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2.4 LICITAÇÃO PÚBLICA: BREVE HISTÓRICO E CONCEITOS

2.4.3 Novo paradigma das compras públicas: “melhor valor”

Inicialmente impende salientar a mudança do termo “melhor preço” para “melhor valor”. Trata-se de mudança semântica com objetivo de evidenciar a natureza da transversalidade da sustentabilidade, pois esse conceito envolve uma acepção mais ampla, alcançando elementos cognitivos e valorativos das três dimensões (ambiental, social e econômico) que as CPS, precipuamente, devem almejar.

Dessa forma, a razão dessa mudança apoia-se no fato de que, no primeiro termo, o conceito “melhor preço” remete sobremaneira, no entanto, não somente, a primazia de custos financeiros de curto prazo (dimensão econômica), tornando-se, por vezes, incompatível com a imperiosa inclusão da sustentabilidade nos sistemas de avaliação de compras governamentais.

Contudo, por envolver não somente custos financeiros, mas custos ambientais e sociais, evidenciados por meio dos impactos decorrentes da aquisição e consumo de produtos/serviços, o termo “melhor preço”, torna-se mais percuciente e alinhado com objetivo

da AP de obter os benefícios advindos da política de sustentabilidade, alicerçada nos pilares ambiental (ambientalmente responsável), social (socialmente justo) e econômico (economicamente viável e inclusivo).

Assim, o termo “melhor valor” considera também o custo econômico, social e econômico em longo prazo em todo o ciclo de vida do produto ou serviço. Entretanto, o seu mérito proeminente é representado pela priorização holística do empenho de esforços para o alcance dos benefícios obtidos em todos os pilares da sustentabilidade, que nunca é isolado, tendo em vista que cada pilar possui forte relação com as outras duas colunas que dão suporte à sustentabilidade. Ou seja, sempre que se fala em benefícios ambientais, existem ganhos, também, nas áreas social e econômica, e assim por diante, constituindo em um processo de soma dos benefícios percebidos pelo cliente/comprador, enquanto o termo “melhor preço” remete a soma de esforços financeiros que se dispende de imediato, relegando ao segundo plano os benefícios multidimensionais em longo prazo.

Na mesma esteira, de acordo com UK Government’s Crown Commercial Services

(CCS), agência executiva da política de compras do governo do Reino Unido, o requisito

essencial de uma política de compras abrangente é que todos os contratos públicos sejam baseados no conceito de “melhor valor” (best value), para os recursos despendidos, definido como a melhor combinação de qualidade e eficácia para o menor dispêndio financeiro, durante o período de uso dos bens adquiridos ou serviços contratados (PITCAIRN, 2017).

Em semelhante entendimento, contudo mais aprofundado, o UK Department for

Communities and Local Government, Departamento de comunidades e governos locais do

Reino Unido, estabelece que as autoridades públicas, sob a tutela do “melhor valor”, devem considerar o valor total, incluindo o econômico, ambiental e social, ao revisar os processos de aquisição.

No modelo do Reino Unido, sob o manto do “melhor preço”, as autoridades públicas também têm o dever estatutário de considerar o valor social para os produtos e serviços, acima dos limites de aquisição especificados na fase de pré-aquisição, podendo, no entanto, aplicar o conceito de valor social mais amplamente em outros contratos, por exemplo, abaixo do limite de aquisição de produtos, serviços ou para bens e obras, quando relevante para o objeto da contratação pública e quando considerado benéfico na sua implementação (DCLG, 2015).

Contudo, Pitcairn (2017) salienta que o fato de o elemento “preço”, um dos pontos principais no âmbito do conceito de “melhor valor”, ser medido ao longo da vida do produto é sensível, mas raramente feito, já que o "Custo do Ciclo de Vida” (LCC-Life Cycle cost) geralmente é mal compreendido em todo o setor público e não implementado, o que significa

que o preço mais baixo continua sendo um fator dominante na maioria dos processos de aquisição.

Esse cenário revela o estágio incipiente do conceito de “melhor valor” no âmbito das compras públicas, sendo um desafio a ser superado para que as autoridades públicas, através dos processos rotineiros de aquisições de bens, serviços e obras, obtenham benefícios não restritos ao governo, mas também alcançando a sociedade e a economia, culminando na maximização significativa dos impactos positivos e benefícios ambientais, sociais e econômicos, enquanto minimiza os impactos negativos nas mesmas dimensões.

De acordo com Cavalcanti et al., este novo paradigma de compra pública fundamentado no “melhor valor”, também, expressa as características do modelo americano em que:

[...] a decisão é tomada não apenas considerando-se o “menor preço” de forma isolada e imediata, isto é, no momento da compra em si, mas sim com base no chamado “Best

value continuum”, [...] que denota a decisão com base no preço, na continuidade do

fornecimento e no custo total de posse relacionado ao produto, demonstrando uma preocupação que permeia não apenas o produto em si, mas os custos que ele demandará durante o seu uso e no seu descarte. (CAVALCANTI et. al., 2017, p. 54)

O modelo norte-americano de compras públicas que, adota o conceito de “melhor valor” (Best Value), é desenvolvido pela Administração e Serviços Gerais (General Services

Administration-GSA), órgão que desempenha papel central na definição das diretrizes relativas

às compras públicas por meio do Serviço Federal de Aquisição (Federal Acquisition Service –

FAS), na qual as equipes de compras são incentivadas a incluir requisitos de sustentabilidade

em critérios de seleção de fornecedores, especialmente nas aquisições e contratações de maior impacto (CALVACANTI et al., 2017).

No portal da U.S General Services Administration (GSA)13, as atividades de compras públicas, tratadas como estratégias de fornecimento de entrega de “melhor valor” para o governo e por conseguinte para a sociedade, na perspectiva do contribuinte, devem considerar os seguintes aspectos: características do item, performance passada, garantia, custo de propriedade, disponibilidade de manutenção, vida útil, eficiência ambiental e energética, qualificações técnicas do fornecedor, custos de transporte, custos administrativos e termos de entrega e desempenho.

A Figura 5 demonstra o contraste do paradigma que enfatiza a compra pública na perspectiva da equação econômica do “menor preço” aparente, como parâmetro prevalecente, e o conceito de “melhor valor” para o erário público.

Figura 5 - Compras públicas no modelo de “melhor valor”

Fonte: Adaptado de INNO (2017)