• Nenhum resultado encontrado

“Este esporte estrangeiro se fazia brasileiro, na medida em que deixava de ser o privilégio de uns poucos jovens acomodados, que o jogavam copiando, e era fecundado pela energia criadora do povo que o descobria.”

No Brasil, Charles Miller é considerado o patrono do futebol. Ele, filho da aristocracia paulista, de origem inglesa, foi estudar na Inglaterra, no Banister Court School e jogou pelo Southampton Football Club do condado de Hampshire, e ao retornar para o Brasil em 1894, trouxe junto o futebol (uma bola de couro e um manual de regras) na bagagem e no coração (TOLEDO, 2000; CALDAS, 1990; PEREIRA, 2000).

“O futebol foi transplantado para o Brasil por Charles W. Miller, um brasileiro de origem inglesa. Aos dez anos foi enviado à terra de seus pais para freqüentar a escola. Quando voltou a São Paulo, em 1894, trouxe em sua mala uma bola de futebol. Para difundir o futebol entre os ingleses, que viviam em São Paulo e jogavam cricket, Miller entregou-se a uma fervorosa atividade de missionário. O primeiro círculo que cultivou o jogo numa forma organizada foi formado por sócios de um clube inglês – o São Paulo Athletic Club, que havia sido fundado para a prática do cricket e ao qual Miller se associou. O clube reunia altos funcionários ingleses da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway.” (Rosenfeld, apud CALDAS, 1990, p. 23)

A história da chegada do futebol no Brasil apresenta outros personagens marcantes, como Oscar Cox. Pereira (2000), entre outros (SCAGLIA, 1999; AQUINO, 2002), credita a Cox a responsabilidade pela disseminação do esporte bretão na elite carioca - na época nossa capital federal. Oscar Cox viveu uma história muita parecida com a de Miller, tanto na Inglaterra - onde fora estudar -, quanto quando do seu retorno ao Brasil em 1897 no Rio de Janeiro começou a ensinar o novo esporte aos cariocas.

Entretanto, não quero seguir o mesmo caminho já trilhado por inúmeros estudiosos do futebol (CALDAS, 1990; WITTER, 1990 e 1996; LEAL, 2000; TOLEDO, 2000 E 2002; PEREIRA, 2000; PRONI, 2000; MURRAY, 2000; AQUINO, 2002; GIULIANOTTI, 2002; BRUHNS, 2000)16, mesmo porque eles já o fizeram com regular propriedade, ao abordarem a gêneses do futebol e sua história no Brasil através dos pés de Miller, Cox, entre outros.

16

Todos os autores citados iniciam seus estudos a partir desse marco histórico, e desenvolvem a história da chegada e difusão do futebol no Brasil, porém cada qual segue distintos caminhos discursivos, partindo, muitas vezes, de bases epistemológicas dispares.

Almejo seguir por trilhas desafiadoras e incertas, ainda pouco exploradas. Investigar os rastros deixados por alguns autores que ousaram especular sobre a chegada do futebol ao Brasil antes de seu marco consensual, 1894.

Pode-se dizer que existem três versões que indagam, a partir de evidências concretas em consonância com uma lógica contextual, a chegada do futebol ao Brasil antes de Charles Miller. Ou seja, antes de 1894 um certo jogo de futebol já era praticado em solo nacional, principalmente, devido à intensa inserção da cultura inglesa na sociedade (elite) brasileira. Como adverte Soares (2001, p. 49): “Se se leva em consideração a penetração

inglesa no Brasil, em investimentos e recursos humanos, nada mais fácil de supor que os ingleses trouxeram o futebol e as bolas vendidas pelos comerciantes.”

A primeira versão diz que marinheiros ingleses, já desde 1864, durante os períodos de folga, jogavam futebol nas praias e capinzais existentes no vasto litoral brasileiro (AQUINO, 2002).

“Novas referências indicam a praia da Glória, na cidade do Rio de Janeiro, como local de jogos durante o ano de 1874. Quatro anos depois, tripulantes do navio inglês Criméia teriam disputado uma partida em um terreno baldio, no bairro de Laranjeiras, na então capital federal.” (AQUINO,

2002, p. 24)

Witter (1996), também comunga com a versão dos marinheiros terem jogado futebol antes de Miller, dizendo:

“No entanto, há informações de que, antes disso, já se praticava o ‘jogo de bola’ no Brasil. As partidas de futebol teriam sido jogadas nos litorais de Pernambuco e de Santos, em São Paulo. Os times adversários teriam sido organizados por marinheiros ingleses e por brasileiros residentes nesses locais. Essas informações são difíceis de serem comprovadas, porém devem ter muito de verdade.” (WITTER, 1996, p. 10-11)

A segunda versão apresenta a idéia de que jogos de futebol eram organizados por operários ingleses, vindos ao Brasil para compor a lacuna de mão de obra especializada nas empresas inglesas, tanto na cidade de São Paulo quanto na capital federal, o Rio de Janeiro. Esses operários eram, em sua grande maioria, trabalhadores da empresa de estrada de ferro São Paulo Railway e Leopoldina Railway – no Rio de Janeiro -, e nos jogos realizados, os

colegas brasileiros de trabalho eram convidados para completar as equipes, ou mesmo jogar contra. Nas oportunas palavras de Witter (1990, p. 48): “...é verdade que futebol e ferrovias

têm muito a ver entre si.”

“Segundo outras fontes, coube a um certo mister Hugh a primazia de introduzir o futebol no Brasil, mais precisamente em 1882 na cidade de Jundiaí, palco de disputas futebolísticas entre brasileiros e ingleses que trabalhavam na São Paulo Railway” (AQUINO, 2002, p. 25)

Nicolau Sevcenko (1994), confirma e reforça essa versão, além de ramificá-la – dando azo a uma possível quarta versão -, dizendo que o futebol no Brasil teria seguido dois caminhos: “Um foi o dos trabalhadores das estradas de ferro, que deram origem aos

times de várzea, o outro foi através dos clubes ingleses que introduziram o esporte dentre os grupos de elite.” (SEVCENKO, 1994, p. 36)

Já, a terceira versão afirma que o futebol foi introduzido no Brasil pelos religiosos pés dos professores/padres jesuítas nas escolas católicas (MELO, 2000; NETO, 2002). Os colégios jesuítas, por serem detentores das mais avançadas linhas pedagógicas da época, procuravam introduzir em seus programas a prática de atividades esportivas, coadunando suas idéias com as de outros pedagogos europeus.

Na Itália, os colégios jesuítas desde o início de 1880, já ofereciam o futebol aos seus alunos, entre outras práticas esportivas (MELO, 2000). Na França, o padre Du Lac, professor do Colégio de Vannes, era um dos grandes defensores da introdução do futebol inglês nas escolas (NETO, 2002).

No Brasil se tem como precursores o Colégio São Luiz, fundado em 1861 na cidade de Itu-SP e o Colégio Anchieta em Nova Friburgo – RJ. Nesses colégios, os professores jesuítas, após excursão pelos principais colégios católicos europeus, acabaram por incorporar o discurso sobre os benefícios advindos da prática de exercícios, principalmente, os esportivos, dentre os quais o futebol ganhava relativo destaque.

Essas inovadoras idéias, emergentes nas searas educacionais européias, vinham ao encontro das proposições de Rui Barbosa, quando em 1882, esse escreveu sobre prementes necessidades do Brasil efetuar reformas em sua educação, sendo uma delas a inclusão de atividades físicas nos currículos escolares (NETO, 2002).

“No Colégio São Luiz, o futebol era praticado desde 1880. Quando as bolas vindas da Europa furavam, eram substituídas por bexigas de boi. Na verdade, existem indícios de que o futebol foi introduzido mesmo antes, nesse Colégio, quando um dos sacerdotes começou a jogar com os alunos durante o recreio. (...) No Colégio Anchieta, por exemplo, os exercícios físicos, entre eles o futebol, foram introduzidos logo depois de sua fundação, em 1886.” (MELO, 2000, p. 19)

Outro colégio brasileiro onde o futebol era incentivado e praticado antes do marco Charles Miller foi o renomado Colégio D. Pedro II, na época chamado de Ginásio Nacional - em decorrência da proclamação da república -, esse registrava em seu regulamento datado de 1892 a seguinte anotação:

“O diretor e o vice-diretor do Ginásio procurarão desenvolver em seus alunos o gosto pelos exercícios de tiro ao alvo, de besta, tiro e flechas, exercícios ginásticos livres, saltos, jogo de volante etc. (...) São permitidos como jogos escolares: a barra, a amarela, o futebol, a peteca, o jogo de bola, o cricket, o lawn-tennis, o croché, corridas, saltos e outros, que ao juízo do diretor, concorram para desenvolver a força e a destreza dos alunos, sem pôr em risco a sua saúde.” (MELO, 2000, p. 19, grifo meu)

Enfim, mesmo após apresentar essas pertinentes evidências sobre o futebol sendo praticado antes de Miller, a grande maioria dos estudiosos sobre futebol acabam por não defendê-las. Pelo contrário, optam por validar o marco Miller e a data 1894, por entenderem que não era exatamente o football association o jogo praticado anteriormente.

Aquino (2002), questiona a possibilidade de assumir essas versões como oficiais, dizendo que as informações são insuficientes e termina por perguntar: “Além do mais, as

regras, ainda em processo de elaboração, estariam presentes nesses jogos?” (AQUINO

2002, p. 25)

Witter (1990 e 1996), oportunamente chama esse futebol pré-Milleriano de “jogos de bola”, sendo então esses jogos diferentes do futebol no aspecto de que não respeitavam as regras oficiais do futebol.

Neste momento chego ao ponto mais interessante e profícuo desse tópico, o qual não é o de investigar ou validar quem primeiro trouxe o futebol para o Brasil, mas sim compreender como se deu seu processo de aprendizagem significativa do jogo.

Deparo-me, então, com a necessidade de me aprofundar nos estudos relativos a esses “jogos de bola”, ou seja, a questão do futebol pré-milleriano, seus desdobramentos e, simultaneamente, suas conseqüências.17