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2 Os sistemas atmosféricos atuantes na área da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá

2.2 Sistemas instáveis

2.2.1 Frente fria

A frente fria é o sistema atmosférico que mais interfere nas condições de tempo na Região Sul, durante o ano inteiro. É um sistema alongado de baixa pressão, associado quase sempre a duas baixas pressões fechadas onde o ar converge, uma sobre o continente com posição sobre o chaco argentino (Baixa do Chaco) e outra sobre o oceano Atlântico que, algumas vezes, desenvolve um ciclone extratropical.

A frente fria resulta do encontro de massas de ar com densidades diferentes, quando o ar polar, mais denso, avança em direção ao mais quente e menos denso, e força este a subir. À medida que o ar ascende se resfria adiabaticamente, condensa formando nuvens e origina chuva. Quanto maior a diferença de densidade entre as massas de ar envolvidas, mais ativa

torna-se a frente, resultando em maior instabilidade com formações de cumulonimbus, pancadas de chuva fortes, ventos intensos e granizo.

No Sul do Brasil, a atuação desse sistema atmosférico varia com as estações do ano. No verão, grande parte do continente sul americano fica aquecido praticamente por igual, e, em algumas situações sinóticas, são detectadas temperaturas mais elevadas na Argentina em relação ao Brasil, o que torna difícil uma frente fria se organizar sobre o continente. Como conseqüência as frentes frias são mais ativas sobre o oceano Atlântico, nessa época do ano. Um exemplo desta situação é apresentado na imagem satélite das 1630 UTC do dia 10 de dezembro de 2005, com presença de uma frente fria no oceano, no litoral de Santa Catarina, apresentando tempo mais instável com trovoadas com topos em –50ºC (tons de verde na imagem satélite). Na mesma imagem é verificada uma linha de trovoadas entre o planalto e a costa catarinense associada à frente fria e a Baixa do Chaco no norte da Argentina, com vários núcleos de trovoadas (figura 6).

Figura 6 – Imagem do satélite GOES no infravermelho das 1630 UTC do dia 10 de dezembro de 2005, com uma frente fria no Atlântico, próximo ao litoral de Santa Catarina.

Fonte: CPTEC/INPE GOES-12.

Embora a maior atividade esteja sobre o Oceano são muito importantes na produção de chuva na Região Sul. Segundo Uvo (1998), “a penetração dos sistemas frontais em direção ao equador, ao longo da costa brasileira, particularmente durante o verão, organiza convecção

no interior do continente” (p.20). Essa organização se dá em faixa de nebulosidade convectiva que se desloca acompanhando o sistema frontal (OLIVEIRA, 1986).

Estudos climatológicos realizados por Rodrigues (2003), para identificar as frentes frias que atingiram a costa catarinense no período de 1990-99, apontam uma média mensal de 3 a 3,5 entradas de frentes frias.

Com essa dinâmica frontal ocorre, em situação pré-frontal, predomínio de ventos de nordeste originados no Anticiclone Semifixo do Atlântico Sul (ASAS). Após a passagem das frentes, nos primeiros dois dias, são observados ventos de sudeste a leste, nas estações próximas ao litoral de Santa Catarina, em associação ao cavado (sistema alongado de baixa pressão) que se configura no litoral do Sudeste do Brasil, quando as frentes frias atingem essa região (RODRIGUES, 2003). Ainda de acordo com o autor, os fluxos de noroeste ou sudoeste não são persistentes no litoral catarinense, durante a passagem frontal, devido ao rápido deslocamento dos sistemas migratórios.

Além do vento, a temperatura também sofre variações nessa época do ano. Embora a intensidade da massa polar esteja consideravelmente reduzida, “é interessante notar-se que, mesmo no verão o declínio de temperatura é bem caracterizado, em associação à passagem frontal” (RODRIGUES, 2003:35). Conforme acentua o autor, o maior declínio é constatado no dia seguinte ao da passagem de uma frente fria, e a diferença média é de -1,9º C (valor obtido a partir da média sazonal).

No outono, as frentes frias adentram mais pelo continente e já na segunda quinzena de março são observadas incursões de massas de ar mais frio após a passagem frontal. Essas massas de ar frio são dotadas de mais energia e, segundo Titarelli (1972), são as ondas de frio pioneiras, que embora ainda fracas podem ocasionar temperaturas muito baixas com formação de geadas fracas nas áreas de maior altitude da Região Sul. Essas “massas de ar pioneiras” perdem força rapidamente à medida que os anticiclones polares – centros de ação das massas de ar frio – deslocam-se para o Oceano Atlântico e passam a incorporar-se ao ASAS. Os ventos que sopravam de sudoeste a sudeste, provenientes dos anticiclones polares, passam a soprar de nordeste, oriundos do ASAS e as temperaturas voltam a subir e chegam a superar os 30ºC nas áreas de planície, principalmente quando uma nova frente fria chega ao Uruguai ou ao sul do Rio Grande do Sul. Essa dinâmica não se repete regularmente durante toda a estação, sendo comum a formação de bloqueios atmosféricos que impedem o avanço das frentes frias para menores latitudes, modificando as condições de tempo na Região Sul. De acordo com Fuentes (1997), a condição de bloqueio é caracterizada pelo desenvolvimento de

altas pressões persistentes nas altas latitudes, obstruindo o deslocamento dos ciclones e anticiclones migratórios de oeste, e que ocorre com mais freqüência no outono e inverno.

Sob influência dos bloqueios, os sistemas de tempo instável como as frentes frias ficam semi-estacionários sobre o Uruguai e o sul do Rio Grande do Sul ou em deslocamento zonal, ou seja, na mesma latitude, do Pacífico para o Atlântico.

O rompimento do bloqueio atmosférico ocorre quando uma massa de ar frio de forte intensidade cruza os Andes em posição mais continental, isto é, quando o anticiclone polar encontrar-se entre 35 e 40ºS e a oeste de 50ºW. Com o anticiclone nesta posição, uma baixa pressão associada à frente fria semi-estacionária sobre o Uruguai e o sul do Rio Grande do Sul começa a se desenvolver e origina um ciclone extratropical. À medida que o anticiclone polar avança em direção NE, desloca o ciclone extratropical para alto mar e a frente fria acompanha esse deslocamento para NE, trazendo pancadas de chuvas rápidas associadas a trovoadas isoladas para todo o Sul do Brasil.

No inverno, os dias são mais curtos e, portanto possuem menos horas de brilho solar em relação ao verão e ao outono. Com o continente mais frio, as massas de ar provenientes das grandes latitudes tornam-se mais intensas e continentais. Nesta estação do ano a frente fria é um dos sistemas atmosféricos mais importantes na distribuição da precipitação na Região Sul. Embora o número médio de incursões mensais seja igual, no inverno as frentes frias possuem atuação mais continental, devido à existência de maior contraste térmico entre as massas de ar frio que cruzam os Andes um pouco mais ao norte nesta estação do ano e as massas mais aquecidas pré-frontais.

Antes da chegada das frentes frias são observados ventos predominantes de nordeste a norte, para a maior parte da Região Sul, e as temperaturas ficam mais elevadas devido à atuação do ASAS. Mas, não basta apenas o contraste térmico entre a Anticiclone Polar e o ASAS para intensificar as frentes frias. A maior ou menor intensidade com que as frentes atingem a Região Sul vai depender também de outros fatores presentes no verão e no outono, ou seja, corrente de jato em médios e altos níveis e a ativação da Baixa do Chaco. Quando ocorre a manifestação conjunta de todos esses fatores, o resultado é uma frente fria bem organizada apresentando nebulosidade cirrus na parte superior, altocumulus associadas a altostratus e nimbustratos em médios níveis, e em baixos níveis predomínio de nuvens cumulus e cumulonimbus. Nesse caso, a chuva é intensa e bem distribuída. Por outro lado, se qualquer um dos fatores não se configurar, as frentes frias se deslocam com fraca atividade, ou seja, com pouca precipitação.

Com a passagem da frente fria são logo verificados ventos do quadrante sul e declínio significativo nas temperaturas. Esses ventos são originados no anticiclone polar e se apresentam, geralmente, com fortes rajadas pelos menos durante algumas horas. A temperatura diminui com a passagem da frente fria. Para Santa Catarina, Rodrigues (2003) constatou declínio no dia da passagem frontal, seguido de um declínio mais acentuado no dia seguinte. No segundo dia, após a passagem do sistema, a temperatura fica estável, elevando-se no terceiro, quando o anticiclone polar incorpora-se ao ASAS.

Na primavera, as frentes frias têm deslocamento menos continental em relação ao inverno. Mesmo assim, a primavera apresenta um ligeiro aumento na freqüência desse sistema em relação às demais estações do ano (OLIVEIRA, 1986; RODRIGUES, 2003). Os meses de setembro e outubro são mais instáveis na maioria das regiões catarinenses, inclusive na BHRA, com Araranguá apresentando as maiores médias mensais de precipitação no mês de setembro.

Na primavera, geralmente esses sistemas apresentam pressão atmosférica no seu interior menores que 1000hPa, o que leva à ocorrência de ventos muito fortes por toda a Região Sul, tanto em situação pré-frontal como pós-frontal, devido ao gradiente de pressão formado entre o ASAS, e o anticiclone polar, respectivamente. Os ventos mais fortes de norte, originados no ASAS ocorrem um dia antes da chegada da frente fria e os fortes ventos do quadrante sul, provenientes do anticiclone polar, são verificados no dia e no seguinte à passagem da frente fria. Nos meses de setembro e outubro, após a passagem das frentes frias pela Região Sul do Brasil, ainda podem ocorrer episódios de frios intensos que declinam significativamente as temperaturas (em 24 horas, as temperaturas máximas chegam a diminuir mais de 10ºC), podendo formar geadas nas áreas mais altas, e até neve no mês de setembro no Planalto Sul (tabela 6).

A partir de novembro as chances de formação de geadas diminuem devido a participação mais efetiva das massas tropicais, já existindo maiores afinidades com a circulação do verão, conforme já referido por Monteiro (1968).

Tabela 6 – Freqüência diária de ocorrência de neve na primavera em Santa Catarina.

Localidades Freqüência Diária

Período Setembro Outubro Novembro

Lages 1933 - 2004 2 0 0

São Joaquim 1955 - 2004 12 0 0

No final da primavera, especialmente na segunda quinzena de novembro, o tempo torna-se mais estável no Sul do Brasil. Durante dias, a Região Sul fica sob atuação da massa de ar tropical com pouca umidade (mTc), o que conjugado com as muitas horas de brilho solar resulta em estiagens.

O relevo, com suas variações altimétricas, embora não chegue a impedir ou dificultar o deslocamento dos sistemas atmosféricos, os modificam, pelo menos localmente, tornando-os mais ativos ou mais fracos. Na BHRA, a interferência do relevo nos sistemas atmosféricos, especialmente em suas partes inferiores, é verificada devido à disposição das escarpas da Serra Geral, com mais de 1.000 m de altura, ser no sentido norte-sul entre Jacinto Machado e Timbé do Sul e a partir daí, no sentido sudoeste-nordeste.

Como o deslocamento da maioria dos sistemas meteorológicos ocorre de sudoeste para nordeste, principalmente as frentes frias, parte desses sistemas passa sobre as escarpas da Serra Geral tornando-se mais estável. O surgimento da estabilidade é devido ao afundamento do ar nas encostas que ao encontrar pressões maiores, comprime-se e se aquece numa proporção de 1ºC para cada 100 metros, desenvolvendo uma subsidência local, forçada pelas escarpas. O tempo torna-se menos instável, menos ativo na BHRA, refletindo em aumento de temperatura local e em menor quantidade de precipitação em relação ao planalto.

Neste sentido Monteiro (1962) afirma que:

“[...] a distribuição das chuvas se ressente muito mais dos fatores locais, mormente a orientação que as linhas do relevo assumem em face da propagação das correntes atmosféricas regionais” (p.38).

Na BHRA, a conjugação entre a atuação do ASAS e do efeito “enfraquecedor” do relevo sobre a intensidade de alguns sistemas atmosféricos como as frentes frias, pode ser verificada pela diminuição no volume de chuva constatado nas estações a sotavento como Araranguá, Forquilhinha, Foz do Manoel Alves, Içara, Laguna, Mãe dos Homens, Meleiro, Orleans, Praia Grande, Serrinha, Sombrio, Taquaruçu, Timbé do Sul, Torres e Urussanga, durante parte do outono e do inverno, período em que as frentes frias não têm influência da convecção tropical. Por outro lado, no Planalto – São Joaquim, Antonio Prado e Caxias – distantes do oceano e sem influência dos ventos catabáticos, o volume de chuva é maior, especialmente entre junho e agosto, período em que as frentes frias são mais continentais.