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Quando se pensa em dumping e nas suas medidas de repressão (medidas antidumping), primeiramente, pensa-se em dumping predatório, que seria a tentativa de uma empresa estrangeira dominar o mercado importador, reduzindo seus preços de forma tão exacerbada que fizesse com que a concorrência fosse quebrada, resistindo a esse choque de preços somente a empresa que houvesse praticado o dumping. Essa visão é muito simplista, tendo em vista que existem outros fundamentos mais consistentes para a determinação de uma política de repressão ao dumping.

Coloca-se em questão a legitimidade dessa fundamentação, no momento em que a livre concorrência é colocada em risco, através da legislação antidumping. Alguns países, visando restrição ao acesso de empresas estrangeiras no mercado nacional, aplicam essas normas com o intuito de reduzir a própria concorrência. Isso também poderia ser visto como uma aplicação legítima de normas antidumping, que, de imediato, realizariam uma restrição da concorrência, reduzindo a capacidade competitiva das empresas estrangeiras, que, como conseqüência, poderiam até mesmo retirar-se do mercado em que investiram seus produtos. Percebe-se assim, que outro fundamento para a aplicação é o da eficiência produtiva das empresas nacionais.

Uma outra razão para se justificar que as leis antidumping não servem somente para regulamentar a livre concorrência está no fato de que o dumping reverso não é objeto de punição, denotando assim a pouca preocupação com a concorrência em si.

Alguns autores argumentam que a legislação antidumping é descabida, visto que existem outros meios de defesa da concorrência e, além disso, não haveria necessidade de duas ou mais legislações para um mesmo assunto. Porém, como contra-argumentação, pode-se dizer que existem sistemas de normas genéricos e específicos, que poderiam perfeitamente ser trabalhados em conjunto. Existe a tentativa de se fundamentar a aplicação de normas antidumping no fato de serem estas normas uma maneira de se legitimar a defesa da livre iniciativa, ou seja, uma distribuição mais justa, que faça com que haja igualdade de condições sócio- econômicas iniciais para todos os membros.

Welber Barral44 mostra que essa também não é a fundamentação correta para a aplicação das medidas antidumping:

Contra esta fundamentação, pode-se objetar que simplesmente ela não corresponde à realidade. A uma, porque dificilmente se poderá definir porque uma vantagem concedida ao concorrente será juridicamente indevida. Afinal, ele deterá também uma vantagem se puder utilizar-se de melhor infra-estrutura de transporte e comunicação, se os tributos alhures forem menores, se tiver maior acesso a fontes de matérias-primas. Tais realidades poderão ser classificadas como vantagens comparativas, e não como indevidas.

Um outro ponto que é importante destacar é o de que as medidas antidumping não serão aplicadas quando o volume de exportação de um país for desprezível (quando suas exportações com dumping somarem menos de três por cento das importações totais do produto investigado), de acordo com o artigo 57 do Acordo Antidumping da Rodada Uruguai. Assim, justifica-se, mais uma vez, que, com a aplicação das normas antidumping, não se pretende uma defesa da livre iniciativa, através de distribuição entre os concorrentes.

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Um outro fundamento alegado é o de proteção ao consumidor, apesar de este, em um momento inicial ter que pagar mais, em razão da própria medida antidumping, posteriormente será beneficiado, quando houver um impedimento para que os preços subam drasticamente em razão do domínio de uma dada empresa estrangeira ou um grupo de empresas estrangeiras em um setor da economia nacional.

Sabe-se que essa realidade nem sempre acontece, haja vista que, na maioria das vezes, o Estado, ao aplicar a legislação antidumping, tem por escopo privilegiar determinados grupos nacionais e exterminar a concorrência internacional no mercado interno. O consumidor é o que sai perdendo com toda essa situação, pois tem produtos a preços elevados no mercado, com baixa qualidade e sem durabilidade, tudo isto, em virtude da eliminação da concorrência, por parte do Estado, através de normas antidumping ilegítimas.

Verifica-se assim, que os argumentos utilizados pela doutrina para fundamentar a aplicação das normas antidumping não são os mais corretos e legítimos, visto que são contrários à própria aplicabilidade prática das normas e também porque são vazios de motivação.

Entretanto, verifica-se que, apesar de não estar explícito nas doutrinas, como fundamentos jurídicos que tentam fundamentar as normas antidumping, os fundamentos jurídicos inconfessados, que de acordo com Welber Barral45, seriam o do preço justo e o da necessidade de defesa do mercado nacional, tentam justificar a legitimidade dessas medidas.

Em primeiro lugar, estabelece-se que o dumping ocorre quando um

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produto estrangeiro está sendo vendido por um valor abaixo do preço justo. Este não pode ser determinado, se é que existe. Assim, a maioria dos juristas tenta fundamentar a aplicação das normas antidumping com base na vinculação de um preço justo, que seria um dogma, vez que não pode ser respondido pelas ciências exatas, na qual se enquadra a própria Economia.

Essa idéia de preço justo tem sua origem desde os tempos da Idade Média, em que a Igreja proibia a usura e estabelecia o preço justo de todos os produtos. É extremamente dogmático e ruim para o desenvolvimento do comércio, o estabelecimento da determinação de preço justo para os produtos. Isso faz com que o principal prejudicado seja o consumidor final, visto que há uma redução na concorrência, um aumento dos preços finais e uma provável redução da qualidade desses mesmos produtos.

Não há meios para que a ciência estabeleça o preço justo dos produtos, por ser esse conceito extremamente subjetivo e por não haver critérios objetivos para justificar tal aplicação.

Outra fundamentação inconfessada para fundamentar a legitimidade das medidas antidumping é a necessidade da defesa do mercado nacional. Este, vendo que seus produtos sofrem uma possível ameaça comercial, devido aos baixos preços praticados em relação ao comércio local e temendo uma invasão desses produtos, com a quebra de empresas nacionais, estabelece medidas de repressão ao dumping.

Fica claro que essa argumentação é puramente teórica, visto que, com a globalização, o conceito de empresa nacional praticamente vem desaparecendo, e, como conseqüência, vêm surgindo empresas transnacionais (que não têm uma verdadeira identidade nacional).

Deve-se entender que a concorrência, mesmo que internacional, é importante e sadia para que as empresas continuem aprimorando-se, desenvolvendo novas tecnologias, baixando os preços dos seus produtos e garantindo melhoramentos na qualidade dos mesmos, enfim, tornando as empresas mais competitivas e beneficiando diretamente os consumidores.

De acordo com Welber Barral46:

As ideologias do preço justo e da proteção do mercado nacional não podem ser aceitas como fundamento da legislação antidumping, justamente porque escapam à realidade em tese subjacente ao seu enunciado, i.e., são irrealizáveis diante do fato econômico. Derivam de preconceitos inconfessados, carentes de racionalidade quando contrastados com os objetivos de eficiência econômica e de eficiência social que dizem perseguir. Mais que categorização esclarecedora, servem apenas para obscurecer a análise, quanto à legitimidade de existência das medidas antidumping. Importa, entretanto, conhecer sua existência, e sua influência (geralmente negligenciada) na compreensão jurídica das medidas antidumping.

O mesmo autor propõe como fundamento jurídico para as normas antidumping a eficiência produtiva do mercado nacional. Assim, com esse fundamento, o bem jurídico a ser protegido seria a capacidade competitiva das indústrias instaladas no território do país, ainda quando em detrimento dos consumidores, da livre iniciativa de concorrentes estrangeiros e em limitação ao direito de concorrer pelo mercado doméstico.

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