• Nenhum resultado encontrado

3. cAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COM O

3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões

O interesse em reunir nesse trabalho esses dois conceituados pensadores da Educação e da Psicologia, Paulo Freire (1922-1997) e Jacob L. Moreno (1889-1974) emergiu da nossa prática como Educadora de Jovens e Adultos na periferia da cidade de São Paulo.

No período, entre 1994-2006, como Educadora de EJA, tivemos a oportunidade e a necessidade de realizar a coerente leitura e reflexão de parte da vasta obra de Paulo Freire. Particularmente, um de seus livros “Pedagogia da Autonomia” (33ª edição- 1996) cuja síntese descrevemos no primeiro capítulo desse trabalho, nos inquietou profundamente. Os “Saberes Necessários” descritos nas páginas da Pedagogia da Autonomia são realmente imprescindíveis para a formação e para a prática do Magistério! Essas considerações iluminavam nossa prática ainda recente e impunham diversas tarefas e disposições de mudança, apropriação, acolhimento e dedicação à intenção de produzir formas didáticas de abordar, manejar e repassar tais diretrizes e procedimentos.

Nessa atividade como Monitora de grupos de Educação de Jovens e Adultos participamos de vários Cursos de Formação, promovidos pelas instâncias administrativas e de gestão da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Neles, as Dinâmicas de Grupos eram os momentos que sempre me despertavam especial interesse. Augusto Boal (2005) era leitura referencial sempre presente nesses cursos. Concordamos com Boal principalmente quando diz:

Existe uma enorme quantidade de exercícios que se podem praticar, tendo todos, como primeiro objetivo, fazer com que o participante se torne cada vez mais consciente do seu corpo, de suas possibilidades corporais, e das deformações que o seu corpo sofre devido ao tipo de trabalho que realiza. Isto é, cada um deve sentir a “alienação muscular” imposta pelo trabalho sobre o seu corpo (BOAL, 2005, p.190).

Geralmente, esses cursos eram organizados em quatro momentos: 1. O palestrante fazia as colocações teóricas para a assembleia; 2. Dinâmica: vivência daquilo que foi exposto;

67

3. Distribuição de conceitos pertinentes ao tema em grupos menores de acordo com o número de participantes para reflexão e,

4. Sínteses dessas reflexões para discussão na assembleia.

Esses cursos em que participamos se fizeram importantes para despertar-nos para a necessidade de praticar com meus educandos uma metodologia que facilitasse o aprendizado desses adultos, já cansados da luta diária de trabalho; que não os deixassem “presos” numa carteira por três horas; que tornasse esse processo de aprender significativo e prazeroso.

A dinâmica dos jogos que aprendemos nos cursos citados acima foi reproduzida nas nossas aulas. Os jogos psicodramáticos se insinuavam como instrumento pedagógico, porém, não tínhamos o conhecimento da teoria psicodramática de Moreno. Essa carência gerava alguma insegurança, o que nos motivava a buscar compreender os pressupostos ontológicos, filosóficos e psicológicos da obra de Moreno, de modo a lograr apropriar-nos deles numa dimensão educacional e pedagógica distinta, na Educação de Jovens e Adultos, que igualmente são singulares pela sua identidade e pela cultura de sua vida material e social.

Também considerávamos, como monitora em grupos de EJA, pela prática pautada na proposta de Paulo Freire, com base na Educação Popular, e pudemos observar maior interesse dos educandos em ler e escrever palavras, frases e textos a partir das discussões acerca de nossa realidade social. Sabendo que na medida em que a intervenção

educativa é histórica, política e cultural, (Paludo 2001, p.96), acreditamos que toda

experiência teórico-prática realizada com as camadas populares sempre será única pelo fato de partir de uma “leitura séria e crítica da realidade e que indica os percursos pedagógicos

a serem construídos, a partir da opção política e ética” (PALUDO, 2001, p.96). Se o ponto

de partida e de chegada da ação e reflexão da Educação Popular é a análise da realidade social, esta deveria orientar e fecundar a dialética articulação teórico-prática.

Quando dizemos “nossa realidade” o fazemos pelo fato de, como moradora no mesmo bairro, tanto eu quanto meus educandos, sofríamos cotidianamente as mesmas dificuldades de ordem infra-estrutural; decorrências da nossa ação ao ocupar aquele espaço

68

de terra para construir nossas moradias. A luta pela casa, pelo lugar para morar e residir, pela habitação, tinha sido nosso universo comum.

Conhecida popularmente como “invasões” essas ocupações de terras, como na nossa experiência, sofriam carências por um grande período, a falta de energia elétrica, de água, de transporte coletivo, de asfalto, de equipamentos escolares e de saúde. Faltava tudo: Postos de Saúde com profissionais para orientar, atender e acompanhar a população, agentes para prevenir-se de doenças comuns nessas comunidades, principalmente, pela falta de saneamento básico. Assim, nossas aulas se serviam para essas discussões e orientações. As aulas eram também espaços coletivos de tomada de consciência das razões e causas das dificuldades e carências sociais, mas também eram lugares de manifestação de instrumentos de luta para a apropriação de condições de reivindicação e de superação dessas condições sociais desumanas e excludentes.

Comumente, trazíamos para as discussões nas nossas aulas esses e outros temas, sobre quais, poderíamos refletir, questionar e apontar possíveis soluções. Esses “debates” como comentávamos instigava-nos ao engajamento nas lutas locais por melhorias na infra-estrutura do bairro que estava sendo construído. A cada encontro em que era proposta uma discussão desses temas relacionados aos nossos problemas cotidianos, assistíamos a certa elevação no pensamento crítico, por parte da maioria dos debatedores. As pessoas se dispunham à prática, ao engajamento nas reivindicações, aos abaixo- assinados, às manifestações públicas frente aos Poderes Públicos Governamentais, etc. Observávamos nos comentários e nas posturas adotadas posteriormente que muitas daquelas pessoas tinham agora, depois de alguns encontros, posições diferentes diante das mesmas situações: antes não se posicionavam nem a favor nem contrários e após alguns encontros já se pronunciavam, colocavam suas “falas”, seus modos de ver e ser no mundo. Quase sempre acabávamos desenvolvendo metas e encaminhamentos relevantes de cunho sócio-político.

Fazíamos também, em alguns desses debates algumas encenações, nas quais, muitas vezes, trocávamos de postos (papeis) para assegurar a defesa democrática da representação deste ou daquele papel, pela qual, todos os pontos de vistas possíveis deveriam ser observados antes de chegarmos a um possível consenso. Parece-nos hoje, que

69

mesmo sem conhecer o ideal moreniano estávamos vivendo a proposta dos jogos

psicodramáticos – faltava-nos a teorização. E tínhamos acrescentado uma importante

dimensão aos propósitos de Moreno, a ação política e a forma coletiva de pensar a realidade, tomar consciência dos conflitos e agir na direção de sua superação.

Começamos então, nesse período, a ler e apropriar-nos de alguns textos que traziam como proposta o Psicodrama de Jacob Levy Moreno. Foi fácil perceber que entre Freire e Moreno havia algumas similaridades na forma de pensar e agir, que deveriam ser analisadas, comparadas e integradas, naquilo que tivessem de comum e de dimensão articuladora.

Agora, decorridos alguns anos, ampliando a leitura sobre o Psicodrama de Moreno, suas aplicações e as contribuições de outros autores sobre a teoria, trazemos a proposta de realizar essa análise neste trabalho de pesquisa.