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A Fundamentação ética da constituição

2 CONCEITO E ESTADO

2.1 CIÊNCIA DA LÓGICA E FILOSOFIA DO DIREITO

2.1.5 A Fundamentação ética da constituição

O Estado hegeliano está radicado na cultura, nas tradições e na consciência de liberdade de um povo. Por essa razão, não se trata de uma gigantesca estrutura política e econômica separada dos elementos fundamentais, caracterizadores da cultura e da linguagem do povo. Como já observamos acima, o Estado é uma forma privilegiada de concretização da

consciência de cidadania; portanto inseparável do processo de construção histórica da liberdade do povo e dos indivíduos. Para Hegel, “a Constituição política é, em primeiro lugar, a organização do Estado e o processo da sua vida orgânica em relação consigo mesmo. Nesse processo, o Estado distingue seus elementos no interior de si mesmo e desenvolve-os em existência estável” (Rph, § 271). A Constituição (Verfassung) aparece como princípio articulador da vida interna do Estado e assegura a participação de todos os cidadãos do sistema de deveres e direitos típicos desta esfera de concreticidade. Ela compreende a lei fundamental do Estado, na qual são especificadas as funções dos poderes do príncipe, do governo e do legislativo e as suas devidas relações; o sistema de direitos e deveres dos cidadãos e a função da sociedade civil no interior do Estado. Para Avineri, “O moderno Estado hegeliano, conforme a subjetividade e fundamentado na autodeterminação, precisa expressar esta subjetividade na objetiva instituição do Estado.”96 A Constituição97 está radicada no chamado espírito do povo (Volksgeist) compreendido como a autoconsciência coletiva de liberdade, traduzida na cultura, nas tradições e na linguagem do povo. O espírito do povo penetra todas as ações, todas as estruturas e todas as instituições pelas quais o povo se dá a si mesmo a sua liberdade. Para Hegel,

Posto que o espírito só é efetivamente real como aquilo que ele se sabe, e o Estado, enquanto espírito de um povo, é ao mesmo tempo a lei que penetra todas as relações, os costumes e a consciência dos indivíduos, a Constituição de um povo determinado depende do modo e da cultura de sua autoconsciência. Nela reside sua liberdade subjetiva e, em conseqüência, a realidade da Constituição (Rph, § 274).

A Constituição de um Estado não resulta da introdução de leis externas e estranhas, incorporadas por um povo; mas a mesma é resultado da consciência de cidadania deste povo. Para Hegel, não há um Estado perfeito e privilegiado a ponto de fornecer leis e princípios éticos a outros Estados incapazes de se definirem por si mesmos. As leis de um povo inserem- se na dinâmica de fundamentação da substancialidade ética, constituída numa sistemática circularidade aberta, a partir dos movimentos de interiorização reflexiva e de exteriorização das estruturas visíveis do Estado. A Constituição não é arbitrariamente elaborada a partir da

96 AVINERI In: RIEDEL, 1974, b. 2. p. 405.

97 Norberto Bobbio destaca a Constituição como força organizadora do Estado destinada a aglutinar elementos

dispersos incapazes de formar uma comunidade política logicamente articulada. “Neste sentido, os escritos políticos são uma comprovação do lugar central que o conceito de Constituição, justamente como organização do todo, ocupa no sistema ético-político de Hegel. O que leva Hegel a ocupar-se dos problemas políticos de seu tempo é sempre um estado deplorável de desorganização, de desagregação, de decomposição ou de dilaceramento, que deve ser de algum modo superado através de uma reunificação dos fragmentos esparsos numa totalidade ética.” BOBBIO, 1995, p. 109.

inspiração em leis de outros Estados ou de burocratas especializados no assunto. Daí a expressão lapidar de Hegel: “Cada povo tem, por conseguinte, a constituição que lhe convém e lhe é adequada” (Rph, § 274, Zusatz). Ela é resultado da sistematização, da reflexão e da racionalização feita a partir da história e da cultura de um povo. Em outras palavras, as determinações inteligíveis imanentes aos costumes e à cultura de um povo são filosoficamente interpretadas e traduzidas na racionalidade e estruturalidade próprias de uma Constituição. Por essa razão, o povo é o sujeito e o artífice das leis que caracterizam a racionalidade fundamental da liberdade de um Estado e a conseqüente organização política que torna esta liberdade concreta e efetiva. Hegel é claro ao sustentar a relação de circularidade e mútua determinação entre os costumes de um povo e a Constituição de um Estado. A cultura determina as leis, porque as elas são elaboradas em base à substancialidade intrínseca de uma universalidade racional implícita aos costumes do povo. Por outro lado, as leis determinam a cultura na emergência duma nova forma de consciência de liberdade que alimenta o desenvolvimento da organização política do Estado. Esta circularidade entre a cultura e a Constituição assegura a integração entre a estabilidade da identidade cultural e a necessária atualização das relações políticas permanentemente exigida pela História Universal.

A Constituição assegura a racionalidade na articulação interna dos assuntos que dizem respeito à organização política do Estado. Ela é responsável pelo equilíbrio racional entre o público e o privado, o universal e o particular, a racional distribuição das funções dos poderes e a sua totalização diferenciadora e sintética. Pela Constituição, o povo não é uma massa passiva assistente do espetáculo das manobras políticas levadas a cabo numa outra esfera inatingível; mas o povo participa organicamente de todas as decisões políticas construídas a partir da base. Não se trata de uma letra pré-jacente à vida do Estado e simplesmente aplicada a este, mas uma lei intrínseca à sua estrutura e responsável pelo dinamismo global de articulação dos assuntos políticos e da formação da cidadania. As leis haurem do processo de captação do movimento, do conceito realizado na liberdade política do povo e objetivado na estrutura do Estado.

O Estado é uma determinação complexa cujos componentes estruturam-se sistematicamente. Este momento do trabalho consiste na elaboração da articulação lógica do desenvolvimento estrutural do Estado, a partir do grau de inteligibilidade característica da Lógica do conceito. Como já observamos, não se trata de uma mera repetição dos movimentos conceituais presentes nesta parte da Ciência da Lógica; mas o Estado é portador do conceito e o exprime no desenvolvimento lógico e sistemático da sua estrutura e na figuração da liberdade correspondente a este nível de efetividade da razão. Para Ilting, “assim

resulta como núcleo da filosofia política hegeliana a concepção de um Estado, expresso nesta discussão – que o universal com o particular, substancialidade e subjetividade, desta maneira são conjuntamente unificados, que os dois chegam à validade e conjuntamente se completam.”98 O conceito se realiza na autodeterminação da substancialidade ética, caracterizadora da liberdade e no movimento de desenvolvimento da estrutura do Estado, na articulação racional dos seus componentes e na interpenetração das determinações internas. Neste sentido, o Estado é racionalmente constituído no desenvolvimento lógico que acontece entre a singularidade dos indivíduos, a particularidade das corporações e dos grupos; e a universalidade da liberdade do Estado como um todo. Para Hegel, “é a partir da lógica que se pode reconhecer como é o conceito e depois, mais concretamente, a Idéia de que se determinam em si mesmos e, assim, afirmam seus momentos de universalidade, particularidade e individualidade” (Rph, § 272, Zusatz). Neste sentido, uma formulação conceitual do Estado é filosoficamente relevante, porque caracteriza uma mútua compenetração destas determinações conceituais; coloca-as num movimento sistematicamente articulado, assegura a especificidade de cada um destes elementos no todo e faz passar conceitualmente um no outro, sem eliminar as diferenças. Não é esta uma resposta hegeliana às grandes críticas recebidas por ele, destacando-se a eliminação do indivíduo pela totalidade e a concepção de um Estado totalitário supostamente presente em sua filosofia? Hegel formula a racionalidade da Constituição e a conseqüente estrutura lógica do Estado no seguinte parágrafo:

A Constituição é racional na medida em que o Estado determina e diferencia em si sua atividade de acordo com a natureza do conceito, de maneira tal que cada um dos poderes é em si mesmo a totalidade, porque contém em si a atividade dos outros momentos e porque, ao expressar estes, a diferença do conceito se mantém em sua idealidade e constituem um único todo individual (Rph., § 272).

O Estado não é formado pela justaposição estéril e abstrata de determinações, como se fossem instâncias opostas e mutuamente exclusivas. Tal seria o exemplo da oposição entre Estado e sociedade civil, uma concepção neoliberal sustentadora do enfraquecimento do Estado em função do livre e ilimitado desenvolvimento das corporações econômicas movidas por interesses privados e corporativos. Em Hegel, a substancialização do Estado se dá pela compenetração (Durchdringung) do universal e do particular99, cada instância presente na

98 ILTING, Karl-Heinz. Die Struktur der Hegelschen Rechtsphilosophie. In: RIEDEL, 1974, b. 2, p. 68. 99 A concepção hegeliana de Estado é objeto de muitas críticas desferidas por muitos autores. Estas críticas têm

outra e presente a si pela outra. O particular é compenetrado pelo universal como um resultado do desenvolvimento e da particularização do substancial a realizar-se nos círculos mais particulares. Isto quer dizer, em outras palavras, que, nos círculos mais determinados, o universal acontece de uma outra maneira, ou seja, na especificidade de uma atividade acontece determinadamente o universal. Os grupos e as pessoas constituem-se como Estado em suas determinações mais específicas. Por outro lado, o particular também compenetra o universal no sentido de que o mesmo resulta do desenvolvimento e das mediações da base do Estado, isto é, o mecanismo dialético de fundamentação da substancialidade ética compreende uma progressiva efetivação da universalidade concreta, grau de realização onde todos os indivíduos e círculos particulares encontram a sua identificação mais profunda.

Na conceitualidade da lógica política, a universalização do particular se dá pela particularização do universal e vice-versa; uma circularidade lógico-política aberta a configurar a substancialidade ética. Uma leitura mais atenta do conceito de Estado em Hegel permite identificar a universalidade substancial determinada nas instâncias mais particulares, e os inúmeros círculos particulares determinados na universalidade, de forma que, numa totalidade estatal, a universalidade e a particularidade se distinguem na medida em que cada uma destas determinações encontra a sua realização no outro de si como a si própria. Neste sentido, a universalização do particular se dá pela particularização do universal na medida em que isto só é possível, enquanto o particular se determina neste processo. Sabe-se da impossibilidade em conceber uma universalidade pura e apriorística sobreposta à particularidade, exatamente porque aquela contém esta como constitutiva ao seu processo metódico de autofundamentação. Se a universalidade resulta de um progressivo movimento de mediação das instâncias particulares, isto só se torna possível quando a universalidade se determina nas instâncias mais particulares. Em não acontecendo este retorno, a universalidade estaria revestida de uma superidealidade transcendental estranha ao real e incompatível com a realidade concreta. Traduzindo este movimento lógico para um exemplo concreto, o movimento de formação da cidadania política, no qual os cidadãos constituem a substancialidade ética (universalização do particular), não é possível sem a autodeterminação humanizante do indivíduo e sem a constituição de círculos particulares autônomos, onde a cidadania é determinadamente exercida (particularização do universal).

possibilidade da livre escolha da parte dos indivíduos, reduzindo o Estado a um poder arbitrário que impõe verticalmente as leis aos cidadãos cegamente submetidos a uma estrutura totalitária. Nesta mesma crítica também incluímos a crítica que procura identificar o Estado hegeliano da Filosofia do Direito com o Estado prussiano como uma realização adequada e definitiva. Na linha da crítica de um Estado totalitário citamos PILIPENKO, N. Dialéctica de lo contingente y de lo necesario. Moscú: Progreso, 1986; e POPPER, 1977.

Por outro lado, o movimento oposto e diferente do anterior é a particularização do universal desenvolvido por meio da universalização do particular. Neste movimento, a substancialidade ética do Estado e a universalidade da consciência da cidadania política determinam-se na particularidade de um grupo ou de uma organização qualquer. Os componentes deste círculo particular tornam-se Estado na instância particular onde se encontram e segundo a atividade típica da organização política ou corporação que lhes identifica. Assim, para ser cidadão de um Estado, não há nenhuma necessidade de sair de uma particularidade considerada como empírica para entrar numa instância substancial mais elevada. A particularização do universal pode ser compreendida como a autodeterminação do mesmo universal, numa organização bem situada e identificada na base do Estado; pode também ser compreendida como a distribuição da universalidade inteligível na multidimensionalidade dos grupos que formam a base da sociedade. Por esta razão, a particularização do universal somente é possível se é equilibrada com o movimento contrário de universalização do particular, ou seja, a universalidade determina a sua liberdade no ato da restrição no particular. Um exemplo político prático, invocado neste movimento lógico, pode ser a vivência da cidadania na base de um grupo determinado da sociedade, mediatizada pela universalidade da consciência política em desenvolvimento.

Na filosofia poítica hegeliana não é possível distinguir universalidade de particularidade, como determinações compreendidas na inteireza conceitual ou como categorias fixistas e justapostas. A dialética da particularização do universal e da universalização do particular permite sustentar a mútua implicação das duas, ou seja, o universal está no particular e o particular está no universal. Muito mais do que isto, a particularidade pode ser compreendida como universalidade e esta pode ser compreendida como particularidade. Assim, a fundamentação hegeliana de um conceito de Estado compreende a identificação da universalidade através da sua inversão na particularidade e a identificação desta através de sua inversão na universalidade. O desenvolvimento conceitual do Estado compreende um dinamismo de exposição categorial, no qual a universalidade compreende a universalidade e a particularidade e esta compreende a particularidade e a universalidade. A universalidade compreende a universalidade porque a mesma é definida como racionalidade inteligível, como fundamentação racional da Idéia de liberdade ou como a substancialidade conceitual que sustenta uma estrutura de Estado. Muito mais do que isto, a universalidade da universalidade é a determinação universal resultante da universalização e substancialização das instâncias particulares e síntese mais elevada das diferenças. A universalidade também pode ser considerada como particularidade quando a mesma é restrita

a uma determinação abstrata e exterior à realidade concreta, isto é, enquanto abstração transcendental ela fica determinada como particularidade e como finitude. Por outro lado, a particularidade é considerada como universalidade, porque naquela a universalidade aparece densificada, concretizada, efetivada e determinada; a universalidade, em sua efetividade, determinada como concretude espiritual. A particularidade é universalidade, porque aparece como determinação da totalidade concreta, como estrutura complexa em processo de autodesenvolvimento racional e como reflexividade das determinações especulativamente interconectadas. Em outras palavras, em caso extremo, a universalidade aparece como particularidade na configuração do retorno da universalidade em si mesma, quando se determina na totalidade da singularidade. A particularidade é particularidade, porque é algo restrito, determinado, uma das formas específicas de concretização do conceito. Com essas considerações, não seria exagerado afirmar que a particularidade carrega em si a universalidade e a particularidade da universalidade; a universalidade carrega em si a particularidade e a universalidade da particularidade.

Neste movimento de entrelaçamento das estruturas constitutivas do Estado representadas por categorias, a determinação isolada de uma categoria em si mesma não é mais possível. Para Hegel, “o universal, tomado formalmente e posto ao lado do particular, torna-se ele mesmo também algo particular” (Enz, § 13). O desenvolvimento de cada determinação resulta na sua determinação em outra e na sua autodeterminação através da outra. A identificação destes movimentos de fundamentação desencadeadores de um conceito de Estado permite construir várias estruturas de mediação silogísticas, destacando-se o lugar do Estado nestas construções racionais. A primeira figuração lógica é dada pela seqüência da singularidade do indivíduo, da particularidade das corporações e grupos políticos e da universalidade do Estado. A mesma ordem pode ser dada pela família, pela sociedade civil e pelo Estado, repetindo a ordem de redação da Filosofia do Direito e a seqüência lógica da eticidade. Nesta primeira estrutura silogística, a característica básica é a progressiva ampliação das determinações em questão, evitando a separação estéril de elementos dispostos em forma de justaposição hierárquica. O peculiar desta figuração silogística é que o indivíduo encontra a sua negação e a sua afirmação numa corporação, e a corporação se determina na instância mais elevada do Estado. A negação caracteriza a negativização do indivíduo como sujeito imediato e não relacionado e a sua conseqüente afirmação positiva numa esfera mais ampla. Nesta estrutura de mediação silogística, figura a universalização do indivíduo e das corporações na unidade sintética do Estado, quando são suprassumidas as oposições e as contradições representadas pelo individualismo e pelo corporativismo. Nesta estrutura de

desenvolvimento de mediações, o Estado é uma esfera concreta mais elevada em universalidade concreta, em substancialidade ética e em efetividade, proporcionando aos cidadãos uma liberdade mais consistente. Neste sentido, não se trata de uma universalidade aprioristicamente mais elevada que as outras determinações mais abstratas e unilaterais; mas o Estado é resultado da superação dialética de determinações opostas e estabelece as mediações entre instâncias diferenciadas, destacando-se a individualidade e a totalidade, a subjetividade e a objetividade. A dimensão sintética do Estado diante das outras determinações da liberdade é assim expressa por Hegel:

Diante das esferas do direito e o bem-estar privados, da família e da sociedade civil, o Estado é, por uma parte, uma necessidade exterior e o poder superior a cuja natureza se subordinam as leis e os interesses daquelas esferas, e da qual dependem. Mas, por outra parte, é um fim imanente e tem sua força na unidade de seu fim último universal e o interesse particular dos indivíduos, o que se mostra no fato de que estes têm deveres diante do Estado na medida em que têm direitos (Rph, § 261).

No desenvolvimento lógico da Filosofia do Direito, o Estado aparece como finalidade externa e fim imanente da família e da sociedade civil. Como finalidade externa, trata-se de uma outra instituição mais qualificada que a família e a sociedade civil. Do ponto de vista lógico-estrutural, a família e a sociedade civil são momentos unilaterais e abstratos; e o Estado aparece como momento sintético destas duas colunas angulares, não se reduzindo a qualquer uma delas e não representando uma mera somatória quantitativa destas determinações unilaterais. A família aparece suprassumida no Estado, quando o amor ético se configura em sentimento patriótico, amor cívico e consciência de nacionalidade. A consciência de pertencer a uma família qualifica-se dialeticamente quando o sujeito é determinado como um cidadão do Estado e exprime o nível ético de uma substancialidade universal. Por outro lado, as corporações da sociedade civil aparecem no Estado, não como expressão de interesses pessoais e corporativos, mas como uma particularidade orgânica mediatizada pelo universal. Nesta lógica de fundamentação do movimento de concretização da liberdade, o Estado é estruturado por uma complexa rede de corporações, de organizações políticas e de grupos estabelecidos no chão da sociedade. O espírito individualista de interesses econômicos particulares típicos da sociedade civil aparece na unidade sintética do Estado, como uma estrutura sistemática de organizações regulada pela consciência ética da universalidade da particularidade, ou seja, nas corporações se vive o sentimento ético da pertença ao Estado. Neste desenvolvimento sistemático, o Estado contém elementos conceituais não presentes, neste grau de qualificação, nas figurações de liberdade

dialeticamente anteriores. Por outro lado, o Estado também significa o fim imanente daquelas instituições no sentido de que proporciona a elas uma qualidade ética de universalidade substancial. Quando a família e a sociedade civil são consideradas instituições eticamente determinadas, o Estado aparece como fim imanente das mesmas. Desta forma, o Estado não é simplesmente exterior e sobreposto como um poder estranho, mas como a realização da família e da sociedade civil. Para Hegel, “no intrínseco dele, a família desenvolve-se em sociedade civil, e o que há nestes dois momentos é a própria idéia do Estado” (Rph, § 256, Zusatz).

O primeiro silogismo ainda não completa o círculo de autofundamentação da substancialiade ética e do movimento da formação da cidadania. Trata-se tão somente de uma figuração de uma totalidade maior expressa em outros movimentos de concretização. A segunda formulação apresenta como pressuposição a universalidade do Estado e a mediação da particularidade das corporações da sociedade civil e a conclusão da singularidade do indivíduo. Considerando a estrutura da eticidade, a família e a sociedade civil aparecem como determinações do Estado. Em outras palavras, para não fazer da universalidade uma abstração inalcançável para as instâncias mais restritas, a família e a sociedade civil figuram, nesta representação silogística, como pilares éticos internos de sustentação do Estado. Se o movimento de figuração anterior foi caracterizado como um progressivo movimento concreto