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Génese e maturação do tradicionalismo filosófico-político, doutrinário e

CAPÍTULO 1 1814-1829: MISSÃO JESUÍTA EM PROGRESSO

1.2. Génese e maturação do tradicionalismo filosófico-político, doutrinário e

“Não surgimos, pois, de improviso, desbaratando os ídolos com a intrepidez da nossa convicção. Para trás, ao longo das caminhadas ásperas de Portugal,

44 Ofício do Marquês de Palmela ao conde de Vila-Real. Londres, 26 de março de 1828. In Despachos e

Correspondência do Duque de Palmella, Tomo Terceiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1854, pp. 462-464.

Em outro ofício para o Marquês de Aguiar, Palmela referia que “… os ajustes complicados que se fizeram não contentaram nem os Governos nem os Povos”. Apud CARVALHO, Mª Amália Vaz – Vida do Duque

de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein, vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1898, pp. 303-304. Veja-se,

inclusive, JELAVICH, Barbara - History of the Balkans: eighteenth and nineteenth Centuries, Cambridge University Press, 1983, pp. 215 e ss.

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bastantes espíritos nos anunciaram, numa anciã dolorida de perscrutarem as incertezas do futuro.”

António Sardinha, Na Feira dos Mitos46

É após a Revolução Francesa que se começa a estruturar o movimento tradicionalista e contrarrevolucionário, no combate às ideias liberais e maçónicas. Como já foi referido, no Congresso de Viena pretendeu-se o retorno à velha ordem onde Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) se torna num dos principais responsáveis pela afirmação e definição da Tradição e do caráter sagrado do passado47. Esta ligação ao passado é definida por Luís Reis Torgal

como,

“… movimento tradicionalista, absolutista …” [e] “… tem o sentido essencial de conservação de uma ordem política estabelecida historicamente contra a tendência mais ou menos inovadora do movimento liberal. […] foram seus objectivos a defesa do absolutismo régio, da hierarquia social das três ordens, do catolicismo integral e de uma cultura «ortodoxa» que não contrariasse os princípios da fé que a Igreja romana estatuíra”48.

Os contrarrevolucionários faziam a “… diferença entre as sociedades formadas e estabilizadas natural e gradualmente pela história e as estabelecidas repentinamente por «artifício»”49.

Assim, na viragem para o século XIX surge um conjunto de pensadores que reagem contra as novas doutrinas iluministas (o cientificismo, o racionalismo, o ateísmo ou o progressismo que se instalaram na doutrina do iluminismo), que pretendiam derrubar as instituições tradicionais do Antigo

46 SARDINHA, António - Na feira dos mitos: ideias & factos. Lisboa: Ed. Gama, 1942, p. 30.

47 COSTA, Alexandre Araújo – Hermenêutica e método: diálogo entre a hermenêutica filosófica e a

Hermenêutica Jurídica, Tese de Doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de

Brasília, Brasília, 2008, cap. III, secção 2:. Do historicismo ao conceitualismo: Savigny.

48 TORGAL, Luís Reis – “O Tradicionalismo Absolutista e Contra-Revolucionário e o Movimento Católico”. In MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal, 5º vol.: O Liberalismo (1807-1890). Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, p. 228.

42 Regime50. À crítica à política racional aliam o elogio sistemático da tradição e

exaltação do passado onde a religião e a Igreja tradicionais eram vistas como garantia da conservação política e social. Para Eric Hobsbawn,

“O tema principal da sua crítica era que o liberalismo destruía a ordem social ou a comunidade que até aí o homem considerava essencial à vida, substituindo-a pela anarquia intolerável da concorrência de todos contra todos («cada homem por si e o demónio leva o resto») e pela desumanização do mercado”51

O anglo-irlandês e conservador tradicionalista Edmund Burke (1729- 1797), membro do parlamento londrino pelo Partido Whig, não aceitando os excessos da Revolução Francesa, vai expor as suas críticas na obra Reflections on the Revolution in France (1790)52. Foi considerado o fundador do

Conservadorismo moderno, corrente de pensamento política que surgiu na Grã- Bretanha como reação à Revolução Francesa. Na sua perspetiva, a Revolução tinha provocado instabilidade política e uma grave crise social. Segundo Vítor Moura,

“… Burke, crente assumido, preferia encontrar o mínimo denominador comum entre os homens na teia das paixões a procurá-lo no plano superior da razão, constituirá um reforço fundamental - hipótese de partida - do seu insistente conservadorismo e um motivo para as mais sistemáticas críticas apontadas pelo autor ao racionalismo das Luzes”53.

Desprezando os filósofos iluministas, em especial Rousseau e Voltaire, que denominava de «audaciosos experimentadores da nova moral» e «confusos

50 Para Telmo dos Santos Verdelho, em 1820 o liberalismo é ainda uma ideia. Depois desta data poder-se- á falar de uma doutrina e de uma nova ordem político-social. Veja-se, VERDELHO, Telmo dos Santos -

As palavras e as ideias na revolução liberal de 1820. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica,

1981.

51 Ibidem, p. 247.

52 BURKE, Edmund; MOREIRA, Ivone (trad.) - Reflexões sobre a Revolução em França. Fundação C. Gulbenkian, 2015.

53 MOURA, Vítor - Uma investigação filosófica de Edmund Burke: o excesso por fascículos. Universidade do Minho. Centro de Estudos Humanísticos (CEHUM), 1998, pp.3-4; LOURO, Maria Filomena [et al.] –

Inquérito à modernidade: bi-centenário da morte de Edmund Burke (1729-1797). Braga: Centro de Estudos

43 decadentes», afirmava que a história é feita de um longo depósito de tradições, de prudência, de moral, incorporadas nos usos e nas civilizações, e não de elaborações intelectuais, como queriam fazer querer esses filósofos. Para Burke, é no passado que se encontrava a matriz das experiências fundadoras e o ponto fulcral do conjunto de convenções legitimadoras.

Contra o anticlericalismo e as ideologias ligadas ao progresso que ameaçavam, na perspetiva dos conservadores, a sagrada aliança entre o Trono e o Altar, surgem as obras do padre jesuíta, jornalista e polemista católico ultramontano Augustin Barruel ou Abade de Barruel (1741-1820). A Revolução Francesa levou-o a procurar refugiu na Grã-Bretanha. Aí, ele escreveu, como contrarrevolucionário, crítico do jacobinismo e da Maçonaria, Histoire du clergé pendant la Révolution française (1793), dedicando o trabalho à nação inglesa, como reconhecimento da hospitalidade que ela havia mostrado para com os eclesiásticos franceses54. Escreveu também Mémoires pour servir à l’Histoire du

Jacobinisme, em 5 volumes (1800), denunciando a Maçonaria como responsável pela Revolução55. O Abade de Barruel está, deste modo, ligado à política

absolutista, identificando a estrutura das sociedades secretas como uma afronta aos princípios políticos do Antigo Regime56. Como afirmam Mª Alexandre

Lousada e Fátima Sá, Barruel teve enorme influência em Portugal, sendo vários autores divulgadores das mesmas matérias57, como foi o caso do Arcebispo de

Évora, Fr. Fortunato de São Boaventura e do galego Padre Buela. A obra Mémoires foi traduzida para português em 1810 por José Agostinho de Macedo, sob o nome O segredo revelado ou manifestação do sistema dos pedreiros-

54 BARRUEL, Augustin Barruel, (abbé) - Histoire du clergé pendant la Révolution française, 2 vols. A Bruxelles, 1801.

55 BARRUEL, Augustin Barruel, (abbé) - Mémoires pour servir à l'histoire du jacobinisme, 5 vols. A Hambourg: Chez P. Fauche, 1803.

56 SOARES, José Miguel Nanni – Considérations sur la France de Joseph de Maistre, Revisão

(historiográfica) e Tradução. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de História Social do

Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 69 (nota de rodapé nº 209).

57 LOUSADA, Maria Alexandre; FERREIRA, M. de Fátima Sá e Mello – D. Miguel. Lisboa: Temas e Debates, 2009, p. 170.

44 livres. As suas inúmeras obras serviram até 1834 de campanha e combate às teses liberais, contra a Maçonaria, identificada como a mentora dos planos conspiratórios, e para a defesa dos tronos católicos e da monarquia tradicional58.

Os conservadores contrarrevolucionários Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis De Bonald (1754-1840), defendiam a instauração de uma sociedade estruturalmente religiosa e dirigida por Deus. O visconde De Bonald é considerado no domínio da filosofia política como um dos expoentes máximos da filosofia católica contrarrevolucionária. Em 1796 escreve Théorie du pouvoir politique et religieux onde visava em especial a teoria do "Contrato Social" de Rousseau, combatendo nesta obra o ideário da Revolução Francesa59. Na obra

Législation primitive considérée par la raison, escrita em 1802, Louis De Bonald defendia a adesão à fé católica como condição sine qua non para a união entre o trono e o altar60. Em 1830, com dedicatória aos reis cristãos da Europa,

publicou a Démonstration philosophique du principe constitutif des sociétés retomando o tema sobre o poder político e religioso61.

Também Joseph de Maistre (1753-1821), no domínio da religião, foi um dos proponentes mais influentes do pensamento contrarrevolucionário ultramontanista no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa. É autor da célebre frase "Toute nation a le gouvernement qu'elle mérite"62,

defendendo a autoridade estabelecida, anterior à Revolução francesa, defendendo-a em todos os domínios: no Estado, enaltecendo a monarquia; na Igreja, enaltecendo os privilégios do papado; e no mundo, glorificando a

58 VARGUES, Isabel Nobre – “O processo de formação do primeiro movimento liberal: a Revolução de 1820”. In MATTOSO, José (dir.) – ibidem, pp. 47-48.

59 DE BONALD, Louis - Théorie du pouvoir politique et religieux dans la société civile, démontrée par le

raisonnement et par l'histoire, 3 vols.. Paris: A. Le Clere, 1843.

60 Idem - Législation primitive, considérée dans les derniers temps par les seules lumières de la raison ,

suivie de plusieurs traités et discours politiques, 3 vols.. Paris: A. Le Clere, 1802.

61 Idem -Démonstration philosophique du principe constitutif de la société ; Méditations politiques tirées

de l'Évangile. Paris: A. Le Clere, 1830.

62 MAISTRE, Joseph Marie, Conde de; BLANC, Alberto, Barão (ed.) - Correspondance diplomatique, tome 2. Paris: Michel Lévy frères, 1860, p.196.

45 providência divina63. A sua reação à Revolução e ao Iluminismo encontra-se

caraterizada, segundo José Miguel Nanni Soares, “… por uma excêntrica interacção entre ‘jesuitismo’, iluminismo e filosofia das Luzes”64. Sobre o

envolvimento de Maistre com os jesuítas este investigador conta:

“Em outubro de 1811, o novo mandatário da ordem na Rússia, o padre Tadeusz Brzozowski, solicitou ao conde Razumovsky e ao princípe Alexander Golitsyn (superprocurador do Santo Sínodo) autorização para que a escola de Polotsk adquirisse o status de universidade autônoma, tornando-se assim o centro administrativo das instituições de ensino jesuíticos. Para reforçar a petição dos jesuítas, Maistre endereçou em 19 de outubro uma Mémoire sur la liberté de l’enseignement public a Golitsyn, na qual defendia a utilidade político-pedagógica dos padres – ferrenhos opositores daqueles que pretendiam derrubar os tronos e a cristandade – e criticava o monopólio estatal do ensino público…”65

Outros nomes como Lamennais (1782-1854) no domínio da filosofia, Ferdinand Eckstein (1790-1861) na história, ou o teorético conde de Ferrand (1751-1825), defensor do retorno à constituição tradicional da França, e o visconde de Chateaubriand (1768-1848), autor de Le Génie du Christianisme (1802), tornam-se porta-vozes do contexto ideológico conservador, isto é, com a mesma identidade temática. Armando Malheiro da Silva lembra que,

“… o que está em jogo é o discurso ideológico (um misto complexo de valores morais e religiosos, de princípios sócio-políticos estáticos, de representações legitimadoras do ‘status quo’, de conhecimentos empíricos, etc.) fabricado para o combate imediatista e sem tréguas contra as ‘noções destrutivas’ do filosofismo, do maçonismo, do revolucionarismo…”66

63 Maistre apresentava «a autoridade papal como símbolo e postolado da restauração europeia». Veja-se PINHO, Arnaldo – “Portugal no contexto Eclesial Europeu, por alturas de 1820 a 1850”. In Catolicismo e

liberalismo em Portugal: (1820-1850). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, p. 619.

64 SOARES, José Miguel Nanni – Considérations sur la France de Joseph de Maistre, Revisão

(historiográfica) e Tradução, Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de História Social do

Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 5.

65 Ibidem, pp. 79-80.

46 Estes pensadores irão influenciar toda a política europeia, criticando os princípios da liberdade e da soberania popular e servindo de sustentação ideológica à restauração da monarquia católica pós-Revolução Francesa, defendendo a autoridade pontifícia, os privilégios da aristocracia e os privilégios da Igreja.