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CAPÍTULO I ABORDAGEM METODOLÓGICA 27 1.1 OBJETIVOS

REPOSITÓRIO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 T0TAL

3.1 FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS

A obra de Habermas é eclética e tenta integrar diversas perspectivas filosóficas e teórico-sociais, incluindo o pragmatismo, o interacionismo simbólico, uma crítica e desenvolvimento da teoria Weberiana sobre racionalidade e racionalização (HABERMAS, 2012) e a defesa de uma racionalidade humana universal baseada em uma pragmática da comunicação. Ele também se inspira fortemente na sociologia fenomenológica por seu conceito central do mundo da vida intersubjetivo, na tradição da teoria crítica para uma crítica pós-marxista instrumental, e a "colonização" do mundo da vida por sistemas de racionalidade intencional impulsionada pela lógica do capitalismo (HABERMAS, 2012). Além disso, ele desenvolveu uma teoria da ética do discurso (HABERMAS, 1989), com base em uma descrição da argumentação racional que imagina condições de fala e consenso idealizado. Seu trabalho é, portanto, em si mesmo, uma manifestação do pluralismo metodológico.

Habermas toma uma posição "ontologicamente inclusiva”, que sintetiza elementos de tradições positivistas, hermenêuticas e linguísticas em uma tentativa de combater o que ele vê como relativismo perigoso de posições pós-modernistas. De fato, em sua crítica do ponto de vista da verdade “contextualista” de Rorty (HABERMAS apud DEVECHI, 2008), ele parece ver a sucessão de diferentes paradigmas na história da filosofia (da preocupação da metafísica com a natureza das coisas, a preocupação epistemológica com ideias, a predominância das teorias

do discurso após a virada linguística) como um processo de correção, refinamento e acumulação, com continuidades ao invés da substituição de um paradigma por outro. Habermas vê paradigmas como formando relações dialéticas no interior do processo global de racionalização na modernidade: um aperfeiçoamento constante, reformulação e acúmulo de conhecimento que se baseia em tais relações. As implicações de aceitar esta posição durante a pesquisa educacional são reconhecimentos de também, abertura para o conhecimento derivado de diferentes paradigmas, e uma vontade de procurar um acordo sobre o que pode ser aceito como verdadeiro (uma concepção falível) entre a comunidade mais ampla de pesquisadores.

Esta pesquisa a que nos propomos é um processo contínuo em que a multiplicidade de perspectivas gerada a partir de diferentes atores, pode ser submetida a um processo de agregação, de modo a identificar o que pode ser acordado para a prática e/ou que continua provisório e por resolver. Neste caso, é preciso encorajar a abertura à complexidade metodológica, de modo a fornecer uma maneira de o pesquisador ver as diferenças metodológicas como enriquecedoras e como um caminho a se construir no decorrer do processo.

Dentro desse contexto, vale a pena descrever o conceito de mundo da vida de Habermas em relação à sua pragmática conceitualização das fontes da verdade, a fim de relacionar isto com a pesquisa em educação:

Sujeitos que agem comunicativamente buscam sempre o entendimento no horizonte de um mundo da vida. O mundo da vida deles constitui-se de convicções subjacentes mais ou menos difusas e sempre isentas de problemas. Esse pano de fundo ligado ao mundo da vida serve como fonte de definições situacionais que podem ser pressupostas pelos partícipes como se fossem isentas de problemas. Em suas realizações interpretativas, os envolvidos em uma comunidade de comunicação estabelecem limites entre o mundo objetivo único e seu mundo social intersubjetivamente partilhado, de um lado, e os mundos subjetivos dos indivíduos e de (outras) coletividades (HABERMAS, 2012, p. 138).

Conhecimento pragmático no mundo da vida é, portanto, consensual e provisório (HABERMAS, 1987), ou, pelo menos, aberto a problematização em certas circunstâncias. Há pelo menos três categorias que tais circunstâncias podem ser identificadas. Em primeiro lugar, existem aqueles aspectos de nossas práticas cotidianas que se manifestam como provisórias para nós, porque, em alguns sentidos, pelo menos, eles “não funcionam” (por exemplo, somos incapazes de

alcançar um determinado fim, ou há uma disparidade entre os nossos propósitos declarados para uma prática educacional). Em tais circunstâncias pedagógicas os atores sociais têm a capacidade de se afastar dos pontos de vista intersubjetivos da prática comum, e examinar essas opiniões e as reivindicações de validade e retidão sobre a qual repousam em um modo mais objetivo que está associado com a "atitude natural". Esta capacidade de empregar processos racionais para testar a “verdade” e “acerto” implícitos por nossas práticas é a base da adoção de um modo teórico. Teorizar com naturalidade, como algo comum que faz parte da vida por meio de um processo racional reflexivo é claramente, um componente-chave da postura adotada por qualquer pessoa envolvida em práticas educativas.

Outra maneira em que a “atitude natural” pode ser examinada e submetida a um processo objetivo é através de intervenções de ensino deliberadas, como as que são feitas muitas vezes na prática de educação superior, através de construções teóricas, de relatórios de pesquisa, de argumentos éticos, etc. E um terceiro modo no qual o processo de problematização ocorre é através do que nós reconhecemos como pesquisa educacional - a disciplinada busca de dúvidas ou problemas sobre/ou na prática educativa, utilizando reconhecidas abordagens sistemáticas para formulação e realização da investigação e para fazer reivindicações de conhecimento.

Para Habermas o mundo social é concebido como um mundo da vida, aquela em que os próprios pesquisadores educacionais estão imersos e em que eles estão envolvidos na ação social. Este compromisso é o que Habermas chama de atitude performativa. Ao mesmo tempo qualquer um que queira interpretar num modo teórico qualquer segmento do mundo da vida, tem de adotar uma atitude objetivante, que permita ao intérprete problematizar e teorizar aspectos do mundo da vida. Como Habermas aponta, este processo de tematização o que é normalmente não provisório e tido como certo no mundo social, é potencialmente aberto a todos os participantes, porque é essencialmente um processo de ação comunicativa, que por sua vez é uma característica que define a racionalidade humana:

Quem tematiza o que os participantes apenas pressupõem, e ainda assume um posicionamento reflexivo quanto ao interpretandum, não se coloca fora do nexo comunicativo analisado, mas aprofunda-o e radicaliza-o por uma via em princípio aberta a todos os participantes. Esse caminho que leva ao

agir comunicativo ao discurso está bloqueado de diversas maneiras em

contextos naturais, mas sempre disponível na estrutura do agir orientado pelo entendimento (HABERMAS, 2012, p. 243).

Assim, podemos entender pesquisa educacional como aquela que pode exercer a função de desbloquear um caminho de ação comunicativa pela mudança para um nível do discurso, no qual o natural, a autenticidade no mundo da vida educacional recebe um radicalizado re-exame. O pesquisador inevitavelmente tem que ter a capacidade de objetivar, capacidade, em certa medida, de fora da prática através da adoção de uma postura teórica que permita que a tematização possa ocorrer. Para Habermas, "natural" significa o que faz parte da vida do ator que, a fim de agir com outros, deve colocar-se em relação ao mundo da vida como um mundo real.

A teorização pode, portanto, ser tratada como uma abordagem mais sistemática ao que é feito no mundo da vida no cotidiano – o uso do conhecimento de todos os dias é pano de fundo para chegar a um consenso através da ação comunicativa. A pesquisa educacional pode, então, ser vista como um refinamento das práticas cotidianas, e não algo que pertence a um outro mundo: como uma disciplina reflexiva, aberta a todos por causa de suas raízes fundamentais na capacidade humana para ação comunicativa. No entanto, elevar essa capacidade para um nível de ética do discurso é uma prática que requer abertura e diálogo.

A relação paradoxal do pesquisador como participante e observador do mundo da vida é, essencialmente, uma relação que todos os atores sociais podem entrar. Neste sentido, o pensamento de Habermas aceita uma epistemologia relativista. Esta "verdade" deve ser buscada por meio da ação comunicativa, idealizada com o objetivo de chegar a um consenso, o que requer abertura a todos, oportunidades iguais de participação, inclusão e livre de coerção. Este consenso idealizado não é concebido como um resultado, mas como um processo que está implícito na maneira como construímos e usamos o conhecimento, a maneira que concordamos ações que são alcançadas por consenso e a forma como fazemos reivindicações de validade e retidão moral; que é a maneira que nós tentamos convencer uns aos outros de nossas crenças e valores.

Habermas substitui o modelo subjetivista do indivíduo racional não com a linguagem, mas com intersubjetividade (a negociação de entendimentos) como o ponto de partida para uma teoria renovada de racionalidade que aceita a verdade como provisória, mas não abandona a crença na racionalidade, agora envolta na forma de um mecanismo universal pragmático: "cognição que é mediada pela linguagem e ligada à ação" (HABERMAS, 1989, p. 9) inerente aos atos comunicativos que visam chegar a um acordo.