama histórico, mostrando seus trajetos desde o seu surgimento até sua introdução nas universidades brasileiras e, também, justificando nossa escolha por essa interface teórica.

Depois de conceituar e relacionar a HL à AD, ao tecermos nossa fundamentação teórica, escrevemos o segundo capítulo da tese, que mostra um panorama histórico do século XIX, contemplando aspectos sociais, políticos, científicos, filosóficos, culturais, linguísticos e literários, que se relacionam com a produção dos textos escolhidos para análise.

Buscamos em fontes secundárias, ou seja, historiadores e críticos em literatura, historiografia linguística e história do Brasil, informações que nos levaram a uma maior aproximação possível com o período, a segunda metade do século XIX, em que foram escritos os textos analisados e em que viveram seus respectivos autores atuando na política, no jornalismo e na literatura, para demonstrarmos o clima de época e a possível relação dos fatos sociais levantados com os autores e suas obras. Para escrevermos a contextualização, buscamos informações em Sodré (1986; 2004) e Hollanda (1997), entre outros.

Os autores das críticas escolhidas foram engajados nos movimentos literários de seu tempo e lidos até os nossos dias. Por essa razão, buscamos informações sobre o período em que estiveram presentes esses escritores, em críticos e estudiosos sobre o assunto, como Veríssimo (1998), que nos relata sobre

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acontecimentos que, apesar de anteriores a essa época literária, foram de extrema importância para o surgimento de uma mentalidade nacionalista nos intelectuais brasileiros e, para melhor conhecermos os escritores envolvidos nesta tese, encontramos, também, informações em: Candido (1975), Candido e Castelo (1992), Coutinho (1975, 2004), Magalhães Junior (1970) e Bosi (1970).

Uma vez feita a contextualização histórica e social, cultural e científica, linguística e literária dos fatos que ocorreram no século XIX, no que diz respeito aos escritores que escreveram as críticas à obra Iracema de José de Alencar, só então entramos no terceiro capítulo da tese, que dividimos em três tópicos, sendo que no primeiro, sob a luz do segundo princípio de Koerner (2014), o princípio da imanência, mostramos as ideias inovadoras de José de Alencar e seus anseios de renovar nossa língua acrescentando ao seu léxico, novos vocábulos encontrados na língua dos nativos. À miscigenação entre colonizadores e nativos, tema de sua obra, o autor relaciona ao hibridismo linguístico utilizado para escrevê-la. Por essa razão, Alencar julgava necessário ao escritor brasileiro o conhecimento sobre as línguas faladas pelos nativos.

Ainda neste capítulo, no segundo e terceiro tópicos, fizemos a análise do discurso das críticas escritas respectivamente pelos escritores Machado de Assis, a favor do estilo proposto por José de Alencar, e Franklin Távora, contrário ao autor de Iracema. Nessa parte do trabalho fizemos um diálogo com a disciplina Análise de Discurso, utilizando seus pressupostos.

Analisamos a posição ideológica dos sujeitos respectivamente nos textos, suas formações ideológicas e discursivas e, para isso, apoiamo-nos em teóricos que se dedicaram à AD, pois as posições desses dois autores frente aos movimentos políticos e ideológicos do século XIX são contrárias, e seus textos, carregados de ideologia, representam uma verdadeira arena de lutas, assunto que interessa à AD.

No quarto capítulo, abordamos o terceiro princípio sugerido por Koerner (2014), a adequação. Assim, procuramos relacionar e comparar o pensamento e as ideias de José de Alencar em relação às inovações que ele acreditava se tratar de uma evolução da língua portuguesa e foram discutidas em seu tempo, com as características percebidas hoje em dia e caracterizam diferenças entre o português

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do Brasil e o português europeu, tentando buscar alguma relação com as diferenças encontradas na atualidade e suas ideias.

Para isso, recorremos à análise de quatro obras escritas em nosso tempo, buscando nelas alguma possível influência das ideias de José de Alencar. São elas:

O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos (2006) de

Rodolfo Ilari e Renato Basso; a Pequena Gramática do Português Brasileiro (2012), de Ataliba T. de Castilho e Vanda Maria Elias; o Dicionário Houaiss da língua

portuguesa (2009), elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexografia e Banco

de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda., e o Dicionário da Língua Portuguesa (2010). Escolhemos essas obras, pois elas apresentam algo em comum, tratam das diferenças entre língua portuguesa do Brasil e de Portugal.

Dividimos este capítulo em dois tópicos, sendo que no primeiro apresentamos um percurso da Língua Portuguesa desde sua formação até os nossos dias e sua situação no Brasil e no mundo no século XXI, e, no segundo tópico, mostramos que o pensamento de José de Alencar em relação ao léxico da Língua Portuguesa no Brasil se faz presente nas obras da atualidade.

Os textos publicados pela mídia corrente no Segundo Império, por nós escolhidos, refletem muitos dos anseios dos escritores e linguistas em nacionalizar a língua como forma de ruptura cultural com Portugal. Estudá-los analisando como José de Alencar introduziu esse pensamento naqueles jovens escritores e compará-los com textos atuais investigando se há neles a presença daqueles ideais nacionalistas que fizeram parte do imaginário do povo brasileiro em meados do século XXI é relevante tendo em vista a crise cultural por que passa o país, em meio à globalização, sendo que o trabalho proporciona a reflexão crítica sobre a formação linguístico-cultural do brasileiro além de sua identificação cultural.

Passemos, então, ao primeiro capítulo desta tese, com a apresentação de nosso aporte teórico em que mostramos o enlace entre a Historiografia da Linguística, que nos ambienta no contexto sócio cultural e filosófico em que foram escritos os textos a serem analisados, e a Análise do Discurso, que conceitua língua, ideologia, sujeito e as condições de produção.

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CAPÍTULO 1 ENTRE O DISCURSO E A HISTÓRIA: DUAS TEORIAS SE CRUZANDO

Este capítulo se destina à fundamentação teórica da tese. Apresentamos conceitos da Historiografia Linguística e da Análise de Discurso, duas disciplinas que se entrelaçam em uma interface para que possamos atingir nossos objetivos de analisar dois textos escritos por autores distintos, mas que apresentaram o mesmo objeto em suas críticas, o romance Iracema, de José de Alencar, que se configurava na época como algo inovador e por isso era um forte representante da literatura brasileira que ansiava por uma identificação. As mudanças ou inovações no léxico da língua portuguesa para o texto literário propostos pelo romancista são assuntos abordados pela Historiografia Linguística, que estuda as mudanças por que passa uma língua em determinada época, por essa razão recorremos a essa disciplina.

Os textos que contêm as críticas a serem analisadas apresentam objetivos opostos, sendo que uma dessas críticas reconhece Iracema como um romance representante de nossa cultura, enquanto a outra deprecia fortemente o estilo utilizado pelo romancista. Acreditamos que essas diferenças se dão em virtude das condições de produção dos textos e as formações discursivas e ideológicas dos sujeitos ali presentes, assunto estudado pela Análise de Discurso, por isso buscamos um aporte teórico nessa disciplina.

Esses textos foram publicados pela mídia carioca do século XIX, período em que o Brasil passava por um momento de afirmação em busca de sua identificação cultural. No campo da língua e da literatura era comum vermos escritores, filólogos, gramáticos, entre outros intelectuais, criarem suas polêmicas sobre quais rumos deveriam seguir o ensino e o uso da língua portuguesa utilizada no Brasil.

Dessa forma, podemos classificar os textos escolhidos para análise como documentos linguísticos e históricos que retratam uma época de mudanças e afirmação quanto às normas gramaticais e ao estilo que se deveriam adotar na literatura nacional. São verdadeiras fontes históricas que demonstram como aqueles grupos de intelectuais afetaram os rumos e as orientações sobre o

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conhecimento linguístico, como explica Altman (2012, p. 21) ao definir os tipos de fontes históricas existentes:

Hymes e Fought (1981, p. 22) sugeriram uma classificação das fontes a partir do tipo de informação que elas podem oferecer para o historiógrafo. Haveria fontes mais propícias para informar sobre teorias e métodos linguísticos; outras mais afeitas às maneiras pelas quais os linguistas lidaram com dados e problemas; outras que dariam pistas sobre as influências e as afinidades entre os linguistas, ou entre os linguistas e os não linguistas, outras, ainda, que informariam sobre as circunstâncias institucionais, profissionais e sociais que moldaram a atividade de pesquisa do linguista, ou ainda sobre crenças, valores, atitudes de pessoas, grupos de gerações que afetaram os rumos e as orientações que tomou o conhecimento linguístico em determinado contexto histórico.

É olhando por essa ótica que julgamos necessário termos como aporte teórico a Historiografia Linguística, doravante HL, uma vez que essa disciplina se preocupa em estudar os fenômenos linguísticos em uma determinada época e estudá-los requer do analista o conhecimento de fatores culturais, econômicos, políticos e sociais do período em que foram escritos.

Esse “saber linguístico” a que se refere a HL será, neste trabalho, o saber desenvolvido em torno da questão da “língua brasileira”, assunto marcante entre os escritores e gramáticos de meados do século XIX em que predominavam ideias nacionalistas, e que perdurou até o início do século XX. Para este trabalho, focalizamos entre os anos de 1865 a 1871.

Assim, apresentamos, nesta parte do trabalho, definições próprias da HL vistas em teóricos que se debruçaram sobre esse assunto e que, por essa razão, fazem parte de nossa fundamentação teórica, tais como Koerner (2014), Swiggers (2009; 2010; 2013), Bastos (2004), Batista (2013), Altman (2012), entre outros que vieram reforçar nossa teoria. Formalizamos as análises seguindo os princípios sugeridos por Koerner (2014) e os parâmetros de Swiggers (2013) para a realização de um trabalho historiográfico.

Sobre a importância de se estudar a historiografia e os fatos da história da cultura e da sociedade, segue a seguinte reflexão de Swiggers, que serviu de

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estímulo para a realização desta tese, pois se enquadra em nossas convicções e ideais:

A história das reflexões e dos esforços envidados em prol do fenômeno da linguagem é uma parcela essencial de nossa história como seres humanos, e seu estudo não só nos ensina muito sobre a história da linguística (e sua proto-história), como também sobre o papel central que exerceu e ainda exerce a linguagem na história das culturas, das sociedades, das atividades intelectuais da humanidade. (SWIGGERS, 2013, p. 49).

Ler e analisar textos que fizeram parte de uma época de transição cultural pelo qual o país passava exige de nós um “mergulho” na história do Brasil, mas em um capítulo singular, o da história do conhecimento linguístico, a fim de entender as ideias que os escritores defendiam a respeito das transformações e dos fenômenos linguísticos de meados do século XIX, por meio dos saberes que impregnam em seus textos, para compreendermos a natureza de seus discursos.

Embrenhar-se nesses textos é se aprofundar em um momento da história do desenvolvimento de nossas letras deveras importante, pois foi um momento em que esses escritores buscavam algo novo, que pudesse representar a cultura linguística e pelo qual o povo brasileiro ansiava por sua identificação nesse campo. Por isso, além de buscarmos informações na historicidade desses textos, ainda registramos uma análise de discurso com o propósito de investigar nessas composições as razões políticas que levaram seus escritores à tomada de posição.

Além da HL, como dito, conceituamos a AD, buscando em Pêcheux (2014; 2017), Foucault (2012), Althusser (2003), Orlandi e Lagazzi-Rodrigues (2010) e Orlandi (2015) o embasamento necessário para discutirmos os discursos apresentados nas críticas analisadas. Por isso, vimos nesses autores os conceitos de condições de produção, da relação sujeito, linguagem, ideologia e história, da formação ideológica e da formação discursiva. Observamos, ainda, que eles tiveram a mesma inspiração para realizar seus trabalhos: o marxismo. Isso posto, procuramos em Marx e Engels (2009) os conceitos de materialismo histórico e as condições para que sejam produzidas as ideias, almejando entender o que tais conceitos significam para a AD.

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Para cada um dos textos a seguir, o que diz respeito à HL, seguido pelo texto que concerne à AD, iniciamos com um pequeno histórico dessas duas disciplinas, situando-as desde o surgimento delas até a afirmação como disciplina institucionalizada, com seus principais nomes e representantes no exterior e no Brasil, focalizando nelas seu papel dentro da história da linguística, a fim de demonstrarmos o porquê de nossas escolhas.

1.1 A HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA E OS PASSOS PARA UM TRABALHO HISTORIOGRÁFICO

A HL se desenvolveu como disciplina institucionalizada e acadêmica nos anos 1970 com o propósito de teorizar os estudos sobre língua e linguagem e seu desenvolvimento em determinadas épocas em que se inserem os textos analisados. Hoje em dia, há inúmeros grupos nacionais e internacionais que se dedicam aos estudos historiográficos. O objeto de análise da HL são os diversos tipos de textos e o objetivo fundamental do historiador é o de reconstruir o ideário linguístico e seu desenvolvimento por meio da análise de textos situados em seu contexto (SWIGGERS, 2013, p. 41-43).

Swiggers fez essa explanação se referindo à HL como disciplina institucionalizada, isto é, uma disciplina acadêmica, com limites, características próprias, teóricos e grupos de estudos que se debruçam sobre essa teoria e seu objeto de análise, mas, se pensarmos apenas em filósofos e filólogos que se dedicaram aos estudos dos fenômenos relacionados à linguística e sua história de forma isolada, veremos que tais estudos remontam a outras épocas, como explica Altman (2012, p. 20): “O conhecimento sobre a linguagem, formalizado ou não, institucionalizado ou não, fez parte da vida intelectual de muitos povos antes do século XIX, sob outras formas e sob diferentes designações”.

No ocidente, por exemplo, o filósofo grego Platão (c. 429-347 a.C.) foi o primeiro pensador a refletir sobre os problemas linguísticos que nasceram do confronto de duas visões opostas sobre a linguagem: a primeira como fonte de conhecimento e a segunda, vista simplesmente como meio de comunicação. O primeiro texto escrito pelo filósofo que discutia questões sobre a linguagem foi

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puramente arbitrária, ou seja, se havia uma conexão entre as palavras e aquilo que elas denotavam ou se eram impostas por convenção (WEEDWOOD, 2002, p. 24-25).

Na obra, Platão leva o leitor à reflexão sobre a natureza da palavra, por meio do diálogo das personagens Crátilo, Hermógenes e Sócrates:

Dos três interlocutores que ele retrata, Crátilo sustenta que a língua espelha exatamente o mundo; Hermógenes defende a posição contrária, a de que a língua é arbitrária; e Sócrates representa a instância intermediária, ressaltando tanto os pontos fortes quanto as fraquezas dos argumentos dos outros dois e levando-os por fim, a uma solução conciliatória. (WEEDWOOD, 2002, p. 25).

Se procurarmos fora do ocidente, as primeiras reflexões sobre a língua ou fenômenos linguísticos se deram na Índia, com as análises do sânscrito feitas pelos gramáticos indianos, em particular Panini, no século V a.C. O objetivo dessas análises era garantir a estabilidade dos textos sagrados, daí sua característica ser religiosa, ao contrário dos gregos, que tentaram analisar a língua fora do contexto mítico ou religioso (MAINGUENEAU, 1996, p. 13).

Dos primórdios dos estudos linguísticos aos dias de hoje, o interesse da humanidade pela descrição dos acontecimentos linguísticos foi registrado de várias formas, mas é dessa “disciplina institucionalizada”, que surgiu em meados do século XX, por volta dos anos 1970, como vimos em Swiggers (2013), que tratamos neste tópico, pois se refere ao nosso “alicerce” teórico na construção desta tese.

Sobre os avanços metodológicos e institucionais da disciplina, concordando com o pensamento de Swiggers (2013), Koerner (2014) nos relata que

Só desde os anos 1970 – e, poderei dizer, de forma bastante independente da obra Cartesian linguistics, de Chomsky –, a seguir à criação da primeira revista desta área, em 1973, intitulada Historiographia Linguistica, e na sequência de várias séries de monografias compiladas sob a designação abrangente de “Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic Science”, começaram a surgir obras sérias que desafiavam este tipo pro-domo da escrita da história. Estas e outras atividades organizadas conduziram ao muito mais recente campo de estudos, agora geralmente chamado de “historiografia linguística”, uma

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abordagem da história da linguística que tem consciência das exigências metodológicas e epistemológicas que estão presentes numa escrita da história adequada em linguística, como acontece em qualquer outra disciplina. (KOERNER, 2014, p. 24-25).

O autor também destaca que os pesquisadores atuais deram um passo à frente ao distinguirem história de historiografia, pois encontraram um tipo de escrita da história que consiste na apresentação do nosso passado linguístico fundado em princípios bem definidos. Assim, contribuíram de maneira significativa para a história da linguística, uma vez que passou a assumir uma função comparável à da história da ciência para o cientista das ciências naturais. O historiógrafo também destaca que o motivo pelo qual a história da linguística se tornou uma atividade científica foi a sua profissionalização. Em vista disso, o autor enumera uma lista de encontros e publicações significativas que comprovam a cientificidade da disciplina e o interesse pela comunidade científica internacional, que vem desde o primeiro

International Conference on the History of the Language Sciences em Ottawa,

Canadá, em 1978, até os anos de 2010 (KOERNER, 2014, p. 22-25).

Vejamos alguns desses encontros que proporcionaram avanços científicos para a historiografia linguística:

[...] nomeadamente as trienais conferências internacionais das ciências da linguagem (International Conference on the History of the Language Sciences ICHoLS): Ottawa, Canada (1978), Lille, França (1981), Princeton, E.U.A (1984), Trier, Alemanha (1987), Galway, Irlanda (1990), Washington, D.C. (1993), Oxford, Inglaterra (1996), Fontenay/ Saint-Cloud França (1999), São Paulo-Campinas, Brasil (2002), Urbana-Champaing, E.U.A. (2005), Potsdam, Alemanha (2008), São Petersburgo, Rússia (2011). A décima terceira conferência está programada para 2014, em Vila Real, Portugal. (KOERNER, 2014, p. 45-46).

No Brasil, entre os anos de 1960 e 1970, poucos linguistas se dedicaram a elaborar textos sobre a história da linguística, como Mattoso Câmara (1904-1970) que escreveu a História da Linguística, obra publicada apenas em 1975 e que foi fruto de uma seleção de textos de 1962 escritos para o curso que ministrou na Universidade de Washington, em Seattle (ALTMAN, 2012, p. 17-18).

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Segundo Batista (2013, p. 27), foi na década de 1990 que os trabalhos de

Historiografia da Linguística ou História das Ideias Linguísticas, articulados por

Konrad Koerner, Pierre Swiggers e Sylvain Auroux alcançaram divulgação e reconhecimento acadêmico. Esses autores foram inspiração para a formação dos primeiros grupos de Historiografia do Brasil, destacando, entre eles, o Grupo de Estudos em Historiografia da Linguística (USP) e do Instituto de Pesquisas Linguísticas Sede Sapientiae, que reúne acadêmicos da PUC-SP e Mackenzie-SP, ambos realizando seus encontros na capital paulistana.

O autor ainda destaca importantes publicações realizadas no Brasil que contribuíram para que o campo da historiografia alcançasse legitimidade e reconhecimento na área dos estudos linguísticos. Dentre as várias citadas pelo autor, elencamos: A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988), de Cristina Altman, 1968; Retrospectivas e Perspectivas da historiografia da linguística no Brasil, de Cristina Altman, 2009; Historiografia linguística: Princípios e procedimentos, de Neusa Bastos, 2011; História, estórias e historiografia da linguística brasileira, de Cristina Altman, 2012; História entrelaçada, coleção organizada por Neusa Bastos e Dieli Palma desde 2004, entre outras a que o autor atribui grande relevância para as pesquisas em historiografia no Brasil (BATISTA, 2013, p. 29-30).

Para Altman (2012, p. 23), a reflexão epistemológica sobre o conhecimento linguístico não deve ser separada do momento histórico e do contexto intelectual do qual se desenvolveu. Considerando por essa perspectiva, a autora ainda afirma que a tarefa da historiografia linguística é a de descrição dos princípios e métodos de produção do conhecimento linguístico em determinado momento.

Entre outras palavras, o objetivo dessa disciplina é descrever e explicar como se produziu e se desenvolveu o conhecimento linguístico em uma época dada em seu contexto e, ao nos propormos a ler, a analisar e a interpretar os textos que formam o corpus desta tese, temos em mente que eles refletem a realidade de fatos do passado.

Sendo artigos publicados pela mídia brasileira do século XIX, inseridas neles ideias que foram discutidas naquela época, por grupos de intelectuais que vivenciaram aquele momento da história, apresenta-se um debate sobre o desenvolvimento linguístico e cultural no campo da literatura, por isso recorremos

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aos direcionamentos teóricos e metodológicos apresentados pela HL, pois, como explica Batista (2013),

A disciplina e área do saber Historiografia da Linguística situam-se, sem dúvida, em um espaço intermediário entre a história, cultura, ciência e linguística. Dessa forma, a historiografia (como construção discursiva) coloca-se como um discurso de observação sobre o conjunto de eventos que dão forma à corrente linguística (p. 37-38).

Sobre a definição da disciplina e seu campo de atuação, buscamos o entendimento, também, em Swiggers (2010), que situa a HL em uma dimensão localizada entre outras disciplinas. Swiggers ainda destaca seu valor interdisciplinar:

A historiografia linguística é o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguístico [...]. Esta definição acarreta dois corolários: (1) A historiografia linguística é uma disciplina que se situa na interseção da linguística (e sua metodologia), da história (história dos contextos sociocultural e institucional), da filosofia (desde a história das ideias e epistêmês até a história das doutrinas filosóficas), e da sociologia da ciência [...]. (2) A historiografia linguística tem que partir de uma fase heurística, e avançar através de uma análise “argumentativa” e de uma síntese histórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente fundamentada do conhecimento/ know-how linguístico. Ela pergunta e tenta responder questões do tipo: como o conhecimento linguístico foi adquirido? Como foi formulado? Como foi difundido? (em círculos “participativos”?) Como tem sido preservado? Por que foi preservado (ou perdido), e de que maneira? Quais têm sido as relações (em termos de influência, poder, longevidade curta ou ampla, etc.) entre as “extensões” coexistentes ou subsequentes ao conhecimento linguístico? (SWIGGERS, 2010, p. 2).

A análise historiográfica transcende os limites do conhecimento da linguagem, relacionando-os a uma dimensão social e os contextualizando às suas influências culturais, políticas e econômicas. Conforme mencionamos, no terceiro capítulo, analisamos duas críticas de autores distintos a uma obra que apresentava ao leitor e também a outros escritores, inovações linguísticas em busca de uma literatura inteiramente nacional, período em que os brasileiros almejavam encontrar um caminho para a nossa literatura em desapego à cultura de Portugal e

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mostramos que as críticas ao romance, escolhidas para as análises, carregavam em seus conteúdos a posição política, ideológica e social de seus autores.

Sobre a interdisciplinaridade da HL, Swiggers (2013, p. 42-43) ainda comenta que essa característica é decorrente da própria complexidade em seu campo de atuação, pois seu produto final é parte da integração sobre a reflexão entre os acontecimentos pessoais e públicos, sociais, políticos e de correntes intelectuais e científicas. Um campo que integra saberes compartilhados com a filosofia da linguagem, a retórica, a lógica, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a teologia e a história de cada uma delas.

Para Bastos e Palma (2004, p. 16), a HL se faz um método interdisciplinar por “considerar a colaboração de outras disciplinas, quais sejam: a sociologia, a psicologia, a economia, a geografia e também a linguística, revelando-se, assim, a intensão de registrar os feitos humanos em sua totalidade”.

Ao escolhermos Koerner (2014) como um dos teóricos para esta tese, pensamos primeiramente nos princípios auxiliadores ao historiógrafo para a escrita de um trabalho de historiografia, a fim de, também, nos guiarmos na realização de nosso trabalho. O primeiro deles diz respeito ao clima de opinião, conforme explica Koerner (2014, p. 58):

O primeiro princípio para a apresentação das teorias linguísticas propostas em períodos mais antigos tem a ver com o estabelecimento do ‘clima de opinião’ geral do período em questão. As ideias linguísticas nunca se desenvolveram independentemente de outras correntes intelectuais do período em que surgiram [...]. Por vezes, a influência da situação socioeconômica, e mesmo política, deve igualmente ser tida em conta [...]. Esta primeira diretriz pode ser chamada de “princípio da contextualização”.

Conforme observamos nas palavras do historiógrafo, essa diretriz pode ser chamada de “princípio da contextualização”, pois, para compreendermos esse “clima de opinião” é preciso contextualizarmos o texto a sua época.

Em relação ao primeiro princípio sugerido por Koerner ao analista, Batista (2013, p. 75-76) afirma ser o responsável por situar a obra e seu autor em um quadro de reflexão mais amplo, considerando que a produção e a recepção de

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ideias não se dão de forma isolada sobre o que constitui o homem e sua produção intelectual e social nos diferentes recortes históricos.

Isso significa que, para analisarmos um texto, teremos que levar em consideração a vida social e política que tal autor vivenciou, pois acreditamos que se encontram em sua época e em sua historicidade os motivos que o levaram a escrever sobre determinado assunto. Sobre as influências sociais que definem o pensamento e a obra do autor, assim explica o crítico em literatura Antonio Candido (1975, p. 30): “a obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição”. Assim, podemos entender que uma obra é o resultado explícito das relações que o autor assume na sociedade em que vive e determinam as condições para que essa obra possa existir.

A nós, interessa o século XIX, um tempo de polêmicas em torno da identidade linguística e cultural e, tanto o público em geral, quanto o leitor de meados desse século viviam um momento de impulso nacionalista e de sentimento patriota, servindo de inspiração a José de Alencar para realizar um projeto de nacionalizar a literatura, intento que foi amplamente criticado. Sobre o século XIX, Candido (1975, p. 80) relata que:

De tudo concluí que no primeiro quartel do século XIX esboçaram-se no Brasil condições para definir tanto o público quanto o papel social do escritor em conexão estreita com o nacionalismo. Decorre que os escritores, conscientes pela primeira vez da sua realidade como grupo graças ao papel desempenhado no processo da Independência e ao reconhecimento da sua liderança no setor espiritual, vão procurar, como tarefa patriótica, definir conscientemente uma literatura mais ajustada às aspirações da jovem pátria, favorecendo entre criador e público relações vivas e adequadas a nova fase.

Os textos que compõem o objeto deste trabalho foram escritos por autores que tiveram uma relação direta com as transformações políticas e sociais da época, como explicou o crítico no excerto supracitado. José de Alencar foi político, chegando a ocupar o cargo de deputado no império, representando a província do Ceará; Franklin Távora foi deputado provincial em Pernambuco e Machado de Assis, que tinha uma coluna no Diário do Rio de Janeiro, assumiu diversos cargos

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públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas.

O primeiro princípio indicado por Koerner (2014), portanto, diz respeito à contextualização histórica, mas de fatos que estão agregados à vida do autor que escreveu o texto a ser analisado, ou seja, fatos que promoveram sua atividade intelectual: regras ortográficas do período em questão, correntes filosóficas que fundamentavam as ideias de sua época, a política econômica e educacional do país em que determinado autor vivenciou e escreveu seus textos, entre outros fatores que sejam relevantes à construção dos saberes do escritor e podem ser encontrados no texto ou fora deles (contexto).

Procuramos, no contexto em que estão inseridos os textos analisados, entender o “clima de opinião”, ou seja, o clima intelectual geral, a visão historicizante da época, o estado das ciências da linguagem, a situação socioeconômica e também as correntes intelectuais e científicas que puderam provocar mudanças no pensamento linguístico, fatores que influenciam nas ideias expressas pelos autores, pois, como explicam Bastos e Palma (2004, p. 21), “buscar o clima de opinião é inserir-se no clima intelectual do período, é compreender o porquê da vigência deste ou daquele paradigma num determinado campo científico”.

Entender o clima de opinião se faz necessário, uma vez que nos coloca diante dos paradigmas culturais e filosóficos da época em que os textos em análise se inserem, pois não é possível, na visão da HL, por exemplo, analisarmos um texto escrito no século XIX, tendo como princípio os valores do século XXI. Observamos que os padrões políticos, sociais, culturais entre outros aceitos em uma época divergem com padrões de outras épocas, ou seja, os valores mudam de uma época para outra.

Sendo assim, não é possível separar os saberes que impregnam um texto de seu contexto imediato, pois esse saber é resultado da interação que o autor tem com as ideias que circulam na sociedade à qual pertence em determinado período. Sobre o contexto e a importância da contextualização histórica para as análises de textos escritos em outras épocas, Auroux afirma:

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[...] que todo saber seja um produto histórico significa que ele resulta a cada instante de uma interação das tradições e do contexto. Não há nenhuma razão para que os saberes situados diferentemente no espaço-tempo sejam organizados do mesmo modo, selecionem os mesmos fenômenos, assim como línguas diferentes, inseridas em práticas sociais diferentes, não são os mesmos fenômenos. (2009, p. 14).

Por isso, o próximo capítulo trata da contextualização histórica, social e cultural de meados do século XIX, momento em que foram escritos os textos escolhidos para nossas análises. Ao buscarmos os fatos da história para situarmos a obra e seu autor, faremos antes uma seleção desses fatos, que estão ligados à produção do autor, “observando-se as correntes intelectuais do período e a situação socioeconômica, política e cultural”, como explica Bastos (2004, p. 77):

Assim, a historiografia não pode ser vista como uma simples “crônica”, ou seja, listas de datas, nomes, títulos e eventos ligados às línguas e à linguagem. A atividade historiográfica requer seleção, ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para o quadro de reflexão que o historiógrafo constrói.

Koerner (2014, p. 46-47) esclarece que a crônica consiste apenas em registrar os acontecimentos do passado sem distingui-los entre acontecimentos significativos e acontecimentos insignificantes e, para um trabalho de historiografia, é necessário que o historiógrafo demonstre conhecimento especializado de um domínio científico ou artístico, e, ainda, que tenha um bom conhecimento da história intelectual (incorporado na matriz da história geral).

Em relação a esse assunto, narrativa e crônica, também vimos em Batista (2013, p. 49-50) que o trabalho do historiógrafo não é apenas o de recolher e datar uma série de acontecimentos a respeito da linguagem e das línguas, mas analisar e explicar os estudos sobre a linguagem ao longo do tempo.

Alencar propôs ao escritor brasileiro o conhecimento da língua falada pelos nativos para inovar e enriquecer o léxico da língua portuguesa utilizada no Brasil, por meio da inclusão de novos vocábulos oriundos das línguas dos indígenas buscando uma língua híbrida que melhor representasse a formação do povo brasileiro. Apresentamos suas ideias no terceiro capítulo, antes da análise das

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críticas, sendo assim a Imanência, o segundo princípio apresentado por Koerner (2014, p. 58-59), em que buscamos compreender as mudanças propostas por Alencar, é aplicado, conforme explica o teórico:

O próximo passo que o historiógrafo da linguística deveria dar consiste em tentar estabelecer uma compreensão completa do texto linguístico em questão, tanto do ponto de vista histórico como crítico, talvez até mesmo filológico. É desnecessário dizer que se deve abstrair da sua própria formação linguística e dos compromissos atuais na linguística. O quadro geral da teoria a ser investigada, assim como a terminologia usada no texto, deve ser definido internamente e não em referência à doutrina linguística moderna. Esta consideração pode ser chamada de “princípio da imanência”.

Bastos (2004, p. 81) explica que esse princípio é o “entendimento completo tanto histórico como crítico, possivelmente filológico, do texto linguístico em questão, mantendo-se fiel ao que foi lido”, ou seja, nesta parte do trabalho, fizemos nossas análises procurando ser fiéis ao texto lido para conseguirmos abstrair dele o máximo possível do pensamento expresso pelo seu escritor. O segundo princípio de Koerner “refere-se ao esforço do historiógrafo de entender o texto linguístico produzido nos séculos enfocados de forma completa, histórica e criticamente, e filologicamente se possível” (BASTOS; PALMA, 2004, p. 11).

É neste segundo princípio que procuramos compreender as ideias de Alencar que, para nós, o escritor não teve a intenção de criar uma nova língua para o Brasil, mas ajustar a língua portuguesa à cultura do brasileiro. Depois de entendermos as ideias de José de Alencar, ainda nesta parte do trabalho, fizemos a análise de discurso das ideias presentes nos textos escolhidos que contêm as críticas a Iracema procurando não separá-lo de seu contexto; buscamos o entendimento dos textos em análise de acordo com o pensamento crítico da época em que foram escritos, ou seja, procuramos entender as ideias que circulavam na sociedade carioca do século XIX e que levaram os escritores a se afirmarem em suas opiniões defendidas em seus textos, tendo como hipótese que esses autores tiveram motivos políticos e não estéticos relacionados à língua.

Para Batista (2013, p. 76-77), no princípio da imanência é feita uma leitura do texto em seu recorte histórico e intelectual, devendo ser evitadas aproximações

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com visões contemporâneas. É preciso uma fidelidade ao autor e à leitura de sua obra, que Batista julga ser difícil, uma vez que o trabalho historiográfico é resultado do ponto de vista do historiógrafo, que pertence a uma determinada formação discursiva, resultado de seu horizonte de formação.

Essa fidelidade a que se refere Batista (2013) consiste em o historiógrafo não se deixar levar por valores próprios de sua época, mas respeitar a circunstância em que o texto foi escrito e tentar se colocar ao lado dos escritores que os escreveram, certamente no sentido figurado, ou seja, considerando os valores, as opiniões e as transformações próprias do período levantado.

Uma vez sugeridos esses dois princípios ao historiógrafo da linguística, Koerner (2014, p. 59) ainda propõe um terceiro princípio, o qual ele chama de adequação:

Só depois de terem sido concisamente seguidos os dois primeiros princípios, de forma a que uma dada manifestação linguística tenha sido compreendida no seu contexto histórico original, o historiógrafo pode aventurar-se a introduzir aproximações modernas do vocabulário técnico e do quadro conceptual apresentado na obra em questão. Talvez possamos chamar a este último passo de “princípio da adequação”. Claro que é necessário que o investigador explique por que e até que ponto o conceito tardo-medieval de “significatio vocis”, por exemplo, pode ser traduzido como “significado”, ou até que ponto a distinção saussuriana entre “sincronia” e “diacronia” pode ser aplicada a propostas teóricas anteriores, que têm a ver com a relação entre a linguística “descritiva” e “histórica”. Como regra, o historiógrafo da linguística deve alertar o leitor para o facto de as aproximações terminológicas terem sido introduzidas por ele; por outras palavras, deve ser explícito e preciso no que respeita àquilo que na realidade está a fazer.

Segundo Batista (2013, p. 77), depois de ter seguido os dois primeiros princípios de Koerner é que o historiador se encontra “em condições de realizar suas análises, aproximações e avaliações críticas que iniciam a construção da narrativa historiográfica, em que relação são esboçadas (...)”. Assim, após ter levantado o clima de opinião e feitas as análises do pensamento linguístico da época estudada, o historiador se encontra em um estado de solidez diante do texto, o que lhe dá condições para se arriscar a fazer aproximações com textos do presente.

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Por conseguinte, fizemos nossa adequação aproximando as ideias de José de Alencar, encontradas em Iracema que, segundo o próprio autor, tratava-se de uma evolução ocorrida com a língua portuguesa no Brasil que transcorria desde a chegada dos primeiros colonos portugueses que travavam contato com os indígenas, ao trabalho de alguns escritores brasileiros do nosso tempo, em que, apesar de passados quase dois séculos da publicação de Iracema, as ideias de seu autor se fazem presentes até os nossos dias.

Para Bastos e Palma (2004, p. 11), o terceiro princípio se dá pela obediência aos dois primeiros, sendo o momento em que o historiógrafo se aventura a fazer “aproximações modernas do vocabulário técnico e a construir um quadro conceitual de trabalho que permita, à apreciação dos textos analisados, seus conceitos e teorias” (sic).

Sendo assim, seguindo e utilizando os dois primeiros princípios, que nos adentramos no universo linguístico do século XIX, época das polêmicas do que seria, ou não, característica de uma escrita verdadeiramente nacional para que a nossa literatura rompesse de vez com a de Portugal.

Veremos nos próximos capítulos que essas características, capazes de impulsionar a nossa independência linguística com a metrópole lusitana, eram para o escritor José de Alencar, a língua utilizada pelo povo, que se modificava em seu cotidiano, tornando-se cada vez mais dissemelhante da língua de Portugal, por se desenvolverem em pátrias com culturas distintas. Como podemos observar nas próprias palavras de Alencar:

Quando povos de uma raça habitam a mesma região, a independência política só por si forma sua individualidade. Mas se esses povos vivem em continentes distintos, sob climas diferentes, não se rompem unicamente os vínculos políticos, opera-se, também, a separação nas ideias, nos sentimentos, nos costumes, e, portanto, na língua, que é a expressão desses fatos morais e sociais. (ALENCAR apud PINTO, 1978, p. 75).

Além de José de Alencar, havia no Brasil outros escritores que viam com naturalidade o desenvolvimento da língua portuguesa em solo brasileiro ser distinto do de Portugal, tais como, Gonçalves Dias (1823-1864) e Salomé Queiroga

Referências

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