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Mapa 8-8 – Ações encontradas ON ou Outros Negativo (+HARNIK)

4 FREDERICK LAW OLMSTED

4.4 Princípios Olmstedianos

Embora não haja uma teoria formal de FLO, alguns autores, como Twombly (2010), Miller (2003), Eisenman (2013), Beveridge (1986, 1995 e 2000) e o próprio FLO (1977), organizaram o conjunto de pensamentos e formulações sobre a arte do paisagismo de maneira sistemática, criando um tipo de corpus ideológico desenhado para fornecer uma compreensão objetiva do que se pode denominar de teoria. Além dessa literatura alguns endereços eletrônicos também foram importantes para a tarefa de esboçar esta teoria, particularmente a

Fundação Greensward (Greensward Foundation3) que apoia parques públicos; a Associação

Nacional para os Parques de Olmsted (National Association for Olmsted Parks – NAOP)4,

sociedade dedicada ao armazenamento e organização dos documentos de FLO; Serviço de Parques Nacionais (National Park Service5) sítio de busca de arquivos e documentos de FLO

e o periódico Lugares (Places6), jornal interdisciplinar de arquitetura, paisagismo e

urbanismo, originalmente ligado ao MIT e Berkeley7.

Um dos elementos mais destacados por todos os autores que analisam o discurso de FLO é o genius loci, ou ‘espírito do lugar’, que permeia a maior parte de sua obra como conceito fundamental. Segundo Beveridge (2000), FLO queria que seus projetos permanecessem fieis ao caráter do ambiente natural e não que entrassem em choque com ele. Parte desse conhecimento foi obtido através do auto aprendizado, por meio das leituras de clássicos da literatura inglesa, mormente os relacionados ao paisagismo e à arquitetura. O

genius loci, propriamente dito, adveio de sua interpretação dos Morals Essays (Ensaios

Morais) de Alexander Pope, particularmente o Epistle to Burlington (Epístola à Burlingtonv)

de 1731, também chamado de Of the Use of Riches (Dos Usos da Riqueza). Pope argumentava que o universo era um lugar racional que operava sob leis naturais8,

recomendava um escrupuloso bom-senso moral em relação ao planejamento arquitetônico e ao traçado do solo e jardins, além de prevenir contra a vulgaridade da ostentação, recomendando que o gosto deve governar tudo, sendo considerado uma forma de bom-senso Hecht (2007), conforme mostra claramente o poema:

Para construir, plantar ou o que fazer queiras, Erigir uma coluna, ou o arco curvar,

Alargar o pátio, ou a gruta descer.

Em tudo jamais deixes esquecida a Natureza; Mas trata a deusa com modesta beleza.

Nem a vistas demais, nem a deixes totalmente nua; Não deixes cada beleza em toda parte ser espionada, Onde metade do talento é decentemente ocultar.

Ganha todos os pontos aquele que agradavelmente confunde, Surpreende, varia e oculta os laços.

Em tudo, consulta o Gênio do lugar Que diz às Águas para subir ou mergulhar, Ou ajuda a ambiciosa Colina os céus escalar, Ou em Teatros circulares, o Vale escava, Convoca o Campo, captura abertas Clareiras, Une dóceis Bosques e varia Tons de Tons, Ora rompe, ora direciona os voluntários Fios,

Pinta enquanto plantas, e enquanto trabalhas, Desenha (POPE, 1859, 248).9

v Richard Boyle (1694-1753), terceiro Conde (Earl) de Burlington, também chamado ora de “Apolo das Artes’, ou

simplesmente de “O Arquiteto” tornou-se conhecido por ter levado a arquitetura Paladiana à Inglaterra. Sua obra mais famosa é a Chiswick House.

Em Sketches and Hints on Landscape Gardening, Repton não está muito distante de Pope quando afirma no início do capítulo 1, Different Characters and Situations (Diferentes Naturezas e Situações):

Toda melhoria racional do terreno está, necessariamente, fundamentada na devida atenção ao caráter e situação do lugar a ser melhorado: o primeiro ensina o que é aconselhável [fazer] e o último o que é possível fazer; ao passo que a extensão do local tem menos influência do que geralmente se imagina; contudo, por maior ou menor que possa ser, um dos princípios fundamentais da jardinagem paisagística é disfarçar o limite verdadeiro. (REPTON, 1907, p.7)10

Aqui cabe distinguir a diferença que existe entre landscape gardening (jardinagem paisagística) e landscape architecture (arquitetura da paisagem), uma vez que os termos são usados em diferentes momentos. Para melhor expressar suas ideias, FLO fazia constantemente uso da linguagem arquitetônica, tanto como metáfora quanto como analogia. O Promenade, por exemplo, era equiparado a um “salão de recepções a céu aberto” (OLMSTED, 1858, p.18), pois tanto acomodava a socialização quanto direcionava a atenção do visitante para as características essenciais do parque. É possível que a cunhagem do termo Arquiteto Paisagista (Landscape Architect) advenha desse uso, já que o processo construtivo era compreendido por FLO como similar ao arquitetônico. Vale a pena rever a origem do termo.

Olmsted foi um dos arquitetos mais influentes do século XIX e inventou, em 1862, a denominação de arquiteto da paisagem (landscape architect) para substituir a herdada de Humphry Repton (landscape designer). Olmsted era consciente de que o objetivo essencial de sua disciplina era a conformação do espaço público moderno. O termo inglês para paisagem, landscape, é a conjunção de (terra) e scape, uma derivação do termo shape (forma). Ao evitar a palavra gardening, que avizinhava sua atividade à área de horticultura e utilizar architecture, Olmsted atribuía uma dimensão artística além da técnica e destacava sua vocação cívica e pública. A criação da paisagem como conceito artístico havia sido responsabilidade da pintura: a visão arcádica da jardinagem oitocentista de Repton ou Brown que inspirou Olmsted e Vaux era herdeira das obras de Nicolas Poussin ou Claude Lorrain (GARCÍA-POSADA, 2007, p.26-27).11

A ideia de uma natureza viva e senciente não era novidade à época de FLO já que gregos e romanos a identificavam e procuravam respeitar por intermédio de normas estritas e rituais específicos. O Genius loci também não é uma ideia exclusivamente ocidental, ela pode equivaler tanto às linhas ‘ley’ (ley-lines) célticas quanto as linhas geomagnéticas no Feng Shui chinês e no Vastu Shastra indiano. O conceito de Genius loci também não era novidade, mas o modo como foi usado por ele é o que faz a diferença. Norber-Schulz (1980) identifica o

Genius loci, ou espírito do lugar, como uma espécie de atmosfera (stimmung) particular que

caracteriza um lugar qualquer. “Na descrição do Genius loci em Norberg-Schulz, assim como seu uso do conceito, podem ser reconhecidos quatro níveis temáticos: a topografia da superfície da terra; as condições de luz cosmológicas e o céu como condições naturais;

construções; e significados simbólicos e existenciais na paisagem cultural” (JIVÉN, LARKHAM, 2003). FLO tinha uma interpretação similar a de Norberg-Schulz, no entanto para ele o Genius loci tinha uma conotação associada ao conceito Romântico de paisagem e ‘Pitoresco’ de Price. Também é importante considerar que Norberg-Schulz fala diretamente à arquitetura enquanto FLO ao paisagismo, o que cria uma certa variação no tema:

Ainda que Olmsted buscasse tornar cada projeto excepcional ao fundamentá-lo nas qualidades especiais do lugar individual, não desejava usar apenas plantas nativas em sua criação da paisagem. Ele se utilizava de muitas plantas que já eram parte do caráter da paisagem do lugar e sabia que elas prosperariam com poucos cuidados. No entanto, ele estava ávido em enriquecer a paisagem natural, e para fazê-lo estava disposto a empregar qualquer planta econômica que adicionasse riqueza e variedade sem golpear o observador médio como antinatural ou exótica (BEVERIDGE, 2000).12

O respeito ao Genius loci era, portanto, fundamental para FLO. Não apenas pela utilização de nativas e redução de exóticas, mas também pela consideração pela topografia (uso dos planos das curvas de nível, por exemplo), qualidade da luz local (atmosfera) e observância às limitações do entorno natural. Beveridge (1986) distingue o método de organização do trabalho projetual de FLO em dois universos distintos: um relacionado ao elemento organizador e o outro ao princípio orientador. Aqui preferimos manter o pensamento de Beveridge (1986) em tradução livre.

Quanto ao princípio orientador ele aponta seis itens: gênio do lugar (genius of

place); composição unificada (unified composition); orquestração de movimento

(orchestration of movement); orquestração de uso (orchestration of use); desenho sustentável e conservação ambiental (sustainable design and environmental conservation), e abordagem compreensiva (comprehensive approach), conforme especificado a seguir:

- Gênio do lugar – muito embora o sentido de gênio seja equivalente ao ‘espírito’ (‘geist’

alemão como em ‘zeitgeist’) no inglês ele também encerra o sentido de competência, potencialidade. No caso de FLO permanece o sentido do gênio grego já descrito acima; - Composição unificada – todos os elementos do projeto de paisagismo devem se subordinar a um objetivo projetual abrangente. O projeto deve evitar o tratamento decorativo de plantios e estruturas de modo que a experiência da paisagem soe orgânica e verdadeira.

- Orquestração de movimento – a composição deve coordenar sutilmente o movimento

através da paisagem. Deve haver uma separação entre as vias (como em parques e parkwayw)

wSegundo Rybczynski (1999) o ‘parkway’ é “uma versão americana do bulevar parisiense (...) o parkway original era um

passeio de deleite urbano, com vias de trafego para carruagem no centro, duas amplas faixas arborizadas para pedestres e percurso equestre e faixas adicionais para o trafego local”. Atualmente tem a denominação de ‘via-verde’ ou ‘corredor- verde’.

visando a eficiência e amenidade de movimentos e evitar colisão ou a percepção de colisão entre diferentes tipos de trafego;

- Orquestração do uso – a composição deve inserir engenhosamente uma variedade de usos

em zonas lógicas, assegurando o melhor lugar possível para cada uso e impedindo a competição entre eles;

- Desenho sustentável e conservação ambiental – o projeto deve levar em consideração uma

manutenção de longo prazo e assegurar a execução e perpetuação de sua meta. As plantas devem prosperar, serem não invasivas e exigirem pouca manutenção. O projeto deve conservar as características naturais do lugar ao máximo, além de promover a contínua salubridade ecológica da área;

- Abordagem compreensiva – a composição deve ser compreensiva e procurar exercer

uma influência além de suas fronteiras. De maneira similar, o projeto deve reconhecer e levar em consideração o entorno, e criar efeitos complementares. Quando possível, os espaços públicos devem se conectar por vias verdes e bulevares de modo a ampliar e maximizar os espaços do parque.

É interessante notar que toda esta tipificação não se resume apenas ao Central Park. Ela abarca toda a obra de FLO, de maneira ininterrupta, com melhorias ao longo do tempo e adaptações para situações específicas, conforme demonstrado no caso do projeto de 1869 para o Riverside de Chicago, aqui organizado em quadro comparativo a partir da revisão do projeto realizado pela equipe disciplinar da Universidade de Michigan (Quadro 4.1).

Quadro 4.1- Elementos compositivos na teoria paisagística de FLO para grandes condomínios. ELEMENTOS COMPOSITIVOS

COREOGRAFIA DE VISTAS GENIUS LOCI

Ruas e passeios desenhados com alinhamentos curvos Reservar o ‘melhor’ do local para uso público Ausência de quinas agudas e interseção perpendicular Preferência por plantas nativas

Massas irregulares de árvores e arbustos Não-nativas usadas com discrição Uso de plantio para emoldurar, bloquear ou cessar

vistas Evitar mostras florais formais e chamativas

Uso de plantio para criar espaços e salões secretos

dentro da paisagem maior Arrumar as plantas por agrupamentos naturalistas e não formais ou geométricos Alternar padrões de luz e sombra

Acesso visual para e através dos espaços abertos Variação na cor e textura da vegetação

FONTE: FAIKS et ali, (2001) em: http://goo.gl/ZtFnpl. Acesso em: 2/Mai/2014.

Em relação ao elemento organizador do projeto ele considera sete itens (Seven ‘S’ of

- Scenery (Cenário) - projeto de “cenários de passagem” mesmo em espaços pequenos e em áreas propostas para uso ativo. Criação de esquemas que dão um senso de ressalto do espaço: fronteiras indefinidas, constante abertura para novas vistas. Abstenção de plantio de espécies ou bordas densas criando, ao invés, esquemas que têm tanto “considerável complexidade de luz e sombra próxima ao olho”, quanto “obscuridade do detalhe mais adiante”;

- Suitability (Adequação) - criação de esquemas que estão de acordo com a paisagem natural e topografia do local e respeito e total utilização do “gênio do lugar”;

- Style (Estilo) - projetar em estilos específicos cada um para um efeito particular. Essencialmente no estilo “Pastoral” (gramados abertos com pequenos corpos de água e árvores e bosques espalhados) para uma atmosfera restauradora e reconfortante, ou no estilo “Pitoresco” (plantio profuso, sobretudo de arbustivas, trepadeiras e forrações em terrenos partidos e íngremes) para um sentimento de riqueza e abundância da natureza, com efeitos de

chiaroscuro para produzir um senso de mistério;

- Subordination (Subordinação) - obediência de todos os elementos, atributos e objetos ao

master plan, respeitando o efeito pretendido. A “Arte de ocultar a Arte”;

- Separation (Separação) - separação de áreas projetadas em diferentes estilos de modo que “uma incongruente mistura de estilos” não dilua o efeito pretendido de cada uma: separação de vias para assegurar a segurança de uso e reduzir as distrações para aqueles usando o espaço, separação de usos conflitantes ou incompatíveis;

- Sanitation (Saneamento) - fornecimento de drenagem e outras considerações de engenharia, e não apenas a disposição de elementos superficiais. Planejar ou projetar de maneiras que estes promovam a saúde tanto física quanto mental dos usuários;

- Service (Serviço) - planejar as ações de maneira que estas sirvam a um “objetivo de utilidade direta ou serviço”, isto é, que elas atendam às necessidades psicológicas e sociais fundamentais. “Uma vez que as considerações de utilidade sejam negligenciadas ou ignoradas em favor do ornamento, não haverá verdadeira Arte”.

Aqui cabe uma explicação sobre determinados elementos da escrita de FLO, que aparecem repetidamente com significados distintos daqueles que atribuímos rotineiramente, como no caso dos termos ‘design’ (que varia de desenho a concepção) e ‘scenery’ (que tanto pode ser cenário como paisagem), não se aplicando a todo campo de visão, conforme expressa:

Ele deve conter “ou uma considerável complexidade de luz e sombra próxima ao olho ou uma obscuridade de detalhe mais a distância”. Essas qualidades eram essenciais a ação do

‘scenery’ na psique. Também era um elemento crucial de seus projetos como treinamento básico para a sensibilidade estética (BEVERIDGE, 2000).

Aqui cabe considerar que a fala de Beveridge aproxima a noção de luz e sombra em Olmsted à da fotografia e cinema (senão a mesma) conforme a conhecemos. Por sua vez além da questão pictórica, Nicholson (1989) argumenta que dois temas inspiraram a obra paisagística de FLO: “sua convicção de que a natureza tinha poderes curativos e efeitos psicológicos restauradores no individuo, bem como sua forte crença de que a natureza era uma força civilizadora na sociedade” (p. 337).

A discussão sobre essa ‘força civilizadora’ acha-se diluída ao longo da tese, conforme a necessidade dos diferentes capítulos, de modo que o leitor tenha melhor compreensão do que FLO queria dizer ideologicamente. Roulier (2009) conseguiu fazer uma síntese dos conceitos reformistas e democráticos de FLO de maneira clara, dividindo suas metas em três tópicos:

Primeiro, Olmsted acreditava que numa sociedade democrática as pessoas, independentemente da posição socioeconômica, deviam perceber que pertenciam a uma comunidade e ele tentou criar espaços cívicos onde esse sentimento de fraternidade pudesse ser nutrido. Segundo, Olmsted vincula a democracia a um conceito ainda mais amplo, o de “civilização”. Se seus pensamentos sobre comunidade democrática enfatizam a integração e associação, seu tratamento da civilização realça a necessidade de transformação individual ou formação do caráter, um processo que envolve não só as instituições políticas e sociais, mas também o mundo da natureza, especialmente quando melhorado pela concepção humana. Terceiro, as tendências republicanas de Olmsted anteriormente mencionadas – que enfatizam a solidariedade democrática e a aquisição da virtude – baseiam-se no compromisso, classicamente liberal, com a liberdade individual. Já que os elementos republicanos são mais familiares à maioria dos leitores, o liberalismo de Olmsted não deveria [por sua vez] ser negligenciado; ambos são tecidos em sua arte e pensamento – com cada fio respondendo a diferentes necessidades mas juntos refletindo aquela grande “miscelânea” da democracia Americana. (ROULIER, 2009, pp. 312-313).13