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2. O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

2.2. O poder diretivo – origem, natureza jurídica e conceito

2.2.1. Origem

Discute-se na doutrina qual a origem ou fonte do poder diretivo, sendo que existem quatro principais teorias desenvolvidas a respeito.

De acordo com a teoria da propriedade privada, o poder de direção tem a sua origem no exercício do direito de propriedade do empregador. É também conhecida como teoria senhorial. O empregador, por ser o detentor dos meios de produção e titular do empreendimento empresarial, tem o poder de organizar, disciplinar e controlar o trabalho do empregado. Ou seja, o empregador comanda e direciona a empresa e a prestação do trabalho porque é dono. Parte-se do pressuposto de que quem detém a propriedade possui o direito exclusivo de usá-la e dela desfrutar.

A corrente que defendia a teoria da propriedade privada predominou nos primórdios do direito do trabalho, reconhecendo um poder quase despótico do proprietário do empreendimento para gerir a produção.91

A doutrina atual critica fortemente essa teoria, por representar uma concepção liberal extremada e ultrapassada. A uma, porque ignora que o conceito de propriedade não permaneceu o mesmo em todos os momentos da história, sendo que o moderno conceito de propriedade está atrelado à realização das necessidades humanas, de forma a exercer a sua função social. A duas, por não conseguir absorver a diferença essencial entre as relações de produção escravagista e servis das relações calcadas no trabalho livre da sociedade capitalista industrial moderna. A três, porque, conforme destaca Octavio Bueno Magano,

nem sempre a propriedade constitui fundamento do poder diretivo, como o exemplo da empresa que se encontra submetida ao controle minoritário ou gerencial na qual o verdadeiro poder diretivo decorre do controle e não da propriedade.92

A teoria institucional concebe a empresa como uma instituição, onde a disciplina do trabalho desenvolvido não deriva do contrato, mas de sua organização interna. Ou seja, a empresa é considerada como uma instituição onde os empregados se inserem de forma organizada e hierarquizada.

José Luiz de Mesquita sustenta que o poder direito como instituição decorre do interesse social da empresa que, para realizar-se, exige perfeita disciplina profissional do trabalho fornecido com a colaboração dos trabalhadores com o objetivo de atingir um bem socioeconômico comum.93

Octavio Bueno Magano defende em parte a teoria institucional, sustentando que o vínculo que naturalmente decorre da noção de instituição é o de colaboração, na medida em que empregador e trabalhadores buscam a realização de um objetivo comum. No entanto, sustenta que a teoria institucional deve ser concebida em conjunto com a teoria contratual, pois a afirmação da existência de colaboração não exclui, necessariamente, a oposição de interesses, própria do contrato de trabalho.94

A doutrina atual critica, em sua maioria, a teoria institucional. Alice Monteiro de Barros, por exemplo, afirma que essa teoria, que possui um caráter mais político e social do que jurídico, está em franco declínio.95 Por sua vez, José Martins Catharino entende que a teoria institucional envolve uma aparente generosidade que não representa a realidade social, tendo em vista que a empresa capitalista não é uma comunidade, não buscando um bem comum sobreposto aos interesses do empregador e dos empregados.96

A terceira teoria, denominada teoria contratual, sustenta que o poder diretivo está fundamentado no contrato de trabalho, representado através do acordo de vontades entre empregado e empregador em torno do qual se desenvolvem todas as relações entre ambos.

O contratualismo divide-se em duas fases: a clássica e a moderna. A clássica tenta justificar o contrato de trabalho através dos mesmos tipos contratuais previstos pelo direito

92MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo da empresa, cit., p. 69.

93MESQUITA, Luiz José de. Direito disciplinar do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 63-64. 94MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo da empresa, cit., p. 56.

95BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 553.

96CATHARINO, José Martins. O poder disciplinar do empregador e o princípio da ampla defesa. Repertório

civil, a saber: o arrendamento, sendo a força de trabalho arrendada pelo capital; a compra e venda, onde o empregado é visto como alguém que vende o seu trabalho por um preço pago pelo empregador, que é o salário; a sociedade, onde há uma combinação de esforços em prol de um objetivo comum que é a produção; e o mandato, sendo o empregado o mandatário do empregador. A moderna sustenta que a natureza contratual sofre grande interferência estatal, de modo que as leis trabalhistas inserem-se automaticamente no contrato, restringindo a autonomia da vontade das partes. Para alguns é uma figura específica, para outros, como Orlando Gomes, é um contrato de adesão, no qual, ao ser admitido, o empregado adere às cláusulas determinadas pelo empregador sem a possibilidade de discuti-las.97

A teoria contratual moderna é acolhida pela maior parte da doutrina.

Como exemplo, citamos Orlando Gomes e Elson Gottschalk que entendem, conforme visto acima, que a relação de emprego encontra sua causa determinante no acordo de vontade das partes.98 Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, ao definir o conceito de subordinação, faz referência ao contrato de trabalho como a sua origem, adotando, consequentemente, a teoria contratual como fonte do poder diretivo.99 Alice Monteiro de Barros também entende ser essa teoria a mais consistente para fundamentar a existência dos poderes do empregador no contrato de trabalho, pois é consequência imediata do ajuste pactuado entre empregado e empregador.100 Gustavo Filipe Barbosa Garcia101 é mais um adepto da teoria contratualista, por entender que está fundamentada na ordem jurídica.

Amauri Mascaro Nascimento acrescenta uma quarta teoria, a do interesse, segundo a qual o poder de direção decorre do interesse do empregador em organizar, controlar e disciplinar o trabalho que remunera, destinado aos fins propostos pelo seu empreendimento.102

Filiamo-nos à teoria contratualista, por entender que o contrato de trabalho, como acordo de vontades que é, dá origem ao poder diretivo, sendo através do qual nasce a relação jurídica de trabalho, no qual a subordinação – e, consequentemente, o poder diretivo – é essencial para a sua existência. Quando estabelece o contrato de trabalho – de

97NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1989. p. 136. 98GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. op. cit., p. 144.

99OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira. op. cit., p. 86.

100BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho, cit., p. 553.

101GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

Método, 2008. p. 299.

forma tácita ou expressa –, o empregado conscientemente sujeita-se a se colocar sob o poder diretivo do empregador.

Quanto ao acordo de vontade no ajuste contratual, cumpre destacar que ainda que não se possa falar em livre vontade do empregado, posto que se trata de contrato de adesão, há, efetivamente, uma declaração de vontade por parte do trabalhador para a formação do vínculo empregatício, sendo desta manifestação de vontade que decorre o poder diretivo. Nesse sentido, concordamos com a posição de Oris de Oliveira de que “a adesão consciente do empregado se impõe a partir do momento do surgimento da relação de emprego, por mais condicionada que seja pelas forças de produção, por injunções do mercado de trabalho”.103