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2.4 LICITAÇÃO PÚBLICA: BREVE HISTÓRICO E CONCEITOS

2.4.2 Nova função das compras públicas

Mesmo diante do expressivo arcabouço jurídico que rege as compras públicas tendente a um sistema de avaliação calcado em uma equação econômica de aquisições do tipo “menor preço”, o emprego fluente de critérios sustentáveis na gestão de compras transmuta a função das compras públicas, antes assentada no simples atendimento das demandas para manutenção do aparato estatal.

Esta transmutação segundo o entendimento de Biderman et al. (2008), identifica o processo de licitação público como um instrumento à disposição do Estado que pode valer-se de ferramentas econômicas na indução de boas práticas em toda cadeia de consumo.

Esta visão inicial da função das compras públicas é corroborada por Gonçalves (2013), que assevera que o fim imediato da compra pública é o atendimento das necessidades de provimento de bens e serviços necessários para a manutenção da máquina estatal e seus serviços prestados.

Não obstante, há um fim mediato que é a utilização das compras e contratações como instrumento de realização de políticas públicas, tendo como grande diferencial dessa estratégia, a não ocorrência de despesas extras para implementação da sustentabilidade concomitante com a função administrativa de aquisição dos produtos, serviços e obras necessárias às atividades estatais (GONÇALVES, 2013).

Com efeito, em consonância com esse contexto, Gonçalves (2013) conclui que a compra na Administração Pública, deixa de ser meramente atividade-meio e passa a ser atividade-fim, ampliando seu alcance, caracterizando, assim, a sua transversalidade, com preponderância do viés sustentável, em função dos impactos diretos que perpassam pelos processos de implementação de outras políticas públicas, a exemplo da Política Nacional de

Resíduos Sólidos, Política Nacional de combate à mudança do clima e Política Nacional do Consumo e produção Sustentável.

Portanto, o desenvolvimento nacional sustentável como finalidade da licitação ao lado do princípio constitucional da igualdade e a seleção da proposta mais vantajosa à AP, contempla uma forma de renivelar os licitantes, com vistas a considerar uma ruptura com o antigo paradigma da proposta mais vantajosa, que não raro se preocupava mais com o “menor preço” (ALENCAR; CASTRO, 2016). Neste sentido, busca-se valorizar um novo paradigma emergente, o da vantajosidade com viés sustentável como forma de fomentar a proteção do meio ambiente.

Coerente, portanto, que essa nova orientação sob o parâmetro da vantajosidade sustentável dos negócios públicos deva guiar as contratações da AP, pois o “menor preço” não necessariamente garantirá a melhor proposta.

Em consequência, é conspícuo que a sustentabilidade tornou-se um preponderante fator que as autoridades públicas devem considerar nos processos licitatórios, dado o poder de compra das organizações públicas, que pode promover uma demanda considerável de produtos e serviços sustentáveis (BRAMMER; WALKER, 2012), além da possibilidade de estabelecer uma tendência para outras organizações e, assim, ampliar o mercado de produtos ou serviços sustentáveis (UYARRA et al., 2014).

Na mesma esteira é o magistério de Freitas que se direciona para um novo modelo de sistema de avaliação ao criticar a prática comumente presente de associar o termo “vantajosidade” a “menor preço”. O entendimento de Freitas sobre a temática é que:

[...] nas licitações e contratações administrativas, impende assumir que a proposta mais vantajosa é, para já, aquela que, entre outros aspectos a serem contemplados, apresentar-se como mais apta a causar, direta ou indiretamente, o menor impacto negativo e, simultaneamente, os maiores benefícios econômicos, sociais e ambientais. Precisamente por isso, o presente e distorcido sistema de avaliação de custos terá de ser inteiramente reformulado, de ordem a incluir o cálculo dos custos indiretos, no intuito de estimar os dispêndios futuros a serem efetuados em função de previsíveis impactos sistêmicos das decisões tomadas e dos riscos assumidos. (FREITAS, 2013, p. 343-344)

Corroborando a função socioambiental das CPS, Alencar e Castro (2016) salientam que, diante da evolução histórica e da interpretação sistêmica do ordenamento jurídico, a melhor proposta é, via de regra, aquela que se mostra como a mais sustentável dentre as possíveis.

Na mesma esteira, Gonçalves (2013) assevera que as CPS impelem ao administrador público a adoção da função socioambiental nas compras públicas e a atenuação da estrita

observância da eficiência econômica pela AP, com adoção de critérios de sustentabilidade nos processos de aquisições estatais.

Com efeito, as CPS se apresentam como uma nova forma de comprar, dentro da política de consumo governamental responsável e inclusivo, estabelecendo um novo paradigma, baseado em aspectos de um desenvolvimento caracterizado como sustentável e na eficiência administrativa (JESUS C.; CHRISPINO, 2014).

Contudo, a citada eficiência administrativa, não se resume a menor gasto financeiro nos processos de aquisições de produtos e serviços, característica do paradigma anterior em que o processo de compra pública, considerado eficiente, se pautava pela celeridade e economia da contratação (JESUS; CRISPINO, 2015).

O novo paradigma evoca valores estratégicos à compra governamental, permitindo que importantes segmentos da sociedade sejam fomentados a partir do uso do poder da compra governamental. Esse movimento potencializa a capacidade indutora do Governo na introdução de critérios administrativos e jurídicos que definam um novo padrão de fornecimento para as demandas do Estado (COUTO; RIBEIRO, 2011; BARTHOLO et al., 2012).

Portanto, as CPS representam a atenuação da estrita observância da eficiência econômica, em prol do cumprimento do dever constitucional de garantia do desenvolvimento nacional fundamentado na sustentabilidade.

Neste contexto, em que o dever constitucional de garantia do desenvolvimento nacional fundamentado na sustentabilidade se impõe, o princípio da economicidade ou da eficiência econômica da AP, não busca exclusivamente apenas a relação custo/benefício financeira, mas também a ponderação de outros valores, como a sustentabilidade ambiental (SOUZA, 2013).

Na perspectiva do comprador público, visando alcançar gastos públicos eficientes com menor impacto ambiental, o mesmo deve evitar cair na armadilha da aversão ao custo aparentemente maior, no curto prazo, tendo a mente aberta para os antecipáveis benefícios maiores, em longo prazo, sendo necessário que o processo de compras públicas se desacople de critérios simplistas ou a metodologias míopes de julgamento e controle (FREITAS, 2013).

Segundo a compreensão de Freitas (2013), o “melhor preço”, frequentemente, é diferente do “menor preço”, implicando assim, que, no exame das propostas e na fixação dos aspectos requeridos pelo instrumento convocatório, o comprador público não pode aceitar soluções que negligenciem os efeitos sistêmicos e as externalidades em jogo, subestimando os custos e benefícios, diretos e indiretos, em termos econômicos, sociais e ambientais.

Nessa esteira, é digno mencionar o paradigmático entendimento do Ministro Aroldo Cedraz do TCU, que, por ocasião da relatoria do Acórdão 1.225/2014, Plenário, assim se pronunciou:

A Administração Pública deve procurar produtos e serviços com a devida qualidade e que atendam adequadamente às suas necessidades. É preciso mudar o paradigma, que infelizmente ainda predomina no campo das aquisições públicas, da busca do

‘menor preço a qualquer custo’. Esse paradigma tem levado, muitas vezes, a

Administração a contratar obras, bens e serviços de baixa qualidade, que não atendem a contento às necessidades e que afetam o nível dos serviços públicos prestados. E, muitas vezes, sequer a aparente economia de recursos que se vislumbrava consegue efetivamente se concretizar em médio e longo prazos, uma vez que esse tipo de contratação geralmente implica substituições em prazos mais curtos, maiores custos de manutenção etc. Evidentemente, essa busca pela qualidade não significa descuidar da economicidade ou desconsiderar a necessidade de ampliação da competitividade das licitações. Mas a obtenção de preços de aquisição mais baixos não pode ser atingida às custas da contratação de produtos de baixa qualidade ou de empresas sem condições de prestar serviços adequados. Licitar implica, necessariamente, fazer restrições, pois no momento em que se definem as características do produto/serviço que se deseja, afasta-se a possibilidade das empresas que não detêm produtos ou serviços com aquelas características de fornecerem para a Administração. (BRASIL, 2014b, p. 9, grifo nosso)

Nesse contexto, cabe ao gestor público, ao desempenhar suas atividades como representante do aparelho estatal, equilibrar a eficiência administrativa da função de compras, conjugando qualidade dos produtos e serviços e atenuação do princípio da eficiência econômica, em prol da sustentabilidade consubstanciada na redução do impacto ambiental, da promoção da justiça social e o desenvolvimento econômico equilibrado.

Fundamentando tal abordagem como suporte jurídico, quando da definição do objeto a ser adquirido com viés sustentável, os gestores públicos podem balizar-se nas diretrizes da Lei 12.462/2011 (BRASIL, 2011d), que introduziu o Regime Diferenciado de Compra (RDC), atualmente ampliada para as atividades dos setores de Educação e Saúde. O disposto legal no artigo seu 4º, inciso III da citada Lei Federal, dispõe expressamente que:

Art. 4° - Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:

[...]

III – busca da maior vantagem para a administração pública, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social e ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. (BRASIL, 2011d, p. 1)

É nesse contexto que se amplia o conceito de vantajosidade, da proposta mais vantajosa, que não aquela apenas restrita ao menor preço ou dispêndio financeiro (SOUZA, 2013).

Sendo assim, uma medida essencial para o avanço da política de CPS, reside na análise mais completa dos custos de determinado produto ou serviço no momento da licitação, não se restringindo ao preço imediato oferecido pelas empresas licitantes. Essa análise contempla o pensamento de custo total de posse do produto, já presente nos critérios de menor preço e de maior retorno econômico do RDC (CAVALCANTI et al., 2017).

Nessa perspectiva, oportuno é o entendimento de Santos, que assevera que a integração das ferramentas metodológicas da Análise do Ciclo de Vida-ACV e o Custo do Ciclo de Vida- CCV, “permite ao pesquisador, ao engenheiro, ao empresário e ao homem público desenvolver produtos e serviços que contemplem, simultaneamente, a redução de impactos ambientais e de custos financeiros”. (SANTOS, 2007, p. 29)

O magistério de Santos (2007, p. 30) ensina que a metodologia de ACV é uma ferramenta de desempenho e gestão ambiental que, trata com objetividade, questões ambientais, contabilizando todas as entradas de matérias-primas e energia, as saídas de produtos e emissões, bem como os impactos ambientais ocasionados pelo sistema de produção ao longo de todo o ciclo de vida.

Por outro turno, o CCV trata-se de uma ferramenta de avaliação do desempenho econômico-financeiro para a seleção de materiais ou produtos, que contabiliza os custos totais do sistema em análise, desde a sua concepção, até o fim da sua vida útil, ou seja, ao longo do seu ciclo de vida. Esse sistema pode ser uma planta petroquímica, uma ponte, a carroceria, ou apenas um produto para atender as necessidades do homem público (SANTOS, 2007, p. 31).

Portanto, a junção das metodologias de ACV e CCV, constituem-se em instrumentos colaboradores para proporcionar uma abordagem em que a “licitação sustentável ampara-se em nova interpretação da premissa de que o comprador público deve utilizar a licitação como instrumento para realizar a compra do melhor produto/serviço pelo menor preço”. (BARCESSAT, 2015, p. 67)

Com efeito, a legislação nacional já prevê traços de alguns aspectos das citadas metodologias nos processos de compras públicas, apontando uma direção de possível mudança de aspectos procedimentais das CPS, nos quais as metodologias ACV e CCV necessitam ser melhores consolidadas através de estudos técnicos, pois tais metodologias no Brasil, são pouco utilizadas fora do meio acadêmico (SANTOS, 2007). O Quadro 2 aborda a presença de aspectos da ACV e o CCV na legislação brasileira, no âmbito das contratações públicas.

Quadro 2 - Aspectos da ACV em relação a desempenho ambiental e do CCV em relação ao desempenho

financeiro presentes na legislação brasileira

Fonte legislativa Metodologia Aspectos relacionados Decreto 7.746/2012 - Estabelece

critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações públicas.

ACV e CCV

respectivamente.

Art.4º São diretrizes de sustentabilidade:

I-Menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água;

V-Maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra;

Lei 12.305/2010-Política Nacional de Resíduos sólidos.

ACV-Desempenho ambiental.

Art.4º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:

XI- prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:

a) produtos reciclados e recicláveis;

XIII - estímulo a implementação da avaliação do ciclo de vida do produto.

Lei 12.187/2009-Política Nacional sobre Mudança do Clima.

ACV- Desempenho ambiental com avaliação do produto ou serviço.

Art.6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:

XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, [...] para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos. Lei 12.462/2011-Regime Diferenciado

de Contratação.

CCV-Desempenho ou retorno financeiro.

“Art. 4° - Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: III – busca da maior vantagem para a administração pública, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social e ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância;” (grifo nosso). Fonte: Elaborado pelo próprio autor