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Funções Enunciativas: Contribuições Foucaultianas sobre a linguagem

Diagrama 1: Representação da Dialética em espaço tripolar

2 DISPOSITIVO TEÓRICO: PEDRA ANGULAR DO CAMINHO DE CONSTRUÇÃO DA

2.2 Funções Enunciativas: Contribuições Foucaultianas sobre a linguagem

Abordar nesta pesquisa o que Michel Foucault (2008) conceituou de função enunciativa, instaurando-a não como teoria, mas como condição ou possibilidade de existência, objetiva estabelecer instrumento metodológico para empreendermos uma análise qualitativa do córpus selecionado, ou seja, constituir a discursivização do conceito trabalho em tempos de economia da informação e época pró-patente dentro do site BoC. Para tanto, estabeleceremos diálogo com o conceito de função enunciativa, ou melhor, com a “condição” ou “possibilidade” de existência da função enunciativa, explicitada na obra “ A arqueologia do saber (1969)”. Assim, justificando a classificação desse conceito como “possibilidade” e não como teoria, afirma Foucault (2008), p. 130:

Não se trata de fundar, de direito, uma teoria – e antes de poder eventualmente fazê-lo (não nego que lamento não ter ainda chegado a tanto) – mas sim, no momento, de estabelecer uma possibilidade. Examinando o enunciado, o que se descobriu foi uma função que se apoia em conjuntos de signos, que não se identifica nem com a “aceitabilidade” gramatical, nem com a correção lógica, e que requer, para se realizar, um referencial (que não é exatamente um fato, um estado de coisas, nem mesmo um objeto, mas um princípio de diferenciação); um sujeito (não a consciência que fala, não o autor da formulação, mas uma posição que pode ser ocupada sob certas condições, por indivíduos indiferentes); um campo associado (que não é o contexto real da formulação, a situação na qual foi articulada, mas um domínio de coexistência para outros

enunciados); uma materialidade (que não é apenas substância ou o suporte da articulação, mas um status, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização).

Como dito anteriormente, nosso intuito é o entrelaçamento do conceito de função enunciativa a nossas análises de córpus com objetivo de embasamento teórico e metodológico para encaminhamento e construção discursiva desta pesquisa e, consequentemente, de nosso pensamento. Sendo assim, discorreremos sobre o que Foucault nomeou de enunciado, discurso, formação discursiva e de prática discursiva, não com aprofundamento, porque o nosso objetivo não é este e sim o de introduzir o conceito de função enunciativa de maneira a operacionalizá-lo a nosso córpus de estudo. Porém, não há como citá-lo sem antes uma pequena introdução nos conceitos anteriormente mencionados.

Dessa forma, o enunciado para Foucault (2008, p. 133) não são “elementos intercambiáveis, mas conjuntos caracterizados por sua modalidade de existência” sendo o discurso “um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva e é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência”. Por isso, o discurso, definido por Michel Foucault, é um conjunto de enunciados que se originam de uma mesma formação discursiva, sendo esta, a junção de enunciados, conceitos, escolhas temáticas que descrevem sistemas de dispersões que constatam como o discurso se organiza em uma dada ordem.

A cada enunciado se exerce uma determinada função enunciativa que mobiliza regras constitutivas do discurso em questão, fazendo com que este seja interpretado como uma prática discursiva. Essa articulação dos enunciados, faz surgir conteúdos passíveis de serem descritos e interpretados pelo analista, ou pesquisador, que tem a possibilidade de expor o funcionamento discursivo dos enunciados, a partir de funções enunciativas específicas, em dado momento e lugar. Foucault (2008) diz que o enunciado foi e é produzido por uma “posição sujeito” e em lugar institucional específico, sendo inseparável esta condição. Assim, afirma Foucault (2008), no que tange a posição sujeito, em diversas passagens na obra “A arqueologia do saber”, p. 58 - 82:

As posições do sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos: ele é o sujeito que questiona, segundo uma certa grade de interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo programa de informação; é sujeito que observa, segundo um quadro de traços característicos, e que anota, segundo um tipo descritivo; está situado a uma distância perceptiva ótica cujos limites demarcam a parcela de informação pertinente [...]. A

essas situações perceptivas é preciso somar as posições que o sujeito pode ocupar na rede de informações [...]. Em suma, as modalidades diversas da enunciação não estão relacionadas à unidade de um sujeito – quer se trate do sujeito tomado como pura instância fundadora de racionalidade, ou do sujeito tomado como função empírica de síntese. Nem o “conhecer” nem os “conhecimentos”. Na análise proposta, as diversas modalidades de enunciação, em lugar de remeterem à síntese ou à função unificante de um sujeito manifestam sua dispersão. [...] Renunciaremos, pois, a ver no discurso um fenômeno de expressão – a tradução verbal de uma síntese realizada em algum outro lugar; nele buscaremos antes um campo de regularidades para as diversas posições de subjetividade. O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. [...] é preciso reconhecer, agora, que não é nem pelo recurso a um sujeito transcendental nem pelo recurso a uma subjetividade psicológica que se deve definir o regime de suas enunciações. [...] Quanto às modalidades de enunciação, vimos que eram descritas a partir da posição que o sujeito ocupa em relação ao domínio de objetos de que fala.

Ao falar em posição sujeito, Foucault elabora o que conceituou de modalidade enunciativa que admitiria a descrição das formas dos enunciados e estabeleceria a relação do sujeito que enuncia. Assim, para Foucault (2008, p. 56), é preciso saber:

Quem fala? Quem no conjunto de todos os sujeitos falantes tem boas razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singularidade, seus encantos, e de quem, em troca, recebe se não sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm – e apenas eles – o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso? O status do médico compreende critérios de competência e de saber; instituições, sistemas, normas pedagógicas; condições legais que dão direito – não sem antes lhe fixar limites - à prática e à experimentação do saber.

Mediante o exposto, torna-se evidente a importância de admitirmos funções enunciativas para determinadas situações discursivas, uma vez que tais funções são constituídas por um jogo enunciativo que faz coexistir determinadas funções discursivas. Desse modo, o enunciado, através de uma abordagem Foucaultiana da linguagem, pertence ao domínio de possibilidades de aparecimento e de delimitação do que dá ao enunciado o seu sentido. Segundo Foucault (2008, p.98) o enunciado: “não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que as faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço”.