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Os diários das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa pós

CAPÍTULO 1 1814-1829: MISSÃO JESUÍTA EM PROGRESSO

1.4. A Questão Político-Religiosa no Contexto Português até à morte de D João

1.4.4. Os diários das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa pós

A temática religiosa em geral foi um dos assuntos mais debatidos no Parlamento desde 1820, por deputados e pares do Reino, neste século de profundas alterações de ideais políticos e religiosos.

O tema sobre as relações entre o Trono e o Altar foi consecutivamente debatido no parlamento. A maioria dos parlamentares desde a revolução de 1820 reassumiu os princípios regalistas estabelecidos no século XVIII por especialistas como António Pereira de Figueiredo, Seabra da Silva ou Ribeiro dos Santos, que defendiam a supremacia do poder civil sobre o eclesiástico legitimando, deste modo, a política pombalina de dominação do Estado sobre a Igreja.

O princípio de que a Igreja existia no Estado e não o Estado na Igreja (afirmação proferida pelo regalista Silva Ferrão em 1854) começava a ganhar adeptos. Tanto na Constituição de 1822, como na Carta Constitucional de 1826 existia o mesmo fio condutor regalista, comungado pela maioria dos parlamentares.

Assim, a supremacia do poder civil sobre a esfera eclesiástica abria espaço para diversas intervenções políticas na chamada questão religiosa, criando debates extremamente acesos entre os pensadores ultramontanos e cismontanos que buscavam as raízes da sua força e da sua luta no príncipio da soberania nacional.

125 Assuntos como a função e o lugar das ordens religiosas, o problema da liberdade religiosa e os seus limites (não só em termos dos cultos, mas sobretudo no referente à propagação das ideias consideradas “erradas”), a nomeação para os cargos eclesiásticos, especialmente dos bispos, ganha relevo no debate que constituirá a questão religiosa. Como refere José Eduardo Horta Correia: “A moral que é identificada com a religião é a moral social. Os laços que unem homem a homem na sociedade são reforçados pelo vínculo religioso”269.

Embora seja um país dotado de um Estado com uma religião oficial e uma nação esmagadoramente católica, o Parlamento, pós instauração do liberalismo (1820), refletia e redefinia a questão religiosa.

Foram tomadas várias medidas de reforma na Igreja Católica de maneira a adequa-la ao novo sistema político. Ocorre aqui relembrar, a abolição em 1821 do Tribunal da Inquisição, do juízo da inconfidência e do foro eclesiástico, a extinção dos direitos banais, o debate sobre os dízimos (suporte da vida material do clero secular), sobre os crimes contra a religião, sobre a extinção ou a reforma da igreja patriarcal, sobre a reforma das congregações religiosas, sobre os seminários, sobre os forais, sobre a religião e os seus dogmas, a moral e o culto.

No auge da revolução liberal, Borges Carneiro, nas Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, defendia a Liberdade de Imprensa. Na sua opinião, a fação tradicionalista e a Igreja Católica defendiam que «a falta de censura previa póde seguir-se a irreligião, a anarchia, a offensa da reputação individual». Assim, para Borges Carneiro, o despotismo e a superstição,

“… pertendem ainda obrigar a generosa Nação Portugueza a que continue a soffrer os ferros da censura previa, e impedir o estabelecimento da Liberdade da Imprensa, unico e firmissimo rochedo em que aquelles monstros se despedação; unico e inexpugnavel antemural da Liberdade dos Povos. Debalde o intensão; nós temos jurado manter a augusta Religião de nossos Pays, porem não as superstições, e embustes que lhe addicionárão os Jesuitas, e outros Ecclesiasticos preoccupados ou interesseiros: temos jurado manter o Throno de Bragança, porém não as prepotencias dos Cortezãos, dessa alcatea de lobos carniceiros que o rodeão. Da Liberdade da Imprensa, nos dizem, e da falta de censura previa póde seguir-se a

269 CORREIA, José Eduardo Horta - Liberalismo e catolicismo: o problema congreganista (1820-1823). Universidade de Coimbra, 1974, pp. 25-26.

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irreligião, a anarchia, a offensa da reputação individual: he melhor prevenir delictos do que ter de os castigar”270.

A intervenção de Borges Carneiro na sessão de 15 de fevereiro de 1821, revelava uma ideologia Cristã, mas uma mentalidade anti jesuítica. Borges Carneiro temia os jesuítas, por adicionarem à religião «superstições e embustes», e era contra as «prepotências dos cortesãos», considerando-os como uma «alcatea de lobos carniceiros» que rodeavam o trono.

Debatia-se nas Cortes Geraes e Extraordinarias se os religiosos deviam tratar apenas da parte espiritual, havendo uma separação destes relativamente ao poder temporal. Nesse sentido, Manuel Borges Carneiro (1774-1833)271, no

dia 1 de março do mesmo ano explicava: “… he preciso que os Ecclesiasticos se achem livres destas cousas [terrenas] para poderem destinar-se inteiramente á contemplação das cousas divinas…”, para não acontecer, afirmava ele, como noutros tempos em que “… os Jesuitas ligados por quarto voto á Santa Sé, trabalhavão por estabelecer seu governo temporal. Sabe-se que o Rey D. Sebastião foi aquelle que sanccionou a Concordata que destruia todos os privilegios da Coroa. Sabe-se que não fez senão assignar o que quizerão os Padres da Companhia. Os Reys vião-se obrigados a fazer tudo isto, porque se lhes punhão Interdictos nos Sacramentos que se fazião muito respeitaveis pelas poucas luzes do tempo, e dos Povos”272.

270 Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, nº 16, de 15 de fevereiro de 1821, p. 101. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/016/1821-02-15/101.

271 Eleito deputado às Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa de 1821, viu a sua experiência parlamentar interrompida pela Vilafrancada, tendo-a retomada na sessão legislativa de 1826-1828, período em que foi um dos principais teorizadores do Estado liberal, publicando uma extensa obra no campo da doutrina política, nomeadamente sobre o Direito Civil. Após a chegada de D. Miguel a Portugal, em 1828, Borges Carneiro foi encarcerado no Forte de São Julião da Barra e depois na cadeia de Cascais, tendo falecido na prisão, vítima de um surto de cólera, após cinco anos de reclusão. In ARQUIVO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: https://www.parlamento.pt/VisitaParlamento/Paginas/BiogBorgesCarneiro.aspx

272 Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, 1 de março de 1821. [Consultado

15 maio 2016]. Disponível na internet em:

http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/025/1821-03-01/191. Vide Anexo 12.

No Parlamento encontramos vozes mais radicais, como a visão regalista extremada do deputado Francisco Simões Margiochi em relação à profissão religiosa dos três votos dos frades. Na sua opinião, “Consentir

127 No dia 5 de maio de 1821, o mesmo Borges Carneiro acusava o excessivo número de conventos do estado calamitoso em que se encontrava a lavoura. Nas suas palavras, “hum numero excessivo de Conventos he gravoso ao Estado, e a Lavoura: isto he que digo que he contrario ao systema Constitucional, e isto he que eu julgo contrario á felicidade da Nação. […] porque todos aquelles homens que habitão os Conventos sustentão-se, e vivem do suor do Lavrador, do Artista, E do Commerciante”273.

No dia 6 de agosto de 1821 o tema que se debatia nas Cortes era se deveria haver tolerância para com outras religiões em Portugal. O deputado Francisco Soares Franco (1771-1844) 274 esclarecia: “… possão pois vir os

estrangeiros habitar o nosso paiz, e trazerem-nos os seus inventos, e as suas riquezas. A Inquisição está acabada; venhão pois elles, conheção por um artigo constitucional que elles podem vir estabelecer-se e viver tranquillos: no entanto eu não quero que esta tolerancia passe para os nacionais”. Mas relativamente aos jesuítas a sua opinião era diferente: “… esta sem duvida foi a causa da nossa desgraça, a Inquisição, e os Jesuitas forão os dois archotes que queimarão a nossa prosperidade”275.

No decurso da década de vinte o discurso parlamentar ia equacionando as relações entre o Estado e a Igreja à luz das teses regalistas, isto é, sobre a função da Religião, das reformas internas necessárias à Igreja e da relação desta com o Estado e com o rei enquanto magistrado supremo, mas sempre com um

n’huma profissão Religiosa, he consentir que se abandonem todos os sentimentos da Natureza, e por consequencia consentir em formar hum desgraçado ou hum Monstro”. Diario das Cortes Geraes e

Extraordinarias da Nação Portugueza, nº 72, sessão de 5 de maio de 1821, p. 806. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/072/1821-05- 05/806?q=abandonem%2Btodos%2Bos%2Bsentimentos&from=1821-05-01&to=1821-05-

31&pPeriodo=mc

273 Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, nº 72, sessão de 5 de maio de 1821, p. 803. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/072/1821-05-05/803

274 Foi deputado pela Estremadura às Cortes Constituintes de 1821. Reeleito deputado em 1826.

275 Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, 6 de agosto de 1821. [Consultado

15 maio 2016]. Disponível na internet em:

128 antijesuitismo revelador e premente. Sobre este assunto, Zília Osório de Castro recorda que,

“… o regalismo não só sacralizava os soberanos, reconhecendo- lhes o poder vindo directa e indirectaente de Deus, como adoptara a especificação desse mesmo poder como único e superior no temporal. Deste modo, […] retirava o seu exercício quer à Igreja quer aos eclesiásticos. Ora, os jesuítas contavam-se entre o número destes últimos, com uma preponderância que advinha da instituição da Companhia e que haviam sabido administrar e usufruir. Este sucesso mereceu as críticas regalistas pelas consequências funestas que desencadeava na sociedade”276

Em opinião contrária à maioria da elite da Igreja Católica, o papel da imprensa era valorizado por estes homens como um importante meio de divulgação dos seus ideais, sendo considerada como “Instrução Pública dos Pobres”277.

Para reforço do Governo Constitucional e do Estado liberal era publicada a obra poética de Francisco Joaquim Bingre, O Cidadão Liberal Rindo com a sua Sanfona dos Corcundas Portugueses. Tinha esta obra a pretensão de criticar alguns grupos sociais, a que ele chamava de «corcundas». Eram eles, os inquisidores, os magistrados, os abades e os fidalgos que, segundo Bingre, não compreendiam os valores da Revolução vintista. Exaltava os ideais do liberalismo e mostrava-se um pombalino convicto e um firme antijesuíta. Da obra extraí-se algumas trovas:

“Heróica nação liberta,

276 CASTRO, Zília Osório de – “Sob o signo da unidade Regalista vs. Jesuitismo”. In Brotéria, Cristianismo

e Cultura, vol. 169: A Expulsão dos Jesuítas. 250 anos. 1759-2009., (ago/set. 2009), pp. 133-134.

277 A Constituição de 1822 (23 de setembro de 1822), tinha salvaguardado o tema relativo à liberdade de expressão e de imprensa:

“7

A livre communicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o Portuguez pode conseguintemente, sem dependência de censura previa, manifestar suas opiniões em qualquer matéria, comtanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos, e pela forma que a lei determinar. 8

As cortes Constituintes nomearão um Tribunal Especial, para proteger a liberdade da imprensa, e cohibir os delitos resultantes do seu abuso, conforme os art. 177 e 189.

Quanto porem ao abuso, que se pode fazer desta liberdade em matérias religiosas, fica salva aos Bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, e o Governo auxiliará os mesmos Bispos para serem punidos os culpados”. PORTUGAL. Cortes - Diario das cortes geraes e extraordinarias da nacão

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Livre do corcunda mal: Acolhe as justas rizadas D’um cidadão liberal”. Ou

“Aí, que esta corja fradesca Deste mimo necessita A pombalense pancada Que se deu no jesuita!278

Neste ambiente parlamentar de anti congreganismo279, onde se debatia a

possibilidade de expulsão de todas as Ordens Religiosas era impossível vingarem as ideias dos políticos mais conservadores e muito menos a do regresso da Companhia de Jesus.

Após a morte de D. João VI, a Carta Constitucional de 29 de abril de 1826, outorgada por D. Pedro I, imperador do Brasil, parecia assegurar a liberdade de imprensa, mas sucessivas leis e decretos posteriores voltaram a limita-la, e através de comissões de censura reduziam-lhe os apoios e isenções.

No dia 21 de março de 1827, o mesmo Borges Carneiro continua na defesa de uma imprensa livre, necessária no combate aos absolutistas e aos próprios jesuítas:

“Quem sustenta, Senhores, as Instituições Liberaes contra a prepotencia do absolutismo, contra a sedução das honras, e riquezas que elle promette e com que se mantêm, senão a Imprensa? Se esta não fosse, estaria hoje o Governo Representativo adoptado em quasi toda a Europa? Um pouco de trapo e de tinta junto com a justiça da Causa, eis aqui a unica

278 BINGRE, Francisco Joaquim - O Cidadão Liberal Rindo com a sua Sanfona dos Corcundas

Portugueses. Porto: Imprensa do Gandra, 1822, pp. 6-42.

279 Segundo António Matos Ferreira, Congreganismo “… diz respeito às diversas formas organizadas de vida consagrada masculina e feminina, canonicamente estatuída dentro do catolicismo romano e expressa através de votos, simples ou solenes, de pobreza, castidade e obediência, e que encerram teologicamente uma dimensão escatológica corporizada na própria vida comunitária, diferenciando-se da organização secular e diocesana.[…] Centradas na consagração pessoal e comunitária, as congregações religiosas correspondem à organização da vida religiosa em torno do carisma definido por um (a) fundador (a), em ordem a uma influência directa na sociedade: ensino, assistência, acção missionária - as missões internas (ad fides) e externas (ad gentes)”. FERREIRA, António Matos – “Congreganismo”. In AZEVEDO, Carlos Moreira - Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. AC. Rio de Louro: Círculo de Leitores, SA e Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 488.

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arma de nós os fracos Constitucionaes para combater o poder colossal do absolutismo, ou despotismo…”280

Continuando o seu discurso com um antijesuitismo latente e acusador, afirmava:

“Deixemos, pois, aos Governos arbitrarios o cuidadao de sopear as Imprensas, e os Periodicos: deixemos a um partido da França dominado pelo Jesuitismo o Congreganismo o projectar Leis de Liberdade de Imprensa, que destruão os Periodicos. Entre nós está ainda mui fresco o horrendo parricidio, e os horrendos males, que nos trouxerão os Jesuitas.”281

Desejando uma imprensa livre das amarras da Religião, expressa aos seus colegas parlamentares: “..., sejamos-lhes [à Imprensa] antes gratos pelas luzes, que já tem derramado”282.

O tema sobre a liberdade de imprensa e a utilização da mesma na transmissão da informação aos cidadãos, é retomado na sessão parlamentar do dia 9 de fevereiro de 1828. Borges Carneiro pergunta aos deputados sobre o porquê de colocarem em causa o Art.126 da Carta Constitucional, segundo o qual “Nas Causas Crimes a inquirição de testemunhas, e todos os actos do Processo, depois da pronúncia, serão públicos desde já”. Diz ele:

“Mas qual he a razão, porque tanto se tem resistido a esta publicidade, interpretando-se mesmo sofisticamente a Carta? Porque se repugna tanto á publicidade dos Actos do Poder Judicial, e do Executivo, revogando-se nulla, e attentatoriamente o Decreto de [18] Agosto de 1826283, que estabelecera interinamente a liberdade da Imprensa em um pé razoável? He pela mesma razão, por que as feras, e aves nocturnas evitão a luz. Os colluios, e as vinganças preparão-se melhor nas trevas; as Leis parciaes só se fazem á porta fechada; os dinheiros públicos dissipão-se melhor ás escondidas. He uma casa ás escuras rodeada por fora de grande luz, e porteiros a tapar cuidadosamente as janellas, e portas, para que

280 Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, sessão de 21 de março de 1827. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/058/1827-03-21/652. Vide Anexo 14. 281 Ibidem.

282 Ibidem.

283 Decreto de 18 de agosto de 1826, sobre a liberdade de imprensa. In BARÃO DE S. CLEMENTE,

Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, Tomo II: 1826. Lisboa: Imprensa

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nenhuma luz possa entrar; mas he forçoso que entre: debalde pertenderão fazer-nos recuar para as trevas, e para o ridículo do século 15, e 16. A publicidade, virtude generosa, e magnanima, companheira da liberdade da Imprensa, he a principal virtude, e garantia do regimen representativo. Os Governos, e seus Subalternos, que escondem á Nação a forma, e os motivos, por que obrão, mostrão por isso mesmo que querem dever tudo á força, e que contão por nada a opinião dos seus subditos: Sectarios do Poder arbitrario, não querem que se illustre o Povo, e o desprezão, porque não he illustrado: dizem que o Povo não he capaz de julgar por ser ignorante, e procurão mantê-lo na ignorancia, para que não seja capaz de julgar: assim o encerrão em um circulo eterno. Querem no seculo 19 tractar as Nações como meninos, governadas como os Sacerdotes ao antigo Egypto, os Brames o Indostão, os Jesuitas o Paraguay. Já passou esse tempo, e não voltará. As Nações têm sua infância”284.

Borges Carneiro defendia a liberdade da Imprensa «em um pé razoável, onde era forsoso que entre Luz…», essa “Luz” que, segundo ele, vinha dos novos ideais liberais e aceites através da Carta Constitucional285. Reclamando

um povo culto, refere-se aos jesuítas como responsáveis da ignorância do mesmo.

Tudo estava muito próximo de mudar. No dia 22 de fevereiro chega D. Miguel a Lisboa e quatro dias mais tarde, foi-lhe entregue o governo do país, na sua qualidade de regente. Em 1 de março o povo voltou junto do palácio a aclamar D. Miguel rei absoluto e no dia 14 de março cessam os debates na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa.

Embora a religião católica fosse considerada como o pilar do liberalismo monárquico, não se pode deixar de verificar que os avanços da secularização se encontravam em curso desde o pombalismo, acentuando-se com a experiência revolucionária de 1820, que pretendeu diminuir a influência social da Igreja no Estado.

284 Diário das sessões da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, sessão de 9 de fevereiro de 1828. [Consultado 15 maio 2016]. Disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/030/1828-02-09

285 VERDELHO, Telmo dos Santos – As palavras e as ideias na revolução liberal de 1820. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1981, pp. 64-67.

132 Deste modo, após leitura dos diários dasCortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa e Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza fica-se com a perceção que o grande debate travado nas duas Câmaras do Parlamento (Câmara dos Pares e Câmara dos Deputados) durante a década de vinte mais do que uma questão em torno da questão religiosa, incidiu sobre a questão eclesiástica e as formas de organização da Igreja nas suas relações com o Estado. Para além disso, fica percetível a imagem negativa que a Companhia de Jesus mantinha em Portugal, nesta elite política e por ideólogos próximos deste governo constitucional.

A imagem pombalina de que “Estes homens, empenhados no controlo efectivo do aparelho de Estado e numa Igreja mais submetida aos interesses nacionais, viam uma constante ameaça numa ordem religiosa caracterizada pelo forte vínculo de obediência ao Romano Pontífice, e por uma poderosa presença nas cortes como confessores da realeza, como mestres e como hábeis diplomatas”286, mantinha-se latente nestes deputados parlamentares.