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Mapa 8-8 – Ações encontradas ON ou Outros Negativo (+HARNIK)

3 O CONTEXTO CULTURAL

3.2 O Frenesi Criativo

A aventura norte-americana no século XIX, não se limitou ao desbravamento das fronteiras e as descobertas do cenário geográfico. Durante esta puberdade nacional, o surgimento do self-made man e o desejo nacional de não dever culturalmente à Europa foram os mais importantes propulsores da Renascença de Munford. A Era Dourada foi uma explosão de criatividade e singularidade nas artes e ciências dos Estados Unidos. A alma socialista e a disposição capitalista da sociedade da época colaboraram não só para manter o nível alto como também para difundi-lo e aperfeiçoá-lo de maneira intensa e, às vezes, inusitada. As grandes cidades do leste: Boston, Filadélfia e Nova Iorque - naturalmente se organizaram como modelos de centros intelectuais com suas idiossincrasias e grande seriedade. Chicago tinha sua nata própria, assim como São Francisco, também criava a sua. Independente da cidade, os autores trabalhavam para um público leitor que se orgulhava de sua crescente educação e erudição. O refinamento literário era quase uma obrigação urbana, embora a erudição não se confinasse aos grandes centros e às classes mais favorecidas, fazendo parte do cotidiano tanto das massas menos favorecidas quanto do ‘éden agrário’.

O cidadão médio era um leitor aficionado e dedicado não só à imprensa do cotidiano, como também da literatura erudita (RYBCZYNSKI, 2003). O éden agrário e a causa da emancipação negra foram suficientes para Mark Twain criar as personagens mais caras ao imaginário da época: Huckleberry Finn e Tom Sawyer; enquanto Herman Melville adequava a

metafísica da superação aos embates de Ahab em Moby Dick. Embora a escrita na época contivesse um pouco do folhetim à Dickens (também da época) a temática era mais voltada aos interesses de uma nação que acabava de ultrapassar o universo da adolescência pública e entrar no terreno da maturidade investigativa. A natureza dos escritores norte-americanos não era submissa a uma ordem social aristocrática nem submergida pelo medo do desconhecido; era historicamente pioneira e naturalmente corajosa e vanguardista.

Os elementos mais evidentes da literatura norte-americana do século XIX foram: (i) o empenho dos escritores em construir uma nova ordem social – distanciada da pirâmide aristocrática europeia – pela informação, mérito e competência; (ii) a exaltação e glorificação da natureza em seu melhor estado, gerando um impressionante conjunto de autores (quer seja romântico, realista ou simbolista) devotados à sua preservação, conservação e restauração, o que influenciaria uma geração inteira de artistas, arquitetos e urbanistas.

William Cullen Bryant (1794-1878) conheceu FLO quando era editor do New York

evening Post e estabeleceu com ele uma duradoura amizade, garantida pela ligação de Bryant

com a natureza, que utilizava como metáfora da verdade. Bryant também tinha grande amizade com Thomas Cole da Escola do Rio Hudson.

James Fenimore Cooper (1789-1851), autor de ‘O Último dos Moicanos’ foi um autor verdadeiramente cosmopolita, que embora reconhecesse a influência de Jane Austen em sua obra inicial, desenvolveu um estilo novelesco próprio que deliciou de Schubert (o compositor|) a Balzac, além de muito respeitado por Balzac. Sua obra é considerada pioneira ao inserir como personagens principais negros, afro-americanos e índios, geralmente apresentados como símbolos de ética e honra heroica (idem, 2003).

Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882), embora fizesse parte de um grupo literário específico, exerceu grande influência na poesia norte-americana com o didatismo de fundo moralizante em que a vida era mais do que apenas busca material. Apesar de utilizar metáforas das mitologias, particularmente da nórdica, foi a partir das narrativas e lendas dos índios Ojibwa, Sac e Fox que ele compôs o poema épico Hiawatha, onde canta as aventuras do herói demiurgo. Apesar de ter como obra máxima um poema épico que celebra a vida e as virtudes dos aborígines norte-americanos, sua carreira literária estava associada ao grupo conhecido como Boston Brahmins (Brâmanes de Boston), composto por ele, James Russell Lowell e Oliver Wendell Holmes Sr. (Sênior). O nome do grupo, cunhado por Holmes a partir do romance Elsie Venner, critica com bom-humor as idiossincrasias da elite de Boston:

Ele vem da Casta Brâmane da Nova Inglaterra. Essa é uma aristocracia não nobre, inócua e inofensiva a qual se referem, e que muitos leitores prontamente reconhecem. Há

categorias de estudiosos entre nós, nos quais a aptidão para a leitura e todas essas reflexões de que falei, é congênita e hereditária.9 (HOLMES, 1861, p.17).

Holmes não agrediu o universo dos ‘Brâmanes de Boston’, o mais próximo que os Estados Unidos podiam ter de uma verdadeira aristocracia: descendentes diretos dos Puritanos, os Brâmanes eram o corpo e a alma de Harvard pesquisando e construindo a história norte-americana, o que lhes garantiu um lugar singular na literatura da época. Holmes, também era uma personagem singular que além de pertencer ao seleto grupo literário teve grande importância na evolução da medicina, cunhando o termo ‘anestesia’ em 1846 e apresentando estudos inovadores sobre a febre puerperal, além de ser o inventor do estereoscópico (o precursor do 3D), que descreve minuciosamente em artigo no jornal The

Philadelphia Photographer, de 1869.

Segundo Ekirch Jr (1963), outro grupo literário surgido no século XIX, nos Estados Unidos, também agregado ao Romantismo e com bastante influência no universo de FLO foi o Transcendentalismo. A corrente, igualmente oriunda de Boston e de base Puritana, procurou se firmar como reação ao crescente materialismo característico da Revolução Industrial. O movimento, embora não fosse uma filosofia formal tinha características de fé, enfatizando o livre arbítrio e consciência; e buscando fornecer uma justificativa moral e mística para o individualismo. A ligação com a natureza, ainda remanescente do Sonho Agrário de Jefferson, foi aprofundada graças à vivência em comunidades rurais e cidades idealizadas em meio à natureza, como Concord, um dos assentamentos originais da colônia.

Indo mais além que os poetas e pintores, que admiravam a natureza como fonte de beleza, os transcendentalistas procuravam compreender a natureza tanto em termos racionais quanto estéticos.10 (EKIRCH JR, 1963, p.47).

Os principais representantes do Movimento Transcendentalista, Emerson e Thoreau (ambos tinham jardins horticulturais), escreveram o suficiente para difundir um fervor à natureza como fonte permanente e imanente do próprio Deus. Conforme Reuben (2011), o Movimento tinha como premissas básicas11: a) O indivíduo é o centro espiritual do universo –

e num indivíduo pode ser encontrada a chave para a natureza, história e, basicamente, o próprio cosmo; b) A estrutura do universo, literalmente duplica a estrutura do self individual - todo o conhecimento, consequentemente, começa com o autoconhecimento. Similar à máxima de Aristóteles “conhece a ti mesmo”; c) Aceitação da concepção Neoplatônica da natureza como um mistério vivo, cheio de signos – a natureza é simbólica; e d) A crença de que a virtude e a felicidade individuais promovem a autorrealização.

A singularidade do Transcendentalismo teve influência não só no motus vivendi das comunidades do nordeste norte-americano, como também no motus operandi dos intelectuais

e das correntes artísticas. O afastamento do modelo capitalista de consumo da natureza e o isolamento individual ou em coletividades de ideologia socialista tonou-se quase onipresente nas novas visões da natureza e um modelo almejável para o apascentamento do indivíduo: a natureza redime e aprimora o espírito humano.

Emerson acreditava que o estudo da natureza através das ciências o tinha tornado melhor pois “a natureza tinha um efeito salutar sobre a mente e o caráter daqueles que a cultivavam” (idem, 1963, p.50). A divulgação de tais ideias influenciou FLO ao definir as bases do que viria a ser a teoria do ambiente restaurador. Além do discurso a favor da Natureza, Emerson foi um pregador intenso pela causa Abolicionista e acreditava que a reforma só seria possível através de um compromisso moral, ao invés da ação militante. Também exortava seus contemporâneos a pararem de buscar inspiração e imitação do modelo europeu e serem eles mesmos. A influência do Transcendentalismo de Emerson não ficou restrita à sua época, continuando a entusiasmar escritores e pensadores até os dias de hoje.

Por sua vez, Henry David Thoreau talvez tenha sido o que mais viveu, na íntegra e na prática, a teoria do grupo. Embora vivendo permanentemente “indignado com os maus tratos do homem ao meio ambiente” (ibid., 1963, p. 59), ele não era um eremita e patrulheiro ambiental; acreditava que o retorno à natureza era não apenas benéfico à psique, mas reconciliava com o Divino. Para isso, era preciso ajustes, particularmente com o Estado laico, o que o fez escrever o ensaio Desobediência Civil (1849), em que pregava a sublevação contra um Estado injusto (não lutando, mas tampouco o apoiando), o qual exerceu profunda influência sobre a política da não-ação (Satyagraha) de Gandhi (HENDRICK, 1956)b. Assim,

ele se recusava a pagar impostos enquanto não fossem resolvidos dois dos grandes problemas que o afligiam: a Abolição da Escravatura e a Guerra Mexicana. Sua capacidade de adaptação e amor à Natureza eram partes integrantes de sua mente,

(...) um clássico exemplo de um indivíduo que encontrou inspiração em seu próprio quintal. Ao contrário de Emerson que visitou a Europa e deu palestras em todos os Estados Unidos e em contraste a muitos dos grandes naturalistas de mundo que exploraram os continentes. (EKIRCH JR, 1963, p.58).

Quando escreveu Walden, Thoreau fez do isolamento uma discordância à sociedade não por gozo eremita, mas por uma vivência do que acreditava ser uma vida natural, para descrevê-la a seus contemporâneos. Por sua vez, embora Emerson acreditasse que a vida fosse um conflito entre a industrialização e a simplicidade, entre a exploração da natureza e a vida em harmonia com ela, não pedia uma desistência da civilização, apenas fazia um apelo à

b The Influence of Thoreau's "Civil Disobedience" on Gandhi's Satyagraha. George Hendrick. The New England Quarterly.

simplicidade como meio de ter o essencial da vida. Ele não gostava das cidades, mas das vilas e aldeias, porque conservavam algo do Sonho Agrário, mantendo uma relação saudável com o meio e vivendo do essencial, embora fosse enfático em exortar que toda cidade deveria ter um “parque, ou melhor, (...) uma floresta primitiva” (TORREY, 1906, p.387). Isso seria tomado à letra por FLO e posteriormente por outros idealistas da natureza, o que tornaria o autor um dos fundadores do Ecologismo.

A melhor maneira de entender Thoreau é através de uma frase em relação aos animais, no Walden: "Aquela não era minha residência, pois encontrei-me subitamente vizinho dos pássaros; não por ter aprisionado um, mas por ter-me engaiolado próximo a eles”12

(THOREAU, 1882, p. 93).

Mas o Ecologismo não ficou só nos Transcendentalistas, rapidamente criou configuração própria e mesmo FLO, que escreveu copiosamente sobre o tema, foi cofundador do que conhecemos como Conservacionismo, embora ele brindasse sua obra com a adição das benesses da Civilização às virtudes terapêuticas do contato com a natureza.

O Conservacionismo é uma criação de John Muir (1838-1914) que, além de naturalista, foi a principal voz a advogar a preservação das áreas selvagens. Diferente de Thoreau, Muir mergulhou na paisagem de maneira única, criando e encabeçando os movimentos conservadores e ecológicos mais importantes da época. Fez estudos sobre a luz e as primeiras incursões na percepção ambiental. Uma de suas maiores realizações foi a criação do Parque Nacional do Yosemite (California, EUA), que ensejou a fundação do Sierra Club (California, EUA), uma das mais prestigiadas associações conservacionistas norte- americanas. Os escritos de Muir estão entre os mais intensos na área do Conservacionismo. Suas intensas explorações dos elementos da natureza somadas aos estudos da glaciação e as viagens aos lugares menos conhecidos da época lhe valeram a recente nomeação de ‘Biogeografo’ (MCDOWALL, 2010).

Além do Transcendentalismo e dos Brâmanes de Boston, a literatura norte-americana da época é tão prolífica e intensa quando abrangente, indo dos Abolicionistas à emancipação feminina e à discussão dos quesitos políticos, mormente as teorias socialistas as quais, indireta ou diretamente, permearam quase todos os grandes escritores.

A mulher alcançou um patamar próprio na literatura da época com uma gama de assuntos que ultrapassa o que se conhecia de literatura feminina na Europa, particularmente a temática política e a crítica social. Algumas das mais importantes letradas embora fossem em sua grande maioria poetisas, também se dedicaram a outras técnicas e temas: Harriet Beecher

Stowe (1811-1896) escreveu A Cabana do Pai Tomás, como protesto contra a escravidão tornando-se uma das primeiras e principais porta-vozes do Abolicionismo; Emily Dickinson (1830-1886) considerada a maior e mais prolífica poetisa, criou uma forma de poesia singular que lembra a moderna; Margaret Fuller (1810-1850) feminista, jornalista e crítica, em Woman

in the Nineteenth Century elaborou o manifesto da igualdade das mulheres; Elizabeth Oakes

Smith (1806-1893), foi ativista feminina, romancista, poeta e editora.

Também a homossexualidade teve seu instante de glória literária na controversa figura de Walt Whitman (1819-1892) numa época em que o tópico era considerado crime, o mesmo crime que levou Oscar Wilde à cadeia e Proust ao auto-ostracismo (KOUWENHOVEN, 1950; SCHMIGDALL, 2010). Embora visse a escravidão como uma forma de oposição à democracia, Whitman lutou contra a escravidão, mais como forma de segregação social do que como abolicionista. Com ideias profundamente enraizadas no igualitarismo socialista, ele legou aos Estados Unidos o Leaves of Grass (Folhas de Relva) de 1855, pela qual tentava atingir o homem comum através de um épico tipicamente norte-americano. Parte de seu trabalho foi dedicada ao elogio ao álcool e ao sexo, que voltaram à cena na literatura beat dos anos 50/60, e seu escapismo.

Mesmo o bizarro e o “patológico” teve seu lugar de destaque, na figura de Edgar Allan Poe (1809-1849), também considerado como o mestre do gótico americano (YEWDALE, 1920), criador do conto, ou romance pequeno, e inventor do romance policial, embora tenha se tornado mais conhecido pelos contos de mistério e do macabro. A influência de Poe foi além da literatura e alcançou os dias de hoje através da criptografia e da cosmologia, que usou em seus romances e contos. Ela é encontrada na obra de escritores tão díspares quanto Borges (ESPLIN, 2011) e Baudelaire (VATAN, 1996), além de Conan Doyle (YANG, 2010) e Lovecraft (PRICE, 2001), os principais expoentes do conto policial e do mistério criptográfico do fim do século XIX e começo do XX, simultaneamente.

A influência destes escritores não se ateve exclusivamente ao mundo literário dos clubes e sociedades literárias, quer nos Estados Unidos ou na Europa. Ela estendeu o fascínio de seus divulgadores e profetas a quase todos os ramos intelectuais da sociedade da época. Quase todos os norte-americanos liam ou escreviam alguma coisa sobre algum assunto, de anotações sobre a melhoria na agropecuária às divagações sobre a natureza da luz, do som, ou qualquer outra coisa considerada digna de nota.

Para Martin (2011) o período entre 1800 e 1850 houve uma explosão na alfabetização em grandes centros urbanos, como Filadélfia e Nova Iorque, ocasionando um boom editorial,

particularmente na área de periódicos e hebdomadários, com cerca de “650 revistas” por volta de 1850 (MARTIN, 2011, p.111). Um dos escritores/jornalistas que na época mais contribuiu para esse boom foi FLO, com suas reportagens folhetinescas sobre a escravidão no Sul:

Essa série contribuiu para o rechaço da circulação do Times. Em fins de 1853 ele tinha voltado aos 25.000 (leitores). E a circulação continuava a crescer logo atingindo os 40.000, secundado apenas pelo Herald, entres os diários de Nova Iorque.13 (Idem, p.89).

Com tanta pujança é possível que a adoção do Webster’s: The American Dictionary of the English Language (Webster’s: O Dicionário Americano da Língua Inglesa) como norma para a imprensa e a escrita de forma geral, evidencie o nacionalismo nascente, com sua grafia diferenciada do inglês da Inglaterra. Foi a era do self-made man e do incentivo à criatividade, à individualidade e ao igualitarismo, abolicionista ou não. É nela que foi fomentada a invenção, o incentivo à patente, a expansão da industrialização e o desbravamento das fronteiras, de onde surgiriam as maiores fortunas do país: os Vanderbilt (navegação e ferrovia), os Morgan (banco, indústria e ferrovia), os Carnegie (aço) e os Rockfeller (indústria, banco e petróleo). Dariam vida à chamada Gilded Age (Era Dourada) nova- iorquina, incentivando as artes (seja pelas aquisições pessoais ou criação de sociedades de arte e museus) e construindo o cosmopolitismo que se tornou a marca da cidade de Nova Iorque.

Aparte os gostos e tendências da arquitetura e dos modismos do período, entendemos que a influência sobre a obra de FLO vem basicamente da literatura. Não só dos livros que leu na infância e juventude (como o Solitude de Zimmermann, por exemplo) ou das experiências no jornalismo e campo editorial, mas particularmente da forte empatia com o discurso do Transcendentalismo que albergava não só uma visão quase mística da natureza mas, principalmente, a ideia da conservação como glorificação divina. O discurso Transcendentalista de Emerson tornou-se o guia espiritual daquela que seria a menos literária e a mais influente de todas as sociedades intelectuais da época: a Hudson River School of

Painting (Escola de Pintura do Rio Hudson), a primeira fraternidade artística legitimamente

norte-americana (AVERY, 2008), surgida por volta de 1850 e desaparecida durante o Centenário da Independência (1876), por influência de Thomas Cole (1801–1848). Apesar de dedicada à temática da natureza, o nome da escola deriva do fato deste grupo de pintores paisagistas serem dedicados à representação do Vale do Rio Hudson e área ao redor (particularmente as montanhas Adirondack, Catskills e White), embora Whittredge atribua o nome a “um selvagem crítico do New York Tribune” (in AVERT, 1988, p.3).

Apesar de todo o apelo protestante relacionado à paisagem como revelação do divino, e do idílio Romântico com o éden rural de Emerson, paradoxalmente todos os integrantes da

Escola viveram na cidade de Nova Iorque e se dedicaram à ideia romântica da natureza prístina e intocada no preciso instante em que esta estava sendo violada pelo crescimento econômico e a necessidade de expansão territorial. No geral eles tinham uma “forte crença na beleza superior da paisagem americana14” (BURROUGHS, 1917, p. 3), fervorosamente

partilhada pelos patronos que os encorajavam. Evidentemente que um modelo de arte tipicamente norte-americano seria diferente do modo europeu, pois incorporaria a efervescência do estilo desenvolvimentista em voga, numa Nova Iorque em franco crescimento e, agora, adicionando o cosmopolitismo que seria sua marca permanente. O modelo teria de arrecadar e arrebanhar não só a anuência de um público mais esclarecido, mas também fazê-lo sentir-se dono do mais legítimo de seus predicados: a novidade e a velocidade da cidade, que desembocariam numa solução cinética:

As propostas de sublimidade nos primórdios da historia da pintura nos Estados Unidos foram prontamente transferidas para a paisagem, e conduziram a um estudo da retórica artística, aquele estilo de oratória formal que é o modo apropriado ao discurso público. Um estudo deste tipo também envolve uma consideração da arte como espetáculo. Persistindo até o fim do século dezenove essa arte teve como óbvio herdeiro no século vinte, o filme, o qual narrou muitas das preocupações do século dezenove.15 (NOVAK, 2007, p.16-17).

Uma das principais ferramentas dessa arte cinética, bastante utilizada pela Escola do Rio Hudson e que iria desdobrar-se em outros inventos e eventos, foi o “Panorama” (Figura 3.1) do norte-americano John Banvard (1815–1891), um pintor de retratos e panoramas bastante conhecido por suas vistas do Vale do Mississipi.

O Panorama era um modo bastante peculiar de ver arte, onde se fornecia a uma assistência sentada um painel gigantesco que se desenrolava lentamente num tipo de palco, quiçá o precursor da tela de cinema. Este tipo de arte, conhecida como Arte Sequencial, além de tão antiga quanto a história das culturas encontra-se disseminado por praticamente todas as civilizações antigas.

Apesar do termo ter sido cunhado pelo pintor irlandês Robert Barker em 1792, o reconhecimento desta forma de arte nos Estados Unidos se deve a John Banvard. Seu maior Panorama iniciado com 369m de comprimento por 3,6m de altura, findou em torno de 4 km (3 miles) de comprimentoc, foi publicado pela Putnam, onde FLO deve ter tido acesso à obra,

já que lá trabalhou (de 1851 a 1856) e publicou seu Walks and Talks em 1852 (MARTIN, 2011). Evidentemente o local em que o Panorama era apresentado tinha que possuir estrutura própria para dar conta da enormidade do objeto (Figura 3.1), normalmente um palco montado

c Conforme descrito no minucioso Banvard’s Geographical Panorama of the Mississipi River, With the Adventures of the

onde a gigantesca tela, em pé, era desenrolada lentamente de um lado a outro, enquanto era assistido por uma plateia sentada (Figura 3.2).

Figura 3.1- Vestígios do Panorama de Banvard (esquerda) e os esquemas das engrenagens (direita).

FONTE: http://goo.gl/Jh0PxM (esquerda) e http://goo.gl/VPgI0q (direita). Acesso de ambas em: 01/10/2013. Os ‘Panoramas’ que entretinham os curiosos no século XIX não se valeram dos recursos apenas pela mera apreciação da l’art pour art. Havia algo mais inquietante que

mexia com o imaginário destes artistas: a imagem em movimento exercia um enorme fascínio no público que ia às sessões de apresentação e pressupunha uma continuidade. O desejo de requintar e otimizar essa arte não é novidade (Teatro de Sombras javanês, as representações pictóricas egípcias, colunas romanas, ou os relatos pictóricos chineses e japoneses) mas, neste momento de tanta efervescência tecnológica e deslumbramento científico e já era preceptível os primórdios do cinema tal como o conhecemos nesse elo entre o passado e o futuro: os

Panoramas. MacDonald (2001) detalha a relação mais interessantes entre o Panorama, o Cinema e o Central Park:

(...) a proporção entre comprimento e largura do parque (aproximadamente 5 para 1) é de