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Fundamento legal e constitucional do poder diretivo

2. O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

2.3. Fundamento legal e constitucional do poder diretivo

Conforme visto acima, apesar de inexistir um conceito expresso sobre poder diretivo na legislação, podemos afirmar, partindo da sua origem na teoria contratual, que o seu fundamento legal pode ser extraído da redação do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, que define o conceito de contrato de trabalho e, principalmente, dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, os quais concedem ao empregador a prerrogativa de dirigir a prestação pessoal do trabalho e estabelecem a subordinação jurídica da atividade do empregado.

119OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira. op. cit., p. 155.

120DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, cit., p. 628-629. 121SIMÓN, Sandra Lia. op. cit., p. 105.

No âmbito constitucional, em razão de o empregador desenvolver uma atividade econômica em caráter privado, detendo os meios de produção e assumindo os riscos do negócio, ainda que não se adote a teoria da propriedade privada como fonte do poder diretivo123, não há como negar que as normas fundamentais e os princípios garantidores da livre iniciativa econômica, da liberdade de organização e do direito de propriedade justificam, no âmbito constitucional, a prerrogativa do empregador de dirigir a força de trabalho do empregado.

A elevação da livre iniciativa como um dos fundamentos da República (inciso IV do artigo 1o124) e como um dos princípios da ordem econômica (caput do artigo 170125) – somando a este princípio a propriedade privada dos meios de produção, dotada de uma função social e articulada com a valorização do trabalho humano – indica a intenção do constituinte em colocar a empresa como o centro da atividade econômica. A atividade empresarial exerce, portanto, papel fundamental na ordem econômica.

A livre iniciativa deve ser vista como liberdade de empresa, porquanto a Constituição garante o livre acesso ao mercado e o livre exercício das atividades empresariais, acarretando, portanto, na liberdade de criação, desenvolvimento, organização e direção da entidade produtiva. O poder diretivo, nesse contexto, apresenta-se como uma concretização da liberdade de iniciativa econômica no âmbito do direito do trabalho, por desempenhar um papel decisivo na condução interna do empreendimento empresarial.126 A livre iniciativa delineia o exercício do poder diretivo, sendo um dos fundamentos constitucionais do poder empresarial na relação de emprego.

A concepção da livre iniciativa, conforme destaca Roberto Vieira de Almeida Rezende, alicerçado no posicionamento de Eros Roberto Grau, “ao ser enunciada pelo art. 1o, inciso IV do texto constitucional como um dos alicerces da República, o foi no sentido

123Conforme esclarecido no item que discorre sobre a origem do poder diretivo, várias são as teorias que o

justificam, sendo que a teoria da propriedade privada é a que sofre mais críticas da doutrina.

124Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...)

125Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por

fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; (...) VIII - busca do pleno emprego; (...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

de ser destacado seu valor social. Portanto, não mais se reveste a livre iniciativa como expressão do individualismo, devendo ser tomada no que produz de socialmente valioso.”127

No mesmo sentido, o artigo 170 da Constituição impõe que a livre iniciativa deve assegurar a vida digna, buscando a justiça social, sendo a valorização do trabalho humano essencial para a consecução deste objetivo. Em razão de tal aspecto, apesar de a livre iniciativa legitimar, no plano constitucional, o exercício do poder de direção, também atua como limitação para a sua atuação, visto que sempre deverá ser exercida para a valorização do trabalho e, por via de consequência, do trabalhador. 128

O poder diretivo, portanto, não poderá ser exercido visando atender ao interesse único do empregador, pois a sua atividade econômica deverá produzir um resultado socialmente valioso (vida digna e justiça social).129

No que diz respeito ao direito de propriedade, embora este não seja um fundamento imediato do poder diretivo, constitui um fundamento secundário e influenciador do seu exercício.

A Constituição Federal concebe nos incisos XXII e XXIII do seu artigo 5º130 o direito de propriedade e sua função social como garantias fundamentais. Por sua vez, a propriedade privada e a respectiva função social constituem um dos princípios da ordem econômica, conforme disposto no artigo 170 da Constituição Federal.

A atual concepção da proteção constitucional do direito de propriedade é ampla e abarca todos os meios de produção pertencentes ao empregador e que se materializam na empresa, no estabelecimento, no imóvel onde se localiza o empreendimento, nos bens que compõem esse estabelecimento (tais como maquinário, mobiliário), no modo de produção, nas invenções, nas estratégias de atuação no mercado, no produto, etc.131

Roberto Vieira de Almeida Rezende utiliza os ensinamentos de Umberto Romagnoli para sustentar que a propriedade privada autoriza, ainda que indiretamente, o

127REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. op. cit., p. 130. 128Id. Ibid., p. 131-133.

129Id., loc. cit.

130Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)

controle das modalidades concretas do trabalho desenvolvido pelos produtores imediatos, ou seja, os trabalhadores e a orientação da atividade produtiva. A garantia da propriedade privada também justifica a adoção de ações patronais para a defesa de seu próprio patrimônio no curso da relação de emprego.132

O direito de propriedade sofre limitações, como qualquer direito, ainda que integrante das garantias fundamentais. Estas limitações advêm da própria Constituição ou da legislação ordinária. No âmbito constitucional, a função social é o principal fator limitador à propriedade, pois esta última somente terá proteção constitucional nas hipóteses em que atender à sua função social. Trata-se de uma limitação de ordem interna, inerente ao próprio direito.133

Segundo José Afonso da Silva, não há como escapar ao sentido de que só garante o direito da propriedade que atenda sua função social134. Para o autor

isso tem importância, porque, embora prevista entre os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.135

Luisa Riva Sanseverino, em obra traduzida no Brasil em 1903, já destacava a importância do artigo 41 da Constituição italiana no sentido de condicionar a liberdade da iniciativa econômica privada ao respeito da segurança, liberdade e dignidade humana.136

O direito de propriedade, portanto, deve compatibilizar-se com a sua função social, devendo haver uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o alcance da sua função social.137

Ingo Wolfgang Sarlet vai além e concebe o direito de propriedade – inclusive e especialmente em razão do seu conteúdo social consagrado na Constituição – como dimensão inerente à dignidade da pessoa, considerando que a falta de um espaço digno

132REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. op. cit., p. 204. 133SIMÓN, Sandra Lia. op. cit., p. 114.

134SILVA, José Afonso da.op. cit., p. 244. 135Id. Ibid., p. 245.

136SANSEVERINO, Luisa Riva. op. cit., p. 251. 137BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit., p. 210.

para o exercício da atividade profissional, em muitos casos, compromete seriamente os pressupostos básicos para uma vida com dignidade.138

Diante das limitações estabelecidas pela própria Constituição, temos que o exercício do poder diretivo fundamentado na livre iniciativa e no direito de propriedade sempre deverá buscar a valorização do trabalho humano de forma a produzir vida digna e justiça social.