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Diagrama 1: Representação da Dialética em espaço tripolar

2 DISPOSITIVO TEÓRICO: PEDRA ANGULAR DO CAMINHO DE CONSTRUÇÃO DA

2.1 Estudos de linguagem: a perspectiva da Análise do discurso de base enunciativa

2.1.2 Uma semântica global do discurso

2.1.2.3 Paratopia e Tropismo

Não poderíamos discorrer sobre Paratopia e Tropismo sem antes mencionarmos a questão de Discurso Constituinte abordada por Maingueneau (2008a, 2008b, 2010), por isso iniciaremos esta seção discorrendo primeiramente sobre Discurso Constituinte e, em seguida, Paratopia e Tropismo.

O conceito de discurso constituinte surgiu na França em 1995, na revista Languages, 117, apresentado em um artigo intitulado de: “L’analyse des discours constituants”, de autoria de Dominique Maingueneau e F. Cossuta. Assim, esses autores estabelecem discursos que poderiam ser classificados como fundadores: o religioso, o filosófico, o científico e o literário – já que “nada impede de considerar a literatura um discurso constituinte, embora isso choque a alguns. Sem dúvida porque mais ou menos conscientemente assimilam constituinte e fundador” (MAINGUENEAU, 2008b, p 38) – uma vez que não reconhecem nenhuma autoridade além da sua própria autoridade e não admitem nenhum outro tipo de discurso que se sobreponha a eles, porém, mesmo não admitindo nenhum outro tipo de discurso senão os próprios, existe uma constante interação entre “discursos constituinte e não-constituintes, assim como, discursos constituintes e discursos constituintes” (MAINGUENEAU, 2008b, p 37).

Segundo Maingueneau, o enquadramento dos discursos, religioso, filosófico, literário, científico, “em uma mesma categoria, a de discursos constituintes, permite, porém, pôr em evidência propriedades comuns que são invisíveis ao primeiro olhar” (MAINGUENEAU, 2008b, p 37). Dessa maneira, a categoria de gênero de discurso se torna fundamental, uma vez que, apreendendo desta forma, “além da simples exterioridade entre “texto” e “contexto””, os gêneros passam a ser vistos como práticas verbais. Por isso, agrupados por tipo de discurso (religioso, filosófico, científico, literário), os discursos

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constituintes fundam situações específicas de comunicação dentro de uma determinada sociedade, estando a categoria de gênero reservada a discursos não-constituintes, ou seja, aos discursos garantidos pelos discursos constituintes que são fundadores ou fontes, pois estes “dão sentido aos atos da coletividade”, segundo Maingueneau (2008b, p. 39):

Para não se autorizarem apenas por si mesmos, devem aparecer como ligados a uma Fonte legitimadora. Eles são ao mesmo tempo auto e heteroconstituintes, duas faces que se supõem reciprocamente: só um discurso que se constitui tematizando sua própria constituição pode desempenhar um papel constituinte para outros discursos.(...)Se tomamos o exemplo do discurso humanista devoto (que surge no fim do século XVI e dura até a primeira metade do século XVII), sobre o qual trabalhamos (Maingueneau, 1983 e1984), veremos que ele instaura a figura de um Deus “manso” para legitimar sua doutrina contra- reformista, mas essa “mansidão” é na verdade eleborada pelos próprios textos que o reivindicam.

Dominique Maingueneau (2010) considera o discurso constituinte como fiador de diversas e variadas práticas discursivas de uma sociedade que dão sentido aos atos de fala desta. Porém, para dar sentido aos atos de fala da sociedade, esses discursos constituintes devem estar apoiados em algum Absoluto, uma fonte que os legitimam sendo, ao mesmo tempo, auto e heteroconstituintes (2008b, p 39), “duas faces que se supõem reciprocamente”, esse Absoluto deve conferir aos discursos constituintes uma autoridade paradoxalmente exterior, porém, ao mesmo tempo, deve ser fundada e construída por estes, por esse motivo, os discursos constituintes são de natureza paratópica. Dentro dessa questão dos discursos constituintes, Maingueneau diferencia os Discursos Paratópicos e os Discursos Tópicos, assim, os discursos constituintes seriam paratópicos por natureza, uma vez que o conceito de paratopia seria “um pertencimento paradoxal” (2010, p 160), é um pertencer e ao mesmo tempo um não-pertencer a uma topia, um lugar e um não-lugar. Assim, afirma Maingueneau (2008b, p 45):

Desse modo, em se tratando de discurso constituinte, o estatuto do autor não pode ser evidente: um filósofo ou um escritor não podem se pôr nem no exterior nem no interior da sociedade; eles estão condenados a alimentar sua obra com o caráter radicalmente problemático de seu próprio pertencimento a essa sociedade. Sua enunciação se constitui na impossibilidade mesma de atribuir para si um verdadeiro “lugar”. Localidade paradoxal a que nós chamamos de paratopia. Não se trata do caso de um indivíduo, mas de uma condição de possibilidade para o campo filosófico, literário etc., que não é a ausência de qualquer lugar, mas a difícil negociação entre o lugar e o não-lugar, uma localização parasitária, que vive da própria impossibilidade de se estabilizar.

Desta forma, a noção de localização (paratopia) para a instituição do discurso constituinte torna-se fundamental na análise de uma enunciação. Outra questão importante

dentro da apreensão do discurso constituinte é a noção de delimitação do espaço, já que a partir desta pode-se apreender o posicionamento que ajudará na legitimação enunciativa, uma vez que “os discursos constituintes supõem um conflito permanente entre diversos posicionamentos”. (MAINGUENEAU, 2008b, p 43). Ainda dentro do âmbito posicionamento, vale destacar que essa noção para Maingueneau se difere da de posição em Michel Pêcheux. Em Maingueneau (2008b, p 14) posicionamento se define no interior de um campo discursivo e, em Pêcheux, a noção de posição “é inscrita no espaço da luta de classes”.

Os discursos constituintes possuem um estatuto singular: “zonas de fala entre outras falas que têm a pretensão de pairar sobre as demais; discursos limite que, assentados em um limite e tratando do limite, devem gerir os paradoxos que seu estatuto implica”. (MAINGUENEAU, 2010, p 158). Esses discursos também podem ser abrangidos segundo duas dimensões indissociáveis, uma constituição como ação de estabelecer legalmente e, um modo de organização, de coesão discursiva, “a constituição no sentido de um agenciamento de elementos que formam uma totalidade textual” (MAINGUENEAU, 2010, p 159). Posicionamentos estes que não podem ser dissociados “de grupos que os elaboram e os fazem circular, gerindo-os (MAINGUENEAU, 2008b, p 43)”. Esses discursos são elaborados localmente no interior de grupos restritos que os moldam através de seus comportamentos. Esses grupos restritos formam o que o autor nomeia de comunidade discursiva, uma vez que os discursos constituintes não mobilizam apenas autores, mas papéis sociodiscursivos, assim, para Maingueneau (2008b, p. 45):

A forma tomada por uma “comunidade discursiva”, que não existe senão na e pela enunciação de textos, às vezes, varia em função do tipo de discurso constituinte em questão e de cada posicionamento. Este último não é somente um conjunto de textos, um córpus, mas uma imbricação entre um modo de organização social e um modo de existência de textos. (...)Desse modo falar de “comunidade discursiva” é afirmar que, por um movimento de envolvimento recíproco, a comunidade é cimentada por discursos que são produtos dessa mesma comunidade.

Essas definições são complementadas através do modo de inscrição destes discursos, visto que, segundo o autor, inscrever não é necessariamente escrever um texto ou uma obra. “Produzir uma inscrição é não tanto falar em próprio nome, mas seguir os traços do Outro invisível, que associa os enunciadores-modelo de seu posicionamento e, no limite, a presença da Fonte que funda o discurso constituinte: a Tradição, a Verdade, a Beleza” (MAINGUENEAU, 2008b, p 47).

Segundo as definições de Dominique Maingueneau, somente os discursos constituintes podem ser considerados paratópicos, sendo todo o restante da produção discursiva da sociedade tópicos, ou seja, enunciados inscritos na história, “espaços já pré- delineados pelas práticas verbais”, onde se integram várias zonas de produção discursiva. Maingueneau integra a essas várias zonas de produção discursiva a do discurso político, que em nosso estudo, mais adiante, voltaremos a retomar ao falar da OCDE.

Na seção posterior, discorreremos sobre as contribuições foucaultianas sobre a linguagem, mais especificamente, para este trabalho, as condições ou possibilidades de existência de determinadas funções enunciativas. Mediante isso, nosso intuito é o entrelaçamento do conceito de função enunciativa a nossas análises de córpus com objetivo de embasamento teórico e metodológico para encaminhamento e construção discursiva desta pesquisa e, consequentemente, de nosso pensamento.