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3. cAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COM O

3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica

3.9.1. Descrição dos Encontros

3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012

“Jornal Vivo” Texto: Se deixarem a escola melhora – Revista Época (junho de 2007 Edição nº 472).

O trabalho iniciou-se com o aquecimento inespecífico, com a intenção de descontrair o grupo e fazer com que eles centralizassem na proposta de trabalho. Foram distribuídos pela sala cerca de oito artigos de jornais que versavam sobre as categorias Trabalho (desemprego), Educação/Escola e Habitação.

Em seguida, foi pedido que os integrantes do grupo caminhassem pela sala, observando os temas dos artigos e que escolhessem os artigos que gostariam de discutir. À medida que um integrante escolhia o artigo, ele se posicionava diante dele. Sendo assim, foram formados subgrupos em cada um deles.

O caminhar pela sala observando os artigos ocorreu de forma tranquila. Os educandos facilmente concentraram-se na atividade e poucas foram as conversas durante o processo de escolha.

À medida que os subgrupos foram sendo formados, alguns educandos começaram a discutir, ainda enquanto se agrupavam o que possivelmente o artigo poderia falar e o porquê de ter escolhido o tema. Três foram os artigos escolhidos, os quais versavam sobre os temas:

1. Escola privada para todos?; 2. Se deixarem, a escola melhora; 3. O que as escolas precisam aprender.

Recolhem-se os textos que não foram eleitos e os textos escolhidos foram organizados, de forma que os educandos pudessem formar filas diante de cada um.

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Novamente foi pedido aos alunos que caminhassem pela sala observando todos os temas expostos. Neste momento inicia-se o aquecimento específico. Foi pedido que o grupo escolhesse uma única notícia a ser dramatizada.

Mais de uma notícia foi eleita, e sendo assim, o critério de desempate foi a notícia mais atraente para o grupo total de participantes, ou seja, o artigo que tivesse o maior grupo de educandos. Este artigo foi escolhido como tema protagônico.

Desta forma, o artigo escolhido foi: “Se deixarem, a escola melhora”. Os subgrupos se desfizeram e foi explicado que o artigo deveria ser lido pela educadora e discutido pelo grupo e, em seguida, eles deveriam criar uma cena a ser dramatizada.

Foi formado um grande grupo e começaram a ler o artigo. Era incrível ver como eles estavam engajados na tarefa. Em seguida iniciaram as discussões sobre o tema: o que concordavam ou não com o artigo, fatos da vida pessoal que o artigo fez com que eles relembrassem, etc. A partir daí, os integrantes do grupo começaram a definir a cena a ser criada, os personagens, a distribuição das cenas, quem iria participar da cena e quem iria auxiliar nos trabalhos, objetos que poderiam utilizar no cenário, falas, etc.

É importante ressaltar que o artigo serviu de estímulo para que ocorresse a dramatização. Na verdade, os educandos não noticiaram a reportagem em si, mas a enriqueceram com detalhes e interpretações de acordo com a criatividade dos próprios atores.

Toda essa criação leva, segundo Paulo Freire (1996),

[...] à autonomia do ser dos educandos, valorizando e respeitando sua cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade. Assim, quando for necessário, o aluno utilizará este conhecimento, pois, este não vai ser mais vivenciado como algo que pertence ao livro e ao professor, mas, como uma propriedade do aluno, algo que ele conhece (FREIRE, 1996, p. 98).

Depois de alguns minutos, os educandos anunciaram que a cena estava pronta para ser dramatizada. Eles não demonstraram dificuldade para criar a cena. Organizaram a sala, colocando as cadeiras em forma de círculo. Cinco educandos ficaram na platéia, onze

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educandos participaram da cena como atores e a educadora assumiu a função de Ego- Auxiliar do processo psicodramático.

Segundo Baptista & Costa (1998),

[...] a etapa de dramatização é constituída pela dramatização propriamente dita da notícia escolhida pelo grupo. Pretende-se que as cenas escolhidas e a representação dramática transcorram livremente. A notícia jornalística é então encenada e se presencia, nesse momento, a construção de um trabalho grupal. No palco passa a ocorrer a montagem e execução de uma obra teatral, geralmente disparada por um fato social. Os ingredientes essenciais dessa operação compõem-se de fantasia e realidade; o principal recurso é a ação e o grande “tempero”, a emoção (Baptista & Costa 1998, p. 47).

O diretor (a pesquisadora) anunciou que a dramatização seria dividida em dois momentos. Iniciariam utilizando como cenário uma escola, a qual se denominou Escola de Ensino Fundamental “Vovó Dida”.

A cena se passava na secretaria da escola, onde a “diretora e alguns professores” conversavam. A conversa tinha como tema a queixa dos professores em relação à falta de condições físicas na escola, a qual estava com várias salas com o telhado quebrado: “- Quando chove não têm como dar aula, inunda tudo” (sic), “as cadeiras quebradas, salas sem porta, sem ventilador, luzes queimadas, falta merenda escolar, falta giz, água, etc. A diretora ouvia todas as reclamações e prometia aos “professores” resolver os problemas.

Os professores, por sua vez, falavam estar cansados de promessas sem solução. “- Não temos como trabalhar assim. É complicado para os alunos, freqüentarem uma escola sem o mínimo de condições para que eles aprendam. Precisamos de coisas básicas para que a escola funcione. A senhora nunca resolve nada. Já tem anos que tudo está do mesmo jeito. Aliás, ‘pior’ (sic)”.

Os “professores” (na representação) se mostraram revoltados, querendo mudanças. Em outra cena, a diretora tentava resolver os problemas, contudo, como

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centralizava todas as atribuições em seu cargo, não conseguia solucionar os problemas sozinha.

Em seguida, o diretor da ação psicodramática anunciou que a próxima cena seria em outra escola, a Escola Fundamental “Mara Vilhosa”. Nesta, a conversa com os professores e a diretora era sobre as possíveis mudanças que poderiam ser implementadas na escola. Os professores sugeriam algumas modificações e a diretora, juntamente com os professores, distribuía as tarefas.

Nessas duas cenas representadas observamos a relevância para os educandos, na maneira de se expressaram ao representar as duas situações dramáticas e nos comentários, a necessidade do grupo de estar engajado; da responsabilidade de cada um para a busca de soluções para determinado problema. De forma geral pôde-se observar que os educandos durante os dois primeiros encontros foram desenvolvendo sua

espontaneidade e, no momento da técnica Jornal Vivo, puderam demonstrar essa total

espontaneidade na construção da cena. Percebeu-se que o grupo já não se encontrava mais cristalizado no papel de aluno. A construção não foi uma mera repetição, mas, ao contrário, um momento do potencial criativo atualizar-se e manifestar-se. Criar implicou a produção de algo novo, a partir de algo que já é dado.

É importante destacar que a influência de Freire também está presente no teatro

pedagógico. Acreditamos que outras manifestações teatrais contemporâneas (“teatro de

conscientização”, “teatro dos oprimidos”), também mostram a influência de Freire, mesmo que esta não seja abertamente admitida.

Para finalizar o trabalho, passamos para o momento do compartilhar. Vale destacar que neste momento fica claro visualizar a catarse de integração na abordagem Psicodramática, como nos situa Marra (2004):

[...] o objeto da pedagogia Moreniana é permitir um ambiente relaxado, isto é, a expressão dos estados de espontaneidade (sentimentos, sensações, impressões, pensamentos) para que a aprendizagem seja plena. Essa situação espontânea do grupo por meio da ação promove um efeito catártico ou curativo. Ao ver expressos na ação de seus sentimentos, seus pensamentos, suas imaginações, pode ter a clareza da necessidade de

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reformulações ou a constatação de uma satisfação que promove mudanças (MARRA, 2004, p.51).

O grupo comentou o quanto ficaram envolvidos com a cena e o quanto de improviso surgiu no momento. “- Muita das coisas que aconteceram na cena saiu na hora. Não tínhamos pensado em muitos detalhes, a gente queria fazer só o que era solicitado pela senhora (pesquisadora). Na hora da cena muita coisa veio à nossa cabeça, parecia que tudo era real” (sic) (Sujeito 19).

Essa improvisação, esse fluir livremente das ações e palavras dentro da dramatização faz parte da proposta de Moreno, pois, ainda segundo Marra (2004),

[...] é um método psicopedagógico de trabalho com grupos que facilita a aprendizagem de papeis, ideias, conceitos e atitudes por meio da vivência sociopedagógica. Ele se apoia na ação e no conceito de espontaneidade, que são concebidos como resposta própria do indivíduo adequado às relações de seu contexto social. Tem uma proposta de transformação nos indivíduos e sistemas sociais (MARRA, 2004, p.47).

Alguns educandos afirmaram não acreditar que, de um artigo, iria surgir tanta coisa. Outros relataram ter resistência a essa coisa de teatro e, quando perceberam que se tratava disto, ficaram receosos, contudo, no decorrer do trabalho não se reconheciam. Essas reações poderiam ser trabalhadas mais amplamente, pela riqueza que retratam e pela potencialidade ética, estética e educacional que carregam e densificam.

Segundo Romaña (1997),

[...] quando se inicia um trabalho com o uso deste método, geralmente, há uma reação de surpresa dos alunos, mas, aos poucos, estes começam a sentir-se à vontade. Em alguns casos, há alunos que resistem à mudança da metodologia, e há até os que acham ridículo o que está se fazendo. Mas, todas as reações acabam se tornando positivas, consideradas desde a perspectiva da dinâmica de grupo (ROMANA,1997, p.65).

Alguns integrantes do grupo comentaram ter se mostrado surpresos com os envolvimentos de pessoas, que na rotina diária das aulas se mostravam tímidos, mas, que na

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cena revelaram-se grandes atores. Neste momento, os considerados tímidos falaram da emoção que a cena os fez sentir e do quanto se transportaram para a própria realidade de seus trabalhos, onde possuem poucos espaços para discutir e implementar mudanças. “- a gente fica preso a regras e não temos a mínima liberdade de criar” (sic), (S12).

Segundo Freire (FREIRE, 1996, p. 47), “ensinar não é transferir

conhecimento, saber ensinar é ‘criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção’”. Para Freire “O professor precisa estar aberto às indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, às suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa de ensinar e não a de transferir conhecimento” (idem).

Para Ramalho (2001) na ação psicodramática, com o Psicodrama aplicado à Educação:

O professor passa a ser um facilitador do processo que é assumido pelo aluno, criando um clima de liberdade e espontaneidade, onde este último desenvolverá o seu potencial e criará. Assim, o professor estará também ao lado do aluno, invertendo o papel com ele e sentindo melhor a sua realidade, promovendo um vinculo télico e não transferencial (RAMALHO, 2001, p.3).

De acordo com os educandos, foi muito bom terem tido aulas com este método, “- É uma aula diferente” (sic), (S19); “- A cena me fez ver coisas que quando ouvi a professora ler o texto não tinha percebido. Parece que as ideias vieram à cabeça” (sic), (S8).

Percebe-se na fala do Sujeito 19 que ele já está funcionando como agente multiplicador, podendo ser um recurso valioso no processo educativo. Segundo Marra (2004),

“Uma das dimensões do papel de multiplicador é o sujeito em processo de mudança e possibilitando mudanças. O papel deste multiplicador será substituir uma percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica, uma tomada de consciência. O multiplicador vincula, articula, expande seus horizontes e está comprometido em expandir o horizonte dos outros na relação. A reflexão vem junto com a ação e, logo, uma rede de sustentação fica presente” (MARRA, 2004, p. 89).

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Os atos dramáticos vividos pelos educandos propiciaram uma liberdade de criação no aqui-e-agora, dentro do tema da aula. Esta forma de ensinar foi defendida por Freire já que para ele a alfabetização era, ao mesmo tempo, um “ato de criação, capaz de

gerar outros atos criadores; uma alfabetização no qual o homem, que não é passivo nem objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e reinvenção, características dos estados de procura” (FREIRE, 1977, P.41).

Com o Psicodrama Pedagógico alunos e professores compartilham a responsabilidade pelo processo de aprendizagem. Assim, o aluno pode abandonar ou superar o papel de receptor passivo de conhecimentos e adotar o papel de co-autor de resultados, de novas condutas e sujeito de novas práticas.

Decidimos por não usar questionário de perguntas de Múltipla escolha por se tratarem de perguntas fechadas, que embora, apresentam uma série de possíveis respostas, abrangendo várias facetas do mesmo assunto, poderiam constranger os educandos ou confundir o propósito da pesquisa. Oferecemos um questionário com possibilidade de respostas que demonstrasse algumas características pessoais desses sujeitos ao mesmo tempo, que lhes desse a liberdade de registrar suas emoções na vivência psicodramática, porém, sem obrigatoriedade de preenchimento parcial ou integralmente. Contudo, nossa maior preocupação foi registrar e relatar os comentários realizados na terceira etapa dos encontros. Fizemos a gravação de áudio desses comentários e estão transcritos em anexo (IV) deste trabalho. Percebemos que a combinação de gravação de áudio com as respostas abertas possibilita mais informações sobre o assunto, sem prejudicar a tabulação.

Os encontros sempre ocorreram como uma “sessão de Psicodrama” para desenvolvimento de grupos. Porém, no psicodrama pedagógico, especificamente, a aplicação de jogos psicodramáticos como no caso dos dois primeiros encontros dessa pesquisa em que assistimos aos vídeos e depois comentamos sobre seus conteúdos, o objetivo passa a ser o desenvolvimento de conceitos ou materialização de um fato através da dramatização. No caso desses dois primeiros encontros, não houve a dramatização pelos sujeitos da pesquisa, mas, pela dramatização das personagens foi possível discutir com o grupo sobre a exclusão social dessa parcela de brasileiros: nordestinos migrantes e analfabetos, em que eles próprios se projetaram.

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Da parte dos educandos, não existiram muitos problemas a serem apontados no uso sistemático dos jogos psicodramáticos. Os alunos mais tímidos passaram a integrar-se aos poucos, e os mais extrovertidos procuraram, no decorrer do tempo, a ceder lugar a outros do grupo, durante as expressões dramáticas. Essa nobre troca de papeis, a partir da espontaneidade das características de cada um dos sujeitos no grupo já denota uma transformação ética e pessoal, empreendida no próprio processo de constituir os jogos.